Tudo o que perdemos pelo caminho e os sonhos esquecidos da nossa infância.
Já fazem quatro anos desde que assisti o Digimon. O filme, que pega o elenco original para mais uma nova jornada, acaba reconhecendo que o público que conheceu e viajou com esses personagens agora carrega novos dilemas.
Com o filme trazendo um novo digimon como vilão, com digiescolhidos sendo atacados, Tai e Yamato descobrem que agora que estão se tornando adultos e finalizando a universidade, eles não vão mais ter seus digimons, pois a ligação, além de emocional, também é por causa do futuro ilimitado de uma criança. Todas às possibilidades são reais, você pode sonhar e tentar ser tudo aquilo que você quiser ser, e mesmo que exista a possibilidade de mudarmos toda a nossa vida quando somos adultos, ela sempre envolve um peso, uma espécie de culpa ou a sensação de que querendo ou não, o tempo passou, e recomeçar ainda carrega em si outras responsabilidades que uma criança não precisa lidar ou pensar.
O filme olha para todas aquelas crianças que um dia assistiram o anime, e agora estão passando por incertezas, por ter que desapegar de sonhos da infância, de deixar ir coisas que pareciam certezas ou percebendo que estão vivendo vidas que não chegam aos pés das vidas que tanto sonhavam quando era pequenas. Ele cria essa sensação de que o tempo nos escapa, de que nada é realmente da forma que imaginamos, que existem regras invisíveis em um jogo que nunca temos o controle. Assim como eles precisam se despedir dos seus digimons enquanto crescem (e acompanhamos isso com dor em nossos peitos), de forma indireta, também estamos nos despedindo das crianças que assistiam esses mesmos personagens, aceitando a incapacidade de sermos aqueles seres infinitos, pois essa infinidade, essa fantasia, está muito ligado a falta de realidade, ao fato que não precisamos sentir tudo ou enxergar tudo, e que apesar da dor que é crescer, existem coisas incríveis em nossas vidas que só surgem porque crescemos, nos apaixonamos, conhecemos lugares, pessoas, assistimos séries e filmes que não fariam sentido antes de vivenciarmos outras coisas.
Desapegar dói., assim como perder a fé em fadas, no Papai Noel ou em algum amigo imaginário. Enfim, todos tínhamos uma magia, fé inabalável que vai ruindo enquanto crescemos, a vida adquire novos tons, feridas surgem, lágrimas escorrem, pessoas se vão e outras chegam, nossas certezas são constantemente questionadas, somos chocados pela morte, pela fragilidade da saúde, pela velocidade do tempo, mas, da mesma forma que os protagonistas são gratos por todas as memórias daquelas aventuras de crianças, e que também pensam em maneiras de preservar tudo que é importante, também sabemos que algumas coisas são só grandiosas, pois vamos aprendendo sobre a tristeza, sobre a imprevisibilidade e essas pequenas partes melancólicas deixam cada momento especial ainda mais marcante, afinal, eles são únicos.
No fim, a vilã era uma mulher que perdeu seu digimon muito cedo, uma daquelas crianças prodígios, e pelo seu amadurecimento precoce, ela perdeu sua melhor amiga. Ela apenas queria criar um mundo infantil eterno, com todos eles e seus digimons, mas seria só uma ilusão, um sonho que nunca se transforma, que não cria nada novo ou gritante, parada, perdido no tempo.
Toda vez que eles usavam os seus poderes, o tempo que eles tinham juntos acabava diminuindo, mas mesmo assim, eles aceitavam, lembrando de tudo que eles são e foram, arriscando tudo por aquilo que eles acham certo, alcançando uma nova forma, demonstrando para ela que, apesar daquilo que ela perdeu o caminho, foi uma bela jornada. Mesmo com a saudade, ela teve todos aqueles sonhos, ela teve aquele laço que ainda a acompanha, e mesmo que não tenhamos certeza de pra onde essas vidas imaginárias ou essa infância que termina moram, elas em algum ponto, mesmo em nossas mentes, foram reais e maravilhosas, e esses pedaços de vidro brilham quando tudo parece perdido.
No momento que eles perdem seus digimons, choram e são confrontados pela vida adulta, eu também chorei, e depois de quatro anos, ainda me lembro constantemente dessa cena, pois existe o desprendimento, mas também o reconhecimento do quão importante toda aquela etapa e aquela perda foram para as nossas vidas. Nenhum adeus precisa ser para sempre, assim como os digiescolhidos ainda carregam a esperança de reencontrarem os seus digimons, e viverem nossas vidas e aventuras, nós ainda podemos reencontrar sonhos antigos e torná-los realidades, desde que estejamos vivos.
Digimon sempre abordou temas difíceis, mesmo com seus protagonistas na infância, sempre ousando em demonstrar que todas essas etapas complicadas e sentimentos frustrantes fazem parte da vida, é uma obra que tenta e falha constantemente, mas que sempre tenta entregar alguma experiência nova ou gritar com o coração aberto sobre alguma questão da vida, seja sobre depressão, sobre o cuidado necessário com crianças e adolescentes, seja sobre a perda e a morte ou até mesmo a religião e a forma que podemos ficar cegos em um fanatismo. É uma obra sincera e especial, sempre existindo alguma fala ou momento acolhedor, seja para sua versão criança, adolescente ou adulta.
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