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A sua série favorita envelheceu mal. E agora?

Se aquela série queridinha caiu nas garras da cultura do cancelamento, você é bem vindo à essa conversa

A cultura do cancelamento chegou aos poucos na vida de cada um de nós, foi se desenvolvendo ao longo dos anos até se tornar a gigantesca e incontrolável bola de neve que hoje conhecemos. Mas se você, por algum motivo, não está familiarizado com o termo, a cultura do cancelamento nada mais é do que “tomar uma pessoa, grupo, conceito, atração, prática entre outras, e expulsá-los de uma posição de influência ou fama por atitudes preconceituosas ou intolerantes, a partir de uma mudança de padrões sociais.” Ou seja, o famoso boicote. Você pode pensar que essa é uma atitude muito benéfica, afinal, conteúdos que ofendem outras pessoas devem ser criticados e rebaixados e concordo plenamente com você, contanto que sejamos justos, coisa que a maioria das pessoas não andam sendo.

É fato que muitos artistas e obras têm enfrentado essa cultura nos tempos atuais e, vários deles possuem sim culpa no cartório, mas não é sobre estes que falaremos hoje, mas sobre conteúdos um pouquinho mais antigos na roda do tempo. 

As séries antigas, em especial sitcoms, já enfrentaram algumas boas críticas de todos os lados ao longo dos anos, entretanto, nunca estiveram em uma saia tão justa quanto nos dias atuais. Aparentemente, quanto mais jovens conhecem suas histórias, mais criticadas elas andam sendo e mais estrelinhas de “favoritismo” vem perdendo.

A partir daí, seriados que antes eram considerados clássicos, começam a cair no julgamento popular, sendo condenados culpados por pessoas que nunca nem ao menos os assistiram, afinal, “pimenta nos olhos dos outros é refresco”. Vamos exemplificar alguns dos vários casos discorridos por aí. Hoje, já é de conhecimento geral que o Ross de Friends é um grande mala-sem-alça quando se trata de romance e que não tem nada de engraçado no fato de Mônica ter sofrido com a gordofobia durante tantos anos de sua vida. Também sabemos que para uma autora de coluna super moderna e desinibida, Carrie, de Sex and The City, podia ser extremamente machista quando queria. E até mesmo o co-criador e ator Ricky Gervais, da versão britânica de The Office, revelou ter consciência de que a série seria cancelada pela crítica na atualidade. Essas e várias outras sitcoms são cheias de problemáticas e de piadinhas que, hoje em dia, não vemos a menor graça. 

Durante toda a adolescência, Mônica foi gorda e essa foi considerada a maior “piada” em relação a ela durante toda a série. (Reprodução: Friends)

Mas seria justo julgar um conteúdo que foi criado há mais de 20 anos com a visão de mundo que temos em 2021? Quantas mudanças aconteceram na sociedade e, principalmente, na mente das pessoas no passar das últimas décadas? Você pode até já saber disso, mas o avanço da tecnologia trouxe para nós um mundo completamente diferente e tivemos que nos adaptar a ele. O que não paramos para pensar, na maioria das vezes, é no quão rápida vem sendo essa adaptação. Graças à liberdade que o tecnológico nos trouxe, tudo acontece muito depressa, estamos em constante movimento, desenvolvimento, tudo é tão mutável que o que ontem era visto como insignificante hoje pode ser visto como abominável. Será que o mundo das criações têm conseguido acompanhar o ritmo frenético em que estamos vivendo? Se nem nós somos os mesmos do ano passado, porque julgamos as criações do ano passado como se fossem “deste ano”?

Estou dizendo que deveríamos ignorar todas as problemáticas de um produto, dando a desculpa de sua idade e passar aquele famoso “pano”? É claro que não! Mas também não deveríamos ser obrigados a parar de consumir um conteúdo só porque ele apresenta visões de mundo distorcidas, principalmente se esse é um conteúdo do qual gostamos. O senso crítico que temos hoje é uma dádiva maravilhosa e não rir de uma piada machista que antes era considerada hilária mostra o quanto evoluímos como pessoas, mas lembre-se que pessoas evoluídas são também equilibradas. É preciso que saibamos criar julgamentos realmente justos, observando tanto contextos históricos de criação quanto a visão do mundo das pessoas naquela época.

Não se esqueça, tudo é mutável, inclusive as noções de comédia. É verdade, que nada disso é capaz de apagar o fato de que alguém, a décadas atrás, pode ter se sentido machucado por algo que era considerado uma piada (e por isso a crítica é importante), mas lembre-se que a maioria daqueles seriados também abriram espaços muito importantes para a discussão de assuntos que antes não eram considerados tão “cotidianos” assim: como relacionamentos homoafetivos, independência feminina, liberdade sexual, racismo, entre vários outros. E quantas produções atuais não nos oferecem nem mesmo a metade disso?

Apesar de seus erros, Sex and The City apresenta diálogos muito importantes sobre liberdade feminina e trata de assuntos como aborto em 2001! (Reprodução: Sex and The City)

Então, nos preocupemos menos em cancelar séries antigas que condizem com suas realidade e foquemos mais em criticar aquelas que, na atualidade cheia de informação em que vivemos, insistem em perpetuar comportamentos completamente intoleráveis. Por fim, nas mais bem escritas palavras do site CuritibaCult: “em vez de eliminar séries completamente de nosso repertório, talvez seja interessante assisti-las com um novo olhar. Dá pra continuar vendo Sex and the City numa boa, e perceber que Miranda Hobbs, antigamente considerada a mais chatinha das personagens, na verdade é a mais coerente e divertida. Dá pra ver Friends e lamentar que Rachel tenha trocado uma carreira internacional em Paris por um macho palestrinha e reclamão.”

Fontes:

Como lidar com as séries que envelheceram mal?

Por que revival de Sex and the City é uma péssima ideia?

The Office seria cancelado hoje? Ricky Gervais, da versão britânica, responde

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