Silent Hill – Escondendo suas cartas (na névoa)
[Texto por Lucas Senpai]
A cidade de Silent Hill sempre foi, no mínimo, emblemática. Sempre misteriosa, com suas ruas que parecem ser muito compridas, becos estreitos, o perigo a cada esquina e uma névoa insistente querendo esconder o horror dos olhos de quem ousa se aventurar por lá. À medida que você navega por lá, você reza por uma brisa pra limpar a vista e revelar os segredos da cidade. O que você não espera é, que por trás dessa névoa, fique um dos maiores truques de terror da sua geração de videogames.
O primeiro Silent Hill nunca foi muito famoso por ser um jogo que assusta o jogador. Os gráficos não tinham atingido um nível de realismo muito complexo, o que era notável pela época do lançamento, o ano de 1999. Porém, caso o argumento fosse de que faltam gráficos decentes pra fazer um jogo assustador, Silent Hill compensa em atmosfera e ensina aos amadores como se faz um jogo assustador sem recorrer a truques baratos como jumpscares.
A câmera fixa está sempre lá, com ângulos sempre mostrados de cima (salve algumas exceções) e de longe, de forma a fazer o jogador se sentir sempre pequeno de frente à cidade.
A trilha sonora e os efeitos de áudio são horripilantes, e quem já jogou com certeza sabe reconhecer o choro ou grunhido de um monstro dessa entrada da franquia até hoje, e sem dúvidas teve um frio na barriga na primeira vez que ouviu (sem falar da trilha sonora de Akira Yamaoka, que por enquanto, infelizmente, não vou puxar muito o saco).
Os controles te ajudam na imersão, te mostrando que você é só um civil que não sabe usar armas e que ali os monstros tem vantagens sobre você.
A escuridão em algumas partes do jogo te forçam a usar uma lanterna muito fraquinha, deixando as suas passagens no escuro ainda mais assustadoras.
Mas, honestamente, o mais maluco desses aspectos é a névoa.
Desde a primeira vez que você sai daquele café com nosso protagonista Harry Mason, você é instantaneamente recebido por uma chuva de polígonos estranhos. De primeira, eu tenho certeza que muita gente achou que fosse neve, ou talvez um bug no jogo, mas uma forte névoa te acompanha nos ambientes exteriores. Por conta dessa, você não consegue enxergar além de uns quatro ou cinco metros na sua frente, e é nesse aspecto que o jogo é duplamente brilhante.
Esse emaranhado de polígonos caindo no céu, vulgo a névoa, serve dois propósitos. Um deles, que você pode chamar de escolha de estilo, é o de limitar a visibilidade do jogador para criar tensão. Em um mapa aberto é difícil de se manter a tensão, mesmo com ângulos de câmera fixos, então a névoa é uma boa maneira de forçar o jogador a se movimentar pelo uso do mapa e as referências de navegação mais próximas dele (ou seja, no que ele estiver quase encostando). Isso causa uma certa claustrofobia, mesmo num ambiente externo, que é um elemento de terror sensacional.
Porém o segundo propósito da névoa não é tão glamuroso assim, e é o motivo original da sua existência: esconder as limitações gráficas do Playstation 1.
Como era um console de 32 bits ainda, o PS1 não era capaz de renderizar cenários a longa distância, o que normalmente fazia com que desenvolvedores usassem fundos estáticos para fazer o horizonte, ou que fossem criativos, como foi a Team Silent no primeiro jogo da franquia deles. Eles criaram então essa névoa, que escondia os limites da renderização do mapa, de forma que o jogo carregava à medida em que o jogador explorava as áreas da cidade, guardando as telas de carregamento só para as transições entre áreas maiores.
E é interessante observarmos como um jogo transformou um problema técnico em uma das marcas registradas da franquia, e que é utilizado até hoje nos mais recentes (e medíocres) jogos da franquia. Mas fique de olho, pois a névoa esconde mais do que polígonos não renderizados…