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Jogos Nacionais: onde erramos?

[Texto por Matheus Aguiar]

Em 1972, nascia o primeiro jogo eletrônico comercial no mundo. “Pong”, que foi desenvolvido pela Atari, concedeu aos norte-americanos o pioneirismo de uma indústria, que, décadas depois, se tornaria um dos expoentes da economia alternativa contemporânea.

E apenas no início dos anos 80, uma década depois, nascia o primeiro game nacional aberto ao mercado, o “Amazônia”, desenvolvido por Renato Degiovani (conhecido por ser o primeiro projetista de jogos no Brasil). Essa lacuna temporal pode ser considerada até muito curta, já que as tecnologias em geral costumam demorar um bom tempo para chegar às terras tupiniquins. Ou seja, se nosso começo não foi tão atrasado assim, onde foi que erramos no percurso para estarmos tão distantes das atuais potências do mercado gamer? É ISSO QUE VAMOS TENTAR DESCOBRIR.

A História dos jogos eletrônicos brasileiros

Quando tudo ainda era mato por aqui, em 1991, a desenvolvedora Tectoy reprogramou o jogo da Sega, “Wonder Boy in Monster Land”(1987), modificando a história original para outra, digamos, muito mais brasileira: A turma da Mônica. E assim nasceu “Mônica no Castelo do Dragão” para Master System, que contribuiria muito para a popularização do console no país.

Posteriormente foram lançadas duas continuações do game, ambas adaptações da série Wonder Boy.

https://www.youtube.com/watch?v=RFEZzob5KGU

O primeiro jogo TOTALMENTE brasileiro que fez sucesso internacionalmente foi inspirado pela pitoresca história da suposta aparição de um extraterrestre na cidade mineira de Varginha. O game, lançado em 1998, intitulado “Incidente em Varginha”, foi desenvolvido pela brasileira Perceptum – uma das pioneiras no escasso mercado local. Aqui, o jogo vendeu apenas 2 mil cópias, enquanto no resto do mundo a repercussão foi maior, 20 mil cópias. O problema: a distribuição para as lojas nacionais era limitadíssima.

https://www.youtube.com/watch?v=KFpxTt5aoFw

Em contrapartida, “Gustavinho em o Enigma da Esfinge” (1996), vendeu mais de 60 mil cópias. E foi além, em comemoração aos seus 20 anos, o game chegou a ser relançado em 2013 para iOS, e em 2017 para Android. O destaque do jogo é que ele foi o primeiro, e talvez um dos únicos, que contara com a participação de um brasileiro famoso na interpretação de um personagem: a atriz Marisa Orth (Sai de Baixo, Toma Lá Dá Cá) foi a Cléopatra na história.

https://www.youtube.com/watch?v=gTtds_04S28

O que percebemos, é que até a década passada, a maioria esmagadora dos jogos eletrônicos brasileiros tinham o público infantil como seu grande alvo. Ou pelo menos, os títulos tinham uma indicação mais familiar. Isso se deve pois uma boa parte das desenvolvedoras serem também empresas de produtos infantis, ou estarem atreladas à uma campanha publicitária muito maior do que o próprio jogo. Nesse caso, os jogos funcionavam como espécie de extensão de algum produto ou show de tv (como no caso do Show do Milhão).

Jogos Independentes (ou nem tanto)

A história de desenvolvedores que vão na contra-mão das grandes empresas começou, relativamente, cedo no Brasil. No início dos anos 2000 já haviam muitos jogos indies fazendo fama nas rodinhas de jogatina da época, ou nas MUITAS lan houses brasileiras. É evidente que a pirataria sempre fez parte da vida da grande maioria dos gamers do país, sendo assim, o jogos independente, que geralmente são disponibilizados gratuitamente nos sites, rapidamente caíram nas graças da população.

O primeiro grande jogo a ser desenvolvido de forma experimental no Brasil foi uma surpresa muito grata, e até hoje, quase 20 anos depois, é citado como uma referência internacional no formato RTS (Estratégia em Tempo Real). Três alunos recém formados do curso de Ciências da Computação na federal do Paraná, em 2001, criaram o Outlive, que também foi um expoente nacional no formato on-line. E se não fosse o abismo financeiro que separava a Continuum (empresa que publicou o game) e a Blizzard (WoW, Hearthstone), Outlive teria concorrido de igual para igual no mercado estrangeiro ao lado do StarCraft.

https://www.youtube.com/watch?v=S2xypUqlnnA

Outra desenvolvedora independente que soube cativar os brasileiros foi a CyberGambá,  que entre 2003 e 2006 produziu inúmeras releituras de vários jogos muito conhecidos por nós brasileiros (Mortal Kombat, Super Mario World), em sua maioria, introduzindo personagens da série mexicana Chaves.

Contudo, o grande destaque nessa categoria, que é pouco conhecido, é o jogo Bola de Gude (2005). Mas se quase ninguém conhece, por que ele é tão importante assim? Eu te digo. O game, desenvolvido pela Icon Game ganhou nada mais nada menos que 5 prêmios em 2006, dentre eles o de “Jogo Mais Original – 2006 Ernie Awards”, no Bytten Independent Game Reviews.

https://www.youtube.com/watch?v=h8bbbY6gX5I

No Bombapatch, reencarnamos mais uma vez o “jeitinho brasileiro”, e assim como fizeram nos anos 90 com o jogo da Mônica, um jogo estrangeiro (Winning Eleven) recebeu uma nova roupagem. A questão é que, a GeoMatrix (desenvolvedora do Bombapatch) juntou dois pontos muito simples: a paixão nacional é o futebol; os jogos de futebol no início dos anos 2000 não davam tanta atenção para o campeonato nacional. Foi a chave para o game ser muito bem recebido, e fazer parte da vida de possuidor de um Ps2.

O jogo, desde então, nunca deixou de receber pelo menos uma atualização anual. E na última versão, o game resolveu ouvir a sugestão de um tal meme nacional (ou político para os leigos), e incluiu a seleção da Ursal (União das Repúblicas Socialistas da América Latina) entre as equipes disponíveis.

https://www.youtube.com/watch?v=aQ6FYRW884s

Cenário atual

Com 66,3 milhões de gamers e uma movimentação de US$ 1,3 bilhão em 2017, o Brasil é o principal mercado de jogos da América Latina e o décimo terceiro no ranking mundial, conforme levantamento realizado pela Newzoo. E além do mercado favorável, o país tem se tornado um dos grandes destaques no esporte eletrônico.

Inúmeros são os games nacionais que tem sido destaque tanto por aqui, quanto internacionalmente. Dentre os mais jogados, temos “Knights of Pen & Paper”, “Horizon Chase”, “Until Dead”, “Lila’s Tale: Stealth”,”Chroma Squad” e “AlphaBeatCancer”. Podemos dizer que esse é o resultado do boom telefônico que ocorreu no Brasil nos últimos 5 anos. Certamente, o foco das desenvolvedoras  brasileiras é, e será para as plataformas mobiles, já que o custo de produção e de aquisição são consideravelmente menores que nos consoles.

https://www.youtube.com/watch?v=x4utMXu5m6A

Contudo, o maior destaque em premiações internacionais nos últimos anos foi o game Distortions. Vencedor do “Prêmio de Melhor Jogo Brasileiro” no BIG Festival e indicado pelo Indie Prize como um dos dez melhores jogos do mundo em 2017, o game desenvolvido pela Among Giants levou nove anos para ficar pronto. A empresa, que possui apenas dois anos de existência, é uma das bravas resistentes no mercado nacional.

https://www.youtube.com/watch?v=K7SoqM4YsnA

A Among Giants, assim como a Behold Studios, a O2 Games, a Aquiris Game Studio e várias outras desenvolvedoras brasileiras entendem bem a dificuldade de se produzir um game no Brasil. Além da grande falta de investimento, a lei é um pouco confusa quando o assunto é jogos eletrônicos. Por exemplo, algumas desenvolvedoras tem conseguido investimento governamental por meio de editais da Ancine. Ora, mas essa não é uma Agência de Cinema? Pois é, a legislação brasileira, aparentemente, ainda não entende muito bem a diferença.

O que diz a lei?

A primeira legislação que passou a prescrever tudo o que tangenciava o assunto dos jogos eletrônicos no Brasil é a Lei nº 8.248/91, ou Lei de Informática. O objetivo dela é incentivar o investimento em atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Todavia, essa lei ainda era extremamente abrangente, e a temática dos games dificilmente era abordada por ela. Partindo disso, e principalmente do boom que o mercado sofreu nos últimos anos, fez-se necessário buscar outras leis que definissem melhor o assunto. E é nesse momento que percebemos nosso atraso.

Em suma, o ponto problemático da discussão é acerca do duplo enquadramento do conceito de jogos eletrônicos por parte do Poder Público, diante de sua ambígua definição jurídica, tanto como conteúdo audiovisual, cuja definição se encontra na lei nº. 12.485 de 12 de setembro de 2011 (lei da TV Paga); e como software, consoante disposto na lei nº. 9.609 de 19 de fevereiro de 1998 (lei do software).

De fato, os games se encontram contemplados por ambas as definições, já que ele consiste numa transmissão de imagem (audiovisual), e também é um programa de computador estruturado por uma linguagem codificada (software). A questão é que, nenhuma dessas leis foi desenvolvida pensando na particularidade dos jogos eletrônicos, muito menos nas necessidade de sua indústria. Dessa forma, tanto o mercado quanto os consumidores não se veem deveras resguardados pela legislação.

Mas, nem tudo é negativo, e, podemos dizer que estamos , MUITO LENTAMENTE, mas evoluindo. Em 2017, após um abaixo-assinado com mais de 74 mil assinaturas, o Senado Federal resolveu, finalmente, discutir a redução de impostos sobre games na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).

A ideia se transformou numa Sugestão Legislativa de autoria do cidadão Kenji Amaral (RJ), a qual propunha reduzir os impostos sobre jogos e consoles de 71% para 9%. Ela foi aprovada pela comissão e encaminhada, em dezembro de 2017, para o Senado, onde segue em tramitação até hoje.

Segundo um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), de 2015, no valor total cobrado por um console de videogame, 72,18% são impostos – foram considerados o PIS/Cofins, ICMS, IPI e Imposto de Importação. O percentual é o mesmo quando o assunto são os jogos. Como comparativo, na mesma pesquisa, o percentual tributado em roupas, foi de 34,67%.

Fica evidente que a legislação do Brasil está muito atrasada quando comparada à outros países. Mas podemos mirar um futuro mais esperançoso, já que o número de desenvolvedoras tem apresentado um bom crescimento. Segundo a Associação Brasileira dos Desenvolvedores de Jogos Digitais (Abragames), em 2008 eram apenas 43 empresas, já no ano de 2018, esse número saltou para mais de 300. Esse salto aumenta a pressão para que a lei melhore nesse aspecto, e também é um incentivo maior para as empresas no que diz respeito à concorrência.