Terror, suspense, comédia, drama… quantas histórias podem ser contadas num formato musical?
“Qualquer história pode ser contada num musical”. É isso o que eu respondo quando me perguntam qual minha opinião polêmica ou impopular sobre o cinema. E vou além: alguns filmes poderiam ser até melhores se transformados em musicais. Sempre que digo isso, recebo muitas caras feias e expressões retorcidas; algumas pessoas não concordam e tentam argumentar ao contrário, e outras simplesmente riem não levando a sério. E eu continuo a dizer: não há história que não pode ser contada através de música. Pode ser bom, pode ser ruim, mas sempre pode ser contada.
Falar de musicais é sempre um assunto controverso, afinal, esse não é um gênero muito querido pela maior parte do público. Muitas pessoas sequer aceitam assistir a um filme quando descobrem que ele é um filme musical. Aliás, muitos filmes musicais tem até medo de se divulgarem dessa forma, como aconteceu com Meninas Malvadas e Coringa: Folia a Dois esse ano. Não é nem um gênero que divide opiniões, é uma certeza: o público geral não gosta de musicais. Será?
Talvez o que está errado é a forma que enxergamos esses filmes. São filmes de comédia, romance, drama, terror, ficção científica, fantasia, suspense… diversos gêneros diferentes sendo contados através de música. Por que então diminuímos essa variedade de categorias no gênero “musical”? Mesmo quando esses filmes não tem nada parecido além da forma que eles são contados?
Para mim, musical é um meio, não um gênero.
Essa é uma discussão que já existe em torno das animações; quando Guillermo del Toro recebeu prêmios por Pinóquio (2022), ele afirmou em seus discursos que animações não são um gênero, e sim um meio de contar histórias. E é esse pensamento que eu quero trazer para os filmes musicais também.
A ideia desse texto surgiu quando ouvi falar do filme The End, que será lançado agora em dezembro nos Estados Unidos. A história conta a história de uma família bilionária que vive em em um bunker luxuoso há duas décadas após o fim do mundo. Com a Terra completamente destruída, eles vivem presos nesse lugar e seu filme nunca conheceu o mundo exterior. Isso muda quando uma jovem aparece no bunker, sem nenhuma memória ou explicação de como ela surgiu lá.
Ficou curioso com essa trama? Pois saiba que é um musical! O diretor Joshua Oppenheimer quis homenagear a época de ouro dos musicais de Hollywood, numa história sobre a última família viva na Terra, envolvido em muito suspense e drama.
Quando vi isso fiquei super animada! A história, apesar de meio batida, já é interessante por si só, mas quando transformada em um musical se torna algo único. É um tropo contado num formato diferente, por meio de músicas.
Outro filme bem diferentão e que usa a música como artifício de contar a sua história é O Homem de Palha, o pai do famoso Midsommar. O filme, lançado em 1973, conta a história de um policial que vai até uma ilha na Escócia para investigar o desaparecimento de uma jovem. Porém, os moradores dessa ilha são muito estranhos e mais atrapalham do que ajudam na investigação. Para completar, o policial, extremamente religioso, precisa conviver com hábitos bizarros da seita presente nessa ilha.
Esse é um filme de terror, bem no estilo Midsommar mesmo, que vai te fazer algumas caretas enquanto assiste bizarrices na tela. E ele também é um musical! A música aqui é um instrumento para deixa-lo ainda mais submerso na cultura da ilha, e é um elemento essencial para a história.
E posso te dizer, as cenas musicais não tiram nem um pouco o clima apreensivo e assustador da história. Eu assisti O Homem de Palha sem saber que ele era um musical, e foi uma grata surpresa. Tornou-se um dos meus quatro favoritos no Letterboxd, aliás!
Um pensamento muito comum a acerca de musicais é que eles são muito “clean”, e até mesmo infantis. Para muita gente, a referência em filmes musicais é High School Musical, por exemplo (e nada de errado nisso, eu também amo!). Mas essa visão, apesar de ter sim um certo sentido, está bastante errada. Musicais também podem ser subversivos e transgressores, como é o clássico The Rocky Horror Picture Show.
O filme, baseado numa peça de teatro musical, conta a história do casal super hiper mega tradicional Brad e Janet, que ficam perdidos no meio do nada durante uma tempestade, e vão até um castelo pedir ajuda. Lá eles encontram o excêntrico Dr. Frank N Furter e seus convidados ainda mais estranhos, que estão celebrando o “Time Warp”, além da apresentação da nova criatura criada por Frank: Rocky, uma espécie de frankenstein lindo, musculoso e bronzeado, que servirá sexualmente seu criador.
The Rocky Horror Picture Show é uma sátira sobre filmes de terror, mas não apenas isso. Com sua temática extremamente subversiva, o filme aborda o sexo e questões de gênero de maneira nem um pouco sanitizada, tudo isso protagonizado por uma personagem travesti e bissexual. O filme foi fortemente criticado no seu lançamento, e se tornou um “filme da meia-noite” em Nova York, conquistando um público fiel que reassistiam o filme no cinema com frequência, indo até mesmo fantasiado como os personagens. Atualmente, Rocky Horror é um “cult” com lançamento de maior duração na história do cinema — ele está em cartaz até hoje!
O filme é, com certeza, o primeiro contato de muita gente com o universo LGBTQIA+, subvertendo o conservadorismo e celebrando a liberdade sexual. Em 2005, o filme foi classificado como “cultural, histórica e esteticamente significativo” pela National Film Registry. E, apesar de ser lançado na década de 70, esse clássico queer não poderia ser mais atual.
Há muitos musicais que ainda poderiam ser citados, como Chicago, filme ganhador do Oscar de Melhor Filme em 2003! Ou Tick… Tick… Boom!, ou muitos outros filmes que saem do clichê de filmes musicais. Mas o texto está ficando longo, e acredito que meu ponto já está mais do que estabelecido.
Talvez Wicked (2024) ou filmes da Disney não sejam a sua área. Esses filmes realmente chamam mais a atenção e criam um certo padrão em produções musicais. E está tudo bem assim. Mas o cinema musical não se limita a números musicais grandiosos e letras infantis. A música é um instrumento presente em diferentes lugares, e no audiovisual também.
Independente do seu gênero favorito, eu posso te afirmar que há um filme musical esperando por você! Afinal, musical é um meio, e não um gênero.
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