Os seus vilões favoritos podem ser mais coloridos do que você imagina
Já estamos no mês das bruxas, ou para os nacionalistas o mês do Saci, a época mágica do ano em que bruxas e espíritos malignos saem da toca para nos assombrar e que festinhas a fantasia entopem as festividades, mesmo sendo de origem estrangeira e trazida por nós pela máquina Holywoodiana é inegável que o Halloween se tornou parte de nossa cultura e seu imaginário de terror e assombrações impregnou a nossa mente, afinal quem não curte uma boa sessão de filmes de horror em outubro? São muitos os aspectos marcantes dessa época que carregamos conosco, e entre eles, um dos pilares fundamentais para toda história de dar medo (e até mesmo das que não dão) são os vilões, os responsáveis pelos conflitos que movem as tramas que amamos e por servirem de inspirações para caracterizações de fãs, muitas vezes tão ou até mais amado que o protagonista. Afinal o que seria de uma trama sem um grande antagonista, alguém que ameaça o herói e o público enquanto nos encanta e diverte com as suas malícias?
Isso nos leva a questionar o que faz um bom vilão? Como ele se torna icônico? Com certeza ele precisa de ser memorável e ter uma presença marcante para atingir tais feitos, representar uma ameaça real, mas como fazer isso? Criar um personagem que cole na cabeça do público é um trabalho complicado, e muitas vezes significa dar um tiro no escuro. Uma solução que muitos autores e diretores utilizam é apelar para medos e preocupações já presentes na sociedade, associando seus personagens a certas complexidades e questões que os tornem figuras facilmente identificadas como ameaçadoras e incorretas pela audiência, uma forma de fazer essa assimilação é trazer um subtexto gay para o antagonista.
Isso não significa dizer de forma alguma que os vilões são todos gays, até porque não são todos que tem esse subtexto, mas que muitos passaram pelo processo de Queer Coding ou codificação queer, uma prática já antiga no cinema que remonta aos tempos do “Código Hays”, o aparato de censura moralizante sobre a sétima arte que proibia qualquer forma de representação de “perversão sexual” o que na prática implicava que qualquer forma de sexualidade que fugisse da heterossexualidade não podia ser mostrada, fazendo com que tivesse que se achar uma outra forma de representar personagens LGBTQ+.
Com isso, muitas vezes essas características tiveram que ser aplicadas aos antagonistas, fazendo deles homens afeminados com trejeitos exagerados ou mulheres brutas e pouco femininas, representando assim uma suposta degradação moral e comportamental que representava uma ameaça a sociedade, incorporada na pele dos mocinhos heterossexuais. Isso se deve pelo fato de comportamentos desviantes de gênero e formas não conformistas de sexualidade serem vistas com estranhamento e repúdio pela população em geral, que os associa a uma falha de carácter e sendo vistas como danosas, assim, a implementação desses elementos para um personagem o tornaria um vilão facilmente identificável.
Podemos ver traços disso até mesmo nas figuras mais clássicas do terror, como os vampiros , com muitos interpretando a sucção de sangue pelo pescoço como uma metáfora para o ato sexual e consequentemente o ataque á pessoas dos ambos os sexos como uma representação da bissexualidade, com o clássico personagem Drácula de Bram Stoker sendo supostamente inspirado em figuras como Oscar Wilde e trazendo elementos de codificação queer, outras obras clássicas do gênero como Frankestein e O médico e o Monstro também contendo elementos não conformistas e recebendo interpretações queer
Com o tempo o “Código Hays” acabou caindo, mas o preconceito não. Com a epidemia da Aids nos anos 80 a população LGBTQ+ voltou novamente a ser altamente marginalizada e perseguida, considerados inimigos da família e dos bons costumes, verdadeiros párias sociais, devido a isso a representação de personagens malvados como desviados e com trejeitos voltou a ser extremamente popular para o entretenimento familiar, e dessa vez dominou a forma mais bruta desse recorte cinematográfico: As animações Disney.
Com vilões como a Úrsula de A pequena Sereia que foi abertamente inspirada pela drag queen Divine, e o Scar de O Rei Leão que eram fabulosamente assustadores e ganhavam nossos corações com seu humor, a renascença da Disney dos anos 90 trouxe uma legião de histórias que continham um casal de jovens apaixonados contra figuras “desviantes” que visavam quebrar a norma. Por se tratarem de produções livres obviamente esses personagens não são explicitamente gays, mas muitos contém os já citados trejeitos e codificações que nos fazem subconscientemente os associar a pessoas que fogem do padrão de gênero que são nesse contexto, colocadas como erradas.
Outras obras como The Rocky Horror Picture Show também trazem personagens ambiguamente gays, mas com uma visão crítica e com a intenção de subverter esse estereótipo. Conforme o tempo foi avançando a codificação queer passou de ser algo necessariamente negativo para ser algo neutra, com muitos heróis e protagonistas passando a tê-la, e felizmente a representação aberta de pessoas LGBTQ+ se expandiu, com personagens tanto bons quantos maus fazendo parte da comunidade, porém o histórico de codificação queer como algo negativo sempre fará parte da história do cinema e estará por trás de vários vilões amados, e afinal, qual a graça de se fantasiar se não for para subverter as regras?
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