O que um filme não convencional sobre a infância me ensinou sobre emoções na vida adulta
Uma memória específica de quando eu era criança me perseguiu por toda a minha adolescência. Sem entender o motivo, houve momentos de melancolia em que em algum lugar na minha mente passava uma cena de um garotinho vestido de lobo brincando com monstros em uma floresta, todos gritando, destruindo tudo que tinha pela frente e depois se amontoando uns aos outros até dormir.
Após anos tentando lembrar o nome desse filme, eu finalmente o encontrei. Onde Vivem Os Monstros é a adaptação de um livro infantil do mesmo título e conta a aventura de Max, um menino que em meio a uma família disfuncional, foge de casa e viaja de barco até encontrar uma ilha distante onde criaturas que ele nunca tinha visto habitam. Ao perceber que os monstros estão em um momento crítico, ele promete ser o rei daquela terra e manter toda a tristeza longe.
O que me fascina na obra é a utilização dos monstros como representação das emoções que procuramos dar nome. Ser dominado por um sentimento que não conhecemos pode nos tornar selvagens, tomar atitudes sem entender o porquê e sentir vontade de devorar tudo apenas por não sermos ensinados a dar espaço às emoções e procurar o motivo delas.
Se você tem um problema, coma ele
É interessante pensar que se no decorrer da infância, o que sentimos for invalidado ou criticado por aqueles que acreditam não ser algo tão importante assim, com o passar dos anos, nos deparamos com o reflexo de um adulto frustrado, prestes a explodir emoções que nem sequer sabemos colocar em palavras e muito menos lidar de maneira correta. A sensação de estar se engasgando com aquilo que não sabemos expressar e tudo o que sentimos é como se fossemos uma criança novamente, incompreendida e sozinha.
Ao observar o comportamento dos monstros, Max identifica a raiva de Carol, a insegurança de Judith, a tristeza de KW e a vergonha de Douglas, e quem está assistindo percebe que é como cada um deles que o menino se sente em casa, com pais divorciados e uma irmã que não tem mais tempo para brincar com ele.
Todos os monstros têm uma narrativa, histórias de amor que não deram certo, ciúmes quando algum deles encontra outros amigos, o sonho de criar uma cidade perfeita para todos eles viverem e o objetivo de encontrar um rei. No decorrer da história, Max os encoraja a dialogar, entender o que há de errado e tenta ajudá-los com a curta experiência de vida que ele tem, substituindo os sentimentos ruins pelos bons.
Acompanhando os diálogos desenvolvidos no filme, comecei a refletir sobre a importância de entender cada emoção que sinto e dar a atenção que cada uma requer, sem devorá-las até desaparecerem por completo. Caso contrário, elas viriam à tona em situações não convenientes.
Se você está chateado, o seu trabalho é não ficar chateado de volta com a gente
Apesar de ser mais confortável seguir a vida adulta reproduzindo as maneiras que encontramos de cooperar com os sentimentos durante uma infância ou pré-adolescência conturbadas (por qualquer seja motivo que as tornou desse jeito), é importante encará-los para descobrir como lidar com os desapontamentos de modo que não interfira negativamente nas relações com nós mesmos e com aqueles presentes no nosso cotidiano. Entender que não somos mais uma criança vulnerável que não tem controle sobre as próprias reações em determinadas situações, pode nos libertar de uma angústia que eventualmente se torna uma coisa muito maior.
Comedores são aqueles que eu não suporto
No final de tudo, assim como os personagens, apenas precisamos de um tempo sozinhos para refletir e compreender o que somos postos à encarar. É importante construirmos uma base de acolhimento, amor e carinho, como a mãe de Max que está esperando por ele com um prato de sopa quente quando ele retorna para casa, ou a relação de amizade que os monstros têm.
Quando vejo sobre “abraçar a criança interior”, sempre penso nesse filme. Não somente pela nostalgia ou por ele ser perfeitamente encaixado no ponto de vista de uma criança, mas também por toda a reflexão que ele me causa.
Eu posso comer você de tanto amor
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