Quando “o filme mais assustador da década” não é tão assustador assim.
Um dos filmes mais comentados dos últimos tempos, Longlegs – Vínculo Mortal, que estreou no Brasil em 29 de agosto de 2024, conta a história da agente do FBI Lee Harker (Maika Monroe) que, por sua aparente sensibilidade para resolver crimes, é designada para solucionar um caso antigo e complicado envolvendo uma série de homicídios, todos supostamente cometidos pelo serial killer Longlegs (Nicolas Cage).
De início, esse texto pode até parecer mais uma crítica sobre um filme que já foi quase exaustivamente analisado. Porém, na verdade, a crítica que faço aqui vai totalmente para o sistema enganoso do marketing hollywoodiano.
Antes mesmo de ser lançado, o filme de terror de Oz Perkins já estava gerando um buzz gigantesco na gringa. A estratégia de lançamento do filme baseou-se em duas resenhas obtidas ainda nas primeiras exibições do filme para a imprensa. A primeira dava a Longlegs o título de “filme mais assustador da última década”, enquanto a segunda, ainda mais audaciosa, dizia se tratar do “melhor filme de serial killer desde O Silêncio dos Inocentes”, o único filme de terror a ganhar o Oscar de Melhor Filme até hoje.
É um processo natural do consumismo despertar no consumidor o desejo sobre um produto ou o anseio de fazer parte de algo. Dessa forma, ao fazer parte desse jogo, nenhum filme se sustenta sem uma boa estratégia para as bilheterias, já que hoje o acesso à informação é rápido e os consumidores estão cada vez mais exigentes.
Atualmente, tudo tem sido pensado de forma a chamar a maior atenção possível e gerar um maior engajamento. Então, ao destacar comentários grandiosos e até pretensiosos, como os mencionados acima, o time de marketing da Neon, produtora do filme, por óbvio buscava gerar hype (e conseguiram!).
Internacionalmente, o filme arrecadou mais de US$100 milhões, tornando-se o filme independente mais lucrativo do ano, e custou US$10 milhões para ser feito. Além disso, Longlegs – Vínculo Mortal é sucesso nas redes sociais, sendo fácil “esbarrar” em vídeos discutindo o final do filme, a caracterização de Nicolas Cage, e a polêmica sobre o filme ser de fato ou não aterrorizante.
Nesse jogo hollywoodiano, o ditado “Falem bem ou falem mal, mas falem de mim” é valioso e o filme protagonizado por Maika Monroe e Nicolas Cage soube usar disso.
Recentemente, o filme É assim que acaba também serviu de exemplo de como uma divulgação sensacionalista é rentável. A adaptação do livro homônimo foi comercializada como um romance quando, na verdade, se tratava de um drama sobre violência doméstica. Isso gerou uma enxurrada de comentários negativos e deixou o nome de Blake Lively, que interpreta a protagonista e é também produtora do longa, envolvido em polêmicas. Ainda assim, o filme arrecadou mais de US$300 milhões, tendo custado apenas US$25 milhões.
Nem tudo são flores, é claro. Em 2022, a Universal Pictures foi processada por conta de Yesterday, filme em que um músico acorda em um mundo onde ninguém além dele se lembra dos Beatles, com a alegação de propagando enganosa, já que o trailer indicava que a atriz Ana de Armas faria parte do elenco, algo que não aconteceu. Os autores da ação alegam que alugaram o filme por conta da atriz e pediram US$5 milhões em indenização.
Outro caso que merece a menção é do filme A Bruxa de Blair, um dos poucos exemplos em que o marketing enganoso faz do filme uma obra-prima. De início, o estúdio vendeu aos espectadores a ideia de que o terror se tratava de um documentário, com aspectos de found footage, filmagem encontrada por acaso por alguém. Se não fosse por essa sacada, o filme não teria o mesmo reconhecimento, já que o suspense criado em torno da história ser ou não realidade deixou o ambiente propício para que sua divulgação fosse bem-sucedida.
Depois de todos esses argumentos, você pode estar se perguntando o que eu achei de Longlegs – Vínculo Mortal. O filme tem muitos pontos positivos, mas é arrogante ao se intitular “o mais assustador da última década”. A ambientação nos anos 90 e todo o suspense inicial em torno do serial killer de mesmo nome recriam a atmosfera de grandes filmes de crime, como é o caso de Seven, Zodíaco e do próprio O Silêncio dos Inocentes. Além disso, destaco que a sonoplastia do filme é impecável e as atuações igualmente excelentes. Porém, o final sobrenatural apresentado pelo diretor é genérico, apressado e em nada supriu minhas expectativas geradas pela divulgação.
Enfim, em minha opinião, o terror mesmo é o marketing de Hollywood e seu alto poder de influência. Pelo lado bom, assistir filmes ruins me ensinam a reconhecer e a admirar aqueles que realmente valem a pena serem vistos.
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