Helena Almeida e a censura salazarista

A força da arte plástica na mão de uma mulher obcecada pela cor AZUL e em plena ditadura portuguesa

Não fique triste se você não é notado, o sal só é notado quando falta ou quando é muito.

– Helena Almeida

As palavras expressadas por Helena Almeida só podem ser compreendidas com a leitura de seu contexto como mulher, artista plástica e cidadã em meio à ditadura portuguesa de Antônio Salazar, que ocorreu de 1926 à 1974.

Helena, nesta frase, evidencia seu descontentamento gerado por toda censura totalitarista de seu estado de nascença. Uma mulher que sempre buscou seu próprio espaço sozinha e converteu anos de submissão à arte de diversas maneiras não permite, de forma alguma, mais uma repressão do seu próprio ser. Ela quer ser livre para poder usar seu azul o quanto quiser.

No entanto, como nada em sua vida, a artista tão pouco teve o que queria. Mas o que ela faria? Apenas olharia sua tão amada terra portuguesa ser controlada, censurada e exilada do mundo? Não! Helena Almeida lutou cada segundo contra aquilo que não acreditava. Forçou o muro salazarista com sua principal arma: a arte plástica.

Tela Habitada, 1976, Obra de Helena Almeida, onde a artista aparece em uma sequência de imagens tentando perfurar um quadro transparente.
Tela Habitada, 1976, Obra de Helena Almeida/ Reprodução: Instituto Moreira Sales (IMS)

A história construída a partir de tentativas de liberdade e fortes críticas artísticas

Helena Almeida (1934-2018) foi uma artista plástica que nasceu em Lisboa, Portugal, e que iniciou sua carreira no final da década de 1960, onde obteve enorme sucesso e é, até hoje, um dos principais nomes da arte moderna portuguesa no século XX. Suas obras são referências nos temas “arte e o indivíduo” e “a produção artística em censura totalitária”.

Apesar dos temas específicos, Helena também é fortemente associada à luta das mulheres, já que sua vida teve como principal desafio a busca da liberdade e sua arte aborda veementemente o autoconhecimento, a sedução e repressão feminina.

A artista terminou o curso de pintura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa em 1955, mas ainda preferiu se dedicar às tarefas familiares com seu marido Artur Rosa e seus dois filhos. Em 1964, entretanto, obteve uma bolsa de estudos em Paris e decidiu acatá-la.

Em meio à ditadura, Almeida ainda sim foi estudar especificamente arte conceitual, cuja carreira foi totalmente influenciada por esta.

Além disso, foi nessa base teórica que Helena deixou extravasar sua arte tradicional líquida para sua arte contemporânea bruta, onde a pintura e o desenho foram deixados de lado para dar vez ao suporte fotográfico.

Ideias que estavam no papel desde sua experiência como artista na ditadura salazarista finalmente tinham como ser produzidas. E são estas obras, fundamentalmente realizadas por equipamentos audiovisuais da época, que destacaram seu trabalho artístico.

O fim de um caminho sem volta

No entanto, a exposição desta compilação só ocorreu pós ditadura, o quê, de certa forma, amenizou sua importância para arte plástica portuguesa na época; mas, hoje, as obras de Helena Almeida demonstram forte relevância para a compreensão dos acontecimentos daquele período e da evolução do lado artístico português.

Algo que a história sempre tentou explicar sobre Helena é o seu fascínio pela cor azul. Em quase todas suas obras importantes, como em Pintura Habitada e Estudo para um enriquecimento interior, o azul aparece como protagonista. Infelizmente, a tentativa apenas chegou à suposições, com uma, entre tantas, para mim, a mais correta: ela ama azul!

Não importa o motivo específico, o que sabemos é que todas suas obras com essa coloração conseguiu atingir suas finalidades sem qualquer explicação de seu uso.

Obras de Helena Almeida:

  • Pintura Habitada, 1975;
Pintura Habitada, 1975, de Helena Almeida. Helena pintando ela mesma de azul, refletindo as ações da ditadura.
Reprodução: IMS
  • Estudo para um enriquecimento interior, 1977-1978;
Estudo para um enriquecimento interior, 1977-1978, de Helena Almeida. Helena sendo coberta por uma pincelada de coloração azul de seu olho direto para cima da obra.
Reprodução: IMS
  • Ouve-me, 1979;
Ouve-me, de Helena Almeida e foi publicado em 1979. É uma obra onde possui uma sequência de movimentos de uma boca costurada, isto é, censurada.
Reprodução: IMS

Para mais obras de Helena Almeida, clique aqui

A história de Helena Almeida, suas dificuldades na ditadura salazarista e toda sua demonstração audiovisual da arte trazem lições importantes hoje para nosso status quo como sociedade. Uma mulher que em todo momento lutou pela sua liberdade artística, interior e exterior; que trouxe à tona como seu trabalho e gênero dificultaram na chegada de seu objetivo; que apresenta obras bem explícitas sobre suas ideias, conceitos e valores e que, hoje, descansa em paz, sabendo que todo seu esforço valeu a pena.

Caso queira saber mais sobre esta artista valorizada em seu tempo com obras multifacetadas e sintonizadas com as práticas mais avançadas na época, veja o vídeo de #vivieuvi:

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