Hora de SerReal: Rede social que proíbe filtros promete mudar as narrativas dos Instagrammers

Conheça BeReal, o app ‘anti-instagram’ que bombou com propostas nostálgicas

para a comunicação na era digital

Seu celular apita em um horário aleatório e a central de notificações revela: ⚠️ Time to be Real ⚠️ (É hora de ser real). Ao abrir o aplicativo, uma contagem regressiva de 2 minutos começa – é o momento do seu dia a ser compartilhado com os amigos, mas sem filtros ou simulações. Com disparo da câmera frontal e traseira ao mesmo tempo, logo surgem reações dos amigos, também em fotos, sem edição.

Essa é a proposta do BeReal, rede social francesa que surgiu em 2020, mas ganhou relevância no início desse ano. Muito além de um app para compartilhar fotos, a rede ganhou fama de ‘anti-Instagram’ pela proposta de retorno nostálgico a era inicial da rede vizinha – que como o próprio nome indica, nasceu para ser uma timeline de registros instantâneos.

Perfis criados no Instagram na época de seu lançamento se recordam da história de transformações do aplicativo, frequentemente pautada em propostas de outras redes. Tendo em sua essência de criação o compartilhamento de fotos, em 2013 o IG passou a permitir vídeos e, em 2017, carrosséis de imagens. No contexto de ascensão do Snapchat, lançou o recurso de Stories, e tendo o Tiktok como ameaça, recentemente desenvolveu uma aba apenas para vídeos, o Reels.

Mas as mudanças não passaram despercebidas: utilizando o algoritmo, o app passou a entregar apenas conteúdos dos recursos recém-lançados, para promovê-los. Um feed antes focado em fotos de seus amigos, entregues em ordem cronológica, para compartilhamento de dicas e experiências, hoje pauta a entrega de posts em vídeos, e frequentemente apresenta erros de atualização que afetam negativamente o alcance das postagens.

Dentre as reclamações de quem trabalha com criação de conteúdo, destaca-se a determinação de que apenas quem produz conteúdo em vídeo, com música e com o limite de sessenta segundos (em um formato similar da popular ‘rede vizinha’) consegue alcançar público e gerar resultado. Já os consumidores de conteúdo passaram a abandonar o app, discutindo tópicos como burnout por excesso de informações – o feed se tornou uma espécie de buraco negro, com informações espalhadas sem lógica e sem fim. O resultado? Pressão social, fadiga, o chamado FOMO (Fear of missing out, o medo de perder o que está acontecendo ao redor do mundo), sedentarismo, busca desenfreada pela fama, obsessão com o corpo, entre outros riscos a saúde mental e física medicamente comprovados. Em uma era digital marcada pelo vício em redes sociais, se tornou comum ler matérias ou assistir palestras que recomendam abandonar as redes, ou ao menos passar menos tempo nelas.

Como viralizar uma rede social na Geração que incentiva reduzir esse consumo?

Esse é um dos muitos questionamentos que Alexis Barreyat, desenvolvedor do BeReal, pode ter encontrado ao criar o app BeReal. Justamente por isso, a proposta da rede é dizer adeus a redes sociais viciantes, e postar e consumir conteúdos que te deixem bem consigo mesmo. “Autêntico e espontâneo“, segundo o próprio criador da rede. Uma vez que todos recebem a notificação simultaneamente, e a ideia é reunir ali apenas seus amigos mais próximos, dispostos a te verem em literalmente qualquer situação do dia, a utilização do app se torna descomplicada.

A notificação chega e você se prepara para postar nos dois minutos (sim, é possível postar atrasado, mas isso te impede de ver o post dos outros amigos). Com opções de adicionar ou não legenda e localização, e um layout básico para ver tanto a foto quanto a selfie, não há muito o que pensar antes de enviar. E ao ver as fotos dos seus amigos, as selfies de reação são expressões rápidas e igualmente genuínas. O feed é curto, você reage ao que seus amigos postaram e fim, consciência limpa para sair da aba, sem se preocupar com procrastinação e sem ânsia por mais informação. A dose exata de networking, conexão e diversão que precisava para o dia.

Influência do BeReal nas atualizações de outras redes sociais

Amantes de redes sociais já estão acostumados: quando uma nova trend ou rede viraliza, as outras acompanham o movimento. Isso já pode ser observado no próprio TikTok, que lançou no último mês a ferramenta NOW. Um aplicativo separado, mas linkado ao TkTk, incentiva que os criadores publiquem vídeos de apenas 10 segundos, registrando o que estão fazendo naquele exato momento. Te lembra algo?

O fenômeno da convergência midiática nos mostra que a tecnologia está em constante evolução, e sim, isso afeta as relações sociais. Mas o contrário também acontece! Em um contexto social que segue a eclosão de uma pandemia, novas modalidades de estudo e trabalho remoto criam um cenário de muito debate sobre o uso da tecnologia. E não é preciso estar muito longe dos perfis pra conhecer fenômenos como o da ex-bbb Juliette, que ganhou mais de 33 milhões de seguidores, em menos de um ano. O surgimento de novas redes de criação de conteúdo e ascensão de novos influencers ressignificou os conceitos de fama e sucesso na internet. O que antes era uma ferramenta para conectar pessoas com base em interesses comuns, hoje é fonte de renda para muitos. E convenhamos, o comportamento em casa é diferente do comportamento no trabalho, a estratégica de comunicação com seus chefes não é a mesma que a utilizada com seus amigos. Redes sociais antes pessoais, hoje se encontram nesse limbo, na discussão sobre vidas fakes, inventadas na criação de perfis.

Mas afinal, existe presença autêntica nas redes sociais?

Que o BeReal nos lembra de uma era em que estar online parecia muito diferente, isso é fato. Como fã da rede e user a mais de meses, confesso que receber as reações dos meus amigos em foto, e ficar aguardando o breve momento do dia em que usarei o aplicativo de fato, me lembra muito a época do MSN, e a própria interface do aplicativo me traz saudades do Orkut. Em que outra rede social se compartilharia com amigos, de forma tão simples e direta, o que se está lanchando na segunda a tarde, qual o seu estado no meio da faxina de sábado ou com quem está passando o dia? No TikTok, viralizaram um vídeo de uma mulher que estava no meio de um date com seu ex-namorado quando o BeReal apitou, e a reação de seus amigos foi hilária. No Twitter, se discute como seria postar durante momentos históricos ou desastres naturais – “Imagine BeReal on 9/11″ começou a thread (Imagine o BeReal no onze de setembro).

Se fará sucesso ou não? Ficará esquecido ou transformará todas as outras redes? Em breve saberemos. Mas no momento, soa tentador se apaixonar pelo app. Com todas as movimentações sociais que se passam, e o desejo de compreender como os “mundos” reais e virtuais se conectam, ser mais pessoal, humano, real nas redes, parece necessário. Compartilhar momentos de normalidade é uma tendência já que no dia a dia, com quem amamos e repartimos momentos, não costumamos falar com música de trend ao fundo, roteiro programado e aparência perfeita. A vida é real, e o BeReal veio pra provar que as redes sociais também podem ser.