Um filme carregado de metadiscursos, sensibilidade e enaltecimento ao espírito dos anos 60 que mostra um outro Tarantino
Era uma vez em.. Hollywood (2019) é o título do último filme de Quentin Tarantino, que estreou em maio deste ano, mas que estava sendo divulgado desde julho de 2017. O filme foi lançado no Festival de Cinema de Cannes, assim como o aclamado Pulp Fiction, quinze anos atrás, e tem como protagonistas Leonardo diCaprio, Brad Pitt e Margot Robbie.
Tarantino é conhecido pelos seus filmes marcados pela violência, personagens caricatos, planos contra-plongée, diálogos memoráveis, excelentes trilhas sonoras e por conseguir alinhar fatos históricos à ficção de forma respeitosa e surpreendente. Neste filme, ele traz personagens fictícios se envolvendo em um caso real, que foi o assassinato da atriz grávida, Sharon Tate, por membros da família Manson, uma espécie de seita constituída de hippies racistas que cometiam pequenos delitos e posteriormente assassinatos, liderados por Charles Manson.
O filme se passa no ano de 1969 e conta a história de Rick Dalton (Leonardo diCaprio), um ator veterano consagrado por filmes western, mas que via sua carreira em decadência. Rick é fielmente acompanhado de seu dublê e faz tudo, Cliff Booth (Brad Pitt), com o qual tem uma relação muito próxima de amizade. A carreira de Rick está em decadência devido a onda da contracultura que chega a Hollywood e é simbolizada pelo casal Sharon Tate (Margot Robbie), uma jovem atriz inglesa e seu marido, Roman Polanski (Rafal Zawierucha), um diretor de cinema polonês, que se mudam para a casa ao lado da sua.
Quando soube que o filme abordaria o assassinato de Sharon, logo imaginei a forma com que Tarantino retrataria o assassinato – obviamente da maneira mais violenta possível. Contudo (aí vem um spoiler) esse não é o foco do filme. Durante as quase três horas de narrativa, somos surpreendidos, pois o foco do filme está em suas personagens e não no assassinato. Alguns críticos interpretaram este como sendo o primeiro filme de Tarantino em que o roteiro não se sobrepõe aos personagens.
Particularmente para mim, é nesse ponto em que Era uma vez em… Hollywood se diferencia e mostra um diretor mais sensível. Ao longo da história, somos arrebatados pela atuação de Leonardo diCaprio, cujo personagem é inseguro e questiona o tempo todo se ele é realmente um bom ator – fato que após assistir ao filme podemos comprovar ao Leo. Margot Robbie não fica atrás: durante suas cenas com pouquíssimas falas é perceptível o quão expressiva é a atriz e como houve uma tentativa de humanizar a personagem e mostrar que Sharon Tate não era apenas uma atriz bonita.
Era uma vez em… Hollywood é um filme sobre fazer filmes, sobre o cinema, cercado de metalinguagens. Por exemplo, no longa é mostrada uma cena de um filme interpretado pelo personagem de Leonardo diCaprio, que claramente faz uma alusão à uma cena de Bastardos Inglórios (2007), outro filme de Tarantino. Além disso, há uma espécie de homenagem à estética dos anos 60, seja por meio dos figurinos, da trilha sonora ou da próprio fotografia, que de certa forma dá um desejo de ter vivido aquela época.
Se Tarantino estiver sendo verdadeiro, esse é o seu penúltimo filme, que certamente mostra um outro lado do próprio diretor e, indo mais a fundo, talvez a visão que ele tem a respeito do cinema atual e suas possíveis mudanças, na quais Quentin está inserido. Mas, especialmente, desejo que essa seja uma mentira e que continuemos a acompanhar lançamentos desse diretor e refletirmos sobre suas narrativas sempre únicas.