Calma! Ninguém está dizendo que é o melhor filme já feito, só estamos fazendo certa justiça aqui.
A Saga Crepúsculo, uma série de cinco filmes baseada nos livro homônimos de Stephenie Meyer, foi uma febre da década passada. A história contada é a de Bella Swan uma garota de dezessete anos que se muda para Forks, uma pequena cidade sempre chuvosa, para passar um tempo com o pai com quem teve pouco contato ao longa da vida. Em uma nova escola a mocinha conhece o misterioso Edward Cullen, lindo de morrer e com a capacidade de levantar vans com a própria mão, e imediatamente se vê presa a incógnita que o jovem representa.
No mundo inteiro a arrecadação dos filmes foi de mais de três bilhões de dólares. Canecas, funkos, edição de colecionador dos livros, tudo sobre a saga de vampiros foi um sucesso, sobretudo para o público para que estava destinada composto por meninas adolescentes. Mas entre aqueles que não faziam parte desse grupo para qual os filmes e os livros eram destinados a série gerou muita polêmica. Do primeiro ao último filme as indicações para o Framboesa de Ouro foram massivas e o primeiro capítulo da série “venceu” Pior Filme e Kristen Stewart levou o prêmio de Pior Atriz.
Entre os entendidos de cinema a qualidade técnica, de narrativa, filmagem e atuação geram diversas críticas, mas dentro do que se propôs, a ser um romance mainstream, Crepúsculo cumpriu seu papel. No entanto, é só olhar para os fóruns de internet, vídeos de resenha da época ou perguntar para aquele primo que foi adolescente na entre 2008 e 2012 para perceber que Crepúsculo foi amado por muitos, mas odiado na mesma proporção. E a gente pode imaginar bem o motivo.
Como o artigo que inspirou esse propõe, parte do hype em se odiar a série de livros e filmes é motivado justamente por causa do público alvo. Críticas fervorosas foram feitas a série de filmes e livros e se você prestar bastante atenção em quem as faz vai achar um certo padrão, a maioria delas eram feitas por homens que provavelmente não se deram nem ao trabalho de fazer o minima justiça de entender que aquilo era feito para adolescentes. Não bastava ridicularizar as jovens que assistiam aos filmes, Crepúsculo deveria ser aniquilado. E então a misoginia entrou no jogo tornando tudo mais bizarro.
Crepúsculo não é o maior símbolo feminista que já existiu, provavelmente Jogos Vorazes e Percy Jackson (sucessos da mesma época) fizeram muito mais para tratar as questões de gênero que a saga de Meyer fez. Mas a grande questão reside no fato de que desde seu começo nos livros a validação da narrativa literária feminina foi retirada justamente por se tratar do gênero romance que é sempre lido como “feito para mulheres”. Sobre isso a pesquisadora Alba Cabrera Navas argumenta “esse gênero geralmente é direcionado a um público feminino jovem quem lê ficção popular, o que representa uma desvantagem para a saga, já que ‘o leitor de ficção popular é geralmente ignorada por causa da qualidade medíocre do trabalho que ele / ela consome, em oposição ao leitor intelectual mais minoritário, mais intelectual que sempre desempenhou um papel determinante no estabelecimento do cânone literário'”.
Bella Swan era um modelo positivo para as meninas da época, “qualquer adolescente pode se relacionar com as lutas de Bella entrando vida adulta e se iniciando em relacionamentos românticos”. Além disso, uma história narrada por uma personagem feminina, escrita por uma mulher e mais tarde dirigida por uma tem sua validade por tomar de volta as narrativas femininas que no cinema foram dominadas por homens que quando nos escrevem não nos dão nomes, não nos colocam para falar e quando o fazemos estamos gemendo.
Se em somente 23% dos filmes as mulheres tem falas, em Crepúsculo a narradora é a própria personagem principal. No lugar onde geralmente só se tem personagens femininas em 30,9% dos filmes a narrativa de Stephenie Meyer trás mulheres fortes., no núcleo principal temos Alice, Rosalie e Esme, vampiras do clã Cullen com passado de abuso, Alice estava em um sanatório onde era constantemente torturada, Rosalie foi vitima de um estupro coletivo por parte de seu noivo e amigos, e Esme tentou se matar após perder a filha e ter que conviver com um marido abusivo, elas que poderiam facilmente se encaixar no esteriótipo que a pesquisadora Molly Ann Behun chama de “Meninas Mortas”, personagens que não são protagonistas em suas próprias narrativas e agem sob os comandos das ações de terceiros (sempre homens). Mas não, sob a escrita de Stephenie Meyer e a direção de Catherine Hardwicke (que curiosamente depois do sucesso do primeiro filme foi substituída por uma série de diretores homens) as personagens femininas são escritas em seus próprios conflitos. “Quando o público feminino é falado de maneira genuína, não através de filmes que os homens pensam ou esperam que gostariam, mas através de filmes feitos com fantasia feminina em mente, eles prosperam”.
Como já falamos, não estamos tentando provar que esse é o melhor filme do século (talvez a cena do beisebol ao som de Muse seja a cena do século, mas não queremos apertar seus nervos sensíveis), mas devemos certa justiça a Crepúsculo, Stephenie Meyer e Catherine Hardwicke. Convenhamos: tinham piores e os homens tem uma parcela dessas criações.
Referências:
REYNDERS, Clare. Chicks who make flicks: the effect of blockbusters by, for, and about women. 2019.
SKAVIK, Katrine Cecilie. From Villain to Hero. The Shifting Social Role of Vampires in Stoker’s” Dracula” and Meyer’s” Twilight.”. 2019. Dissertação de Mestrado. UiT Norges arktiske universitet.
CABRERA NAVAS, Alba. “I’m not that girl”: Vindicating the Twilight saga and Bella as Positive Members within a Female Tradition. 2019.
A Representatividade Feminina no Cinema. Disponível em: https://falauniversidades.com.br/mulheres-cinema-representatividade/. Acesso em 30 de abril de 2020.
TWILIGHT ISN’T THE WORST FILM EVER MADE – YOU’RE JUST SEXIST. Disponível em: https://www.syfy.com/syfywire/twilight-isnt-the-worst-film-ever-made-youre-just-sexist. Acesso em 30 de abril de 2020.
OBS: A Redação apóia Crepúsculo e qualquer outro mau gosto que os leitores possam ter <3.