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O apagamento de indígenas em Cidade Invisível

O que está sendo exaltado pelo folclore brasileiro?

A série da Netflix, Cidade Invisível, estreou no dia cinco de fevereiro e mesmo com o grande sucesso que lhe rendeu a confirmação da segunda temporada, a mais nova produção nacional da plataforma recebeu duras críticas na internet, principalmente de indígenas. Contextualizando para quem não assistiu, a história acompanha o detetive Eric na tentativa de resolver um assassinato e que, com o desenrolar dos acontecimentos, se mostra relacionado a entidades como Curupira e Iara. Um dos primeiros problemas da série está no elenco, apesar de aparecer alguns poucos atores indígenas eles não ganham destaque e nem foram selecionados para representarem as entidades indígenas da série. Nem mesmo as regiões de onde vêm essas espiritualidades aparecem já que, assim como tantas produções nacionais, Cidade Invisível foca no Rio de Janeiro. 

A obra até poderia retratar os povos originários dessa região, porque, pasmem, não existe indígena apenas no norte! Acontece que desde do início da série vemos que a produção não tinha de fato interesse em ouvir sobre aqueles que vivem a cultura que estavam retratando, o que leva a outro problema que é a falha na caracterização de algumas entidades. A exemplo temos a Iara que é retratada como se fosse a mãe d’água do mar e não d’água doce, tendo cenas dela no mar que é água salgada. Além de que, com a falta de indígenas no elenco, as relações que estes possuem com suas espiritualidades acabam não sendo abordadas, não há nem mesmo espaço para retratar suas diferenças já que existem cerca de 305 etnias diferentes no país e nem uma foi dado destaque. 

Os defensores da série costumam argumentar que apesar dos erros é uma produção nacional que está enaltecendo o folclore brasileiro, portanto precisa ser celebrada. Nisso entra a pergunta que abre esse artigo. Desde a época da independência existe um discurso de se celebrar aquilo que é tipicamente brasileiro e o folclore foi surgindo justamente como parte da criação dessa identidade nacional. Infelizmente, assim como as terras que hoje constituem nosso país foram tomadas dos povos originários, as entidades que fazem parte do folclore também foram apropriadas deles, tudo feito em nome da nação. Assim, tomando o que era indígena e taxando como sendo brasileiro, as espiritualidades começaram a ser usadas sem que se consultasse seus povos, ou seja, foi um processo de apropriação cultural. Atualmente, a grande maioria enxerga as histórias dessas entidades como lendas e não como parte de uma cultura ainda viva. Inclusive, no trailer da série é dito “e se as lendas da sua infância estiverem escondidas em toda a parte?”

Enquanto, usamos Curupira em obras infantis ou séries de fantasia, indígenas ainda sofrem pelo processo de colonização. Se a construção de um folclore brasileiro não foi capaz de fazer com que esses povos sejam mais respeitados e valorizados até hoje, então quando será? Nós não podemos escolher como preservar a história do outro. Portanto, o que está sendo exaltado pelo folclore brasileiro não são os indígenas, mas sim uma visão colonizadora sobre suas crenças que não os inclui. Na entrevista do criador da série, Carlos Saldanha, ao jornal A Gazeta fica bem claro que era essa a visão dele sobre o assunto, durante a conversa ele está sempre falando sobre retratar a cultura “brasileira” e sobre como queria dar o seu ponto de vista. E essa atitude de privilegiar sua visão particular sobre assuntos que lhe são alheios, também tem causado problemas em produções que falam sobre temas como racismo ou homofobia sem levar em conta as vivências daqueles que passam por essa coisas.

Mas, não pensem que estou dizendo que retratar espiritualidades de aborígenes é errado, até mesmo indiquei recentemente o excelente filme de ficção A Febre que retrata a história de uma família de etnia desano. A questão central aqui é que para contar a história desses povos precisamos ouvir os mesmos respeitando suas cosmovisões e, obviamente, entender que não é nossa cultura.

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