Com o foco voltado mais no mercado e nas bilheterias, muitas produções estão ficando cada vez mais comuns e sem inspiração. Roma, aparece como uma luz no fim do túnel e se torna um novo olhar para o cinema atual
Começamos falando sobre a história do filme Roma. Quase tudo se passa em um ambiente específico: o lar da família de Sofia, embora a personagem principal seja Cleo, a empregada doméstica. Mesmo que os personagens ainda habitem outros ambientes durante o filme, a maior parte da história ainda se ambienta na casa da família. Os eventos do filme acontecem durante um ano e começa em 1970. Na casa de Sofia, nota-se que a empregada doméstica é muito mais naquele recinto do que apenas uma funcionária. A casa é formada por Sofia, seu marido Antonio, seus quatro filhos, Teresa (a mãe de Sofia) e uma outra empregada chamada Adela.
O filme mostra diversas cenas acompanhando a Cleo dentro e fora da casa, que vão desde os trabalhos rotineiros de limpeza até o ato de educar e cuidar das crianças, além de acompanhar as tramas envolta da vida dela. Durante esses acontecimentos, percebe-se que o casamento de Sofia e Antonio passa por momentos complicados. O filme é marcado por mostrar as distantes diferenças sociais que existem nessa sociedade, como o fato de enquanto a família de Sofia vive em uma casa muito grande, Cleo e Adela suas empregadas domésticas, possuem quartos extremamente pequenos nos fundos. Além disso, o filme também mostra momentos de humilhação que elas sofrem apenas pelo fato de serem empregadas domésticas.
Agora, iremos a outro ponto importante. Vivemos em um mundo globalizado que quase todo mundo está conectado um com o outro, e possuímos um certo tipo de acesso ilimitado a milhares de informações todos os dias. Sendo assim, as nossas dinâmicas de vida são atualizadas todos os dias por nós, para acompanharmos o resto do mundo, e consequentemente a nossa cultura começa a ser vítima desse processo. E o cinema, como uma parte vital para a nossa cultura, acaba se tornando vítima de um novo tipo de mundo aonde ele busca se adaptar ao máximo às novas tecnologias, porém também aos aspectos mercadológicos. O mercado e a mídia costumam ser indicativos bastante consideráveis para o tipo de filme que será feito, se ele terá sucesso e coisas do tipo. É preciso entender que nos dias de hoje, os filmes de sucesso de bilheteria estão se tornando cada vez mais superficiais, ou ao menos parecidos, como por exemplo alguns filmes de heróis (que eu amo, inclusive) ou filmes que possuem ideias muito boas e semelhantes, porém não muito bem trabalhadas.
O que acontece é que o filme Roma desconstrói boa parte desse novo aspecto de cultura. O filme se trata de uma homenagem do diretor Alfonso Cuarón para Libo Rodríguez, a mulher que trabalhava em sua casa quando ele era criança. E no filme, ele deixa claro a importância que ela teve em sua vida. Ou seja, não é um filme inteiramente ficcional como vários outros filmes que estão tendo sucesso atualmente – ele é muito mais autobiográfico, poético e com um certo teor de homenagem para as mulheres das nossas vidas. Além disso, fica claro que Roma não é para todo tipo de espectador. O filme passa longe do comum e se destaca: é em preto e branco, com uma fotografia muito bem trabalhada e com cuidado (tanto que o diretor faz questão de ser o responsável pela fotografia do filme também). Possui uma narrativa mais lenta e detalhada, o que pode ser um problema aos que acostumaram-se com o novo estilo de cinema, mas isso não nega de forma alguma que o filme é uma obra prima de Cuarón.
O filme vai na direção contrária do cinema comercial, tanto no enredo e na forma como foi produzido, até na forma em que ele foi distribuído. Roma é um filme original da plataforma de streaming Netflix e as pouquíssimas exibições realizadas em cinemas foram apenas para que o filme pudesse participar das premiações cinematográficas. E, apesar de ser um trabalho tão distante do que estamos acostumados a ver hoje, o filme foi muito bem recompensado. Roma foi indicado em dez categorias no Oscar de 2019, vencendo em três delas: Melhor Diretor, Melhor Fotografia e Melhor Filme Estrangeiro. Além disso, fez história sendo o primeiro longa-metragem em espanhol nomeado para Melhor Filme no Oscar, que jamais foi entregue a um filme de língua não inglesa. Infelizmente, não teve a força para ganhar a categoria principal da premiação, porém deu um passo importante e mostrou que podemos ter uma certa esperança no cinema enquanto arte, e não apenas algo mercadológico.
Portanto, é de extrema importância que exista uma maior visibilidade e valor para este tipo de produção nos dias de hoje. Em um mundo que tanto ganha quanto perde com essa globalização, e a cultura acaba sendo drasticamente afetada com tudo isso, produções como essa são demonstrações belas e corajosas que vão contra as imposições que são feitas pela mídia e pelo mercado. Esse talvez tenha sido um marco histórico, por ter se tornado um filme tão bem elogiado e premiado pela crítica e mídia, algo que pode ser fundamental para fortalecer outros que possam vir a realizar produções como Roma, que foge do comum e se destaca entre as outras.