Título: Corporeidades negras, infância e estéticas da diferença: atravessamentos de raça e gênero na midiatização do caso da criança de São Mateus
Autor: Abraão Filipe Marques de Oliveira
Período: 2022-2
Orientadora: Maria Simone Euclides (DPE/UFV)
Coorientador: Rennan Lanna Martins Mafra (DCM/UFV)
Resumo: Durante a pandemia da Covid-19, um caso emergiu: uma menina de dez anos de idade, moradora de São Mateus, após ser estuprada desde os seis anos, foi engravidada pelo tio. Apesar de autorizado pela Justiça, o acesso dela ao procedimento para interromper a gestação foi dificultado, forçando seu deslocamento até Recife. Esse acontecimento, envolvendo a existência de uma criança negra que vivia em contexto familiar de pobreza, passou a circular midiaticamente a partir de agosto de 2020 e foi atravessado por inúmeras contradições, marcadas por exposição de seus dados nas redes, constrangimento público na porta do hospital e articulação para forçá-la a não retirar o feto. Portanto, tomando a midiatização deste caso como fenômeno empírico central, o presente trabalho tem como objetivo compreender de que modo as dimensões de raça e de gênero atravessaram a postura do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) – um órgão do Estado ligado ao Poder Público Federal –, no que tange a esse fato, a partir de uma abordagem metodológica inspirada no paradigma indiciário de Braga (2008) e no procedimento estético de Gumbrecht (2010a).
Por fim, a partir do tensionamento entre os indícios levantados e os fundamentos teóricos (hooks, 2019; Nunes, 2022; Arendt, 2007; Gumbrecht, 2014; Braga, 2011; Sodré, 2014), foi possível produzir inferências sobre o quadro reflexivo do trabalho, analisando como os agentes do Ministério prescrevem uma visão de vigilância dos corpos, fixando a menina num lugar de subalternidade e mobilizando um conjunto de discursos e ações que estabelece uma visão racista e sexista (Gonzalez, 1988) sobre o corpo da criança de São Mateus. Assim, opera-se para a manutenção da institucionalização do controle dos direitos reprodutivos de mulheres e meninas negras – uma lógica que evoca ao período pós-escravidão, contexto em que a reprodução de mulheres negras e indígenas é controlada. Concluímos que o Estado, através das práticas e discursos do MMFDH, colaborou para perpetuar culturas de dominação, incentivando o racismo capitalista cisheteropatriarcal, ao demonstrar preocupação apenas com o feto e se desresponsabilizar com a menina viva que estava ali, com seu corpo, tendo sua existência, mais uma vez, sendo desumanizada e vilipendiada.
Palavras-chave: Midiatização, infância, interseccionalidade, estéticas da diferença, justiça reprodutiva.