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Do que você tem medo?

A evolução do cinema de terror

Coração palpitando no peito como se quisesse pular para fora. As mãos suando frio ou os dedos tremendo tanto que você não consegue segurar nada sem quase deixar cair. Ansiedade, suspense, medo, repulsa, excitação, nervosismo, expectativa. Algumas pessoas mal conseguem olhar para as cenas na tela enquanto outras nem piscam para não perder um único momento. Lembro que fechava as portas e janelas do cômodo que eu estava quando assistia algum filme para não pensar que via algum vulto ou sombra passando.

Filmes de terror são evitados por muitas pessoas que não gostam dessas reações, mas eles também têm seu público fiel. Segundo o dicionário Oxford, o medo é o “estado afetivo suscitado pela consciêrncia do perigo ou que, ao contrário, suscita essa consciência.” Mesmo sabendo que não é real, seu cérebro emite alertas de perigo. Tudo depende do que te causa medo – e se esse estímulo te instiga alguma curiosidade e prazer com a emoção intensa ou se os filmes de terror (e horror) te causam gatilhos mentais de sentimentos negativos. Eu mesma faço parte daquele grupo que fica horrorizado, mas não consegue desgrudar os olhos da tela, querendo saber o que vem a seguir.

Imagem: Mandyme27 on Pixabay/ O gatilho do medo muda de acordo com a cultura dos indivíduos.

Apesar de tomarmos os conceitos como sinônimos, há certa diferença entre horror e terror. O terror é feito a partir de coisas e/ou pessoas que aterrorizam e deixam o espectador em estado de pavor com a expectativa do que ainda será visto. Já o horror é visto naquelas produções que causam repulsa – quando o vilão mata uma criança ou há uma matança generalizada. Nas últimas décadas, no entanto, houve uma mescla entre os dois gêneros e hoje a nomenclatura tende apenas a ser filmes de terror no geral. Eles abrangem temas diversos – sendo o macabro e o sobrenatural os que aparecem com mais frequência – e chegam a sobrepor outros gêneros do cinema, como fantasia, ficção científica e o suspense.

Nem todos se dão conta, mas o terror é um gênero muito amplo e, desde o seu surgimento, as produções do tipo já passaram por várias transformações.

A trajetória do gênero se inicia praticamente em paralelo ao início do cinema, em 1895. Um ano depois da exibição do primeiro filme, o cineasta francês Georges Méliès, conhecido pela cena icônica de Le voyage dans la Lune, apresentou um filme de dois minutos de duração chamado Le Manoir du Diable. Nele, em suma, um cavaleiro entra na casa do diabo e é atacado por ilusões. Apesar de ter sido feito com a intenção mais de entreter do que assustar, ele é considerado o primeiro filme de terror da história. Anos depois, em 1910, temos um curta de 16 minutos representando a história de Frankenstein, criado por um estudante de ciência e que foi aterrorizado pelo monstro todo o tempo.

Com as crises e guerras que assolaram o mundo, o gênero de terror sofreu também influência da depressão econômica. O Expressionismo Alemão foi um movimento que tomou força depois da Primeira Guerra Mundial na poesia, pintura, teatro, arquitetura e, claro, no cinema. O Expressionismo buscava uma representação subjetiva do mundo e revelar as angústias da existência humana com o uso de imagens distorcidas e longe da realidade – o objetivo principal era gerar reações profundas no público. Os cenários distorcidos, maquiagens carregadas e figurinos exagerados no cinema mudo alemão na década de 1920 foram elementos de grande influência para dois gêneros do cinema moderno: o filme de terror e o filme noir. Exemplos famosos do movimento são O Gabinete de Dr. Caligari (1920), com sua atmosfera angustiante e história macabra, e Nosferatu (1922), com um ritmo crescente de desespero em uma adaptação livre da obra de Bram Stoker.

Reprodução: Nosferatu

Na década seguinte diversas produções imergiram em clássicos da literatura, como Drácula, O Médico e o Monstro e Frankenstein, ambos lançados em 1931. Em seu livro The Horror Show, o pesquisador David J. Skal defende que o ano foi como um ponto de ebulição para o cinema de horror de Hollywood. Até então só haviam tido passos tímidos com O Fantasma da Ópera, em 1925, e Vampiros da Meia-Noite, em 1927. Quando Carl Laemmle Jr. assume a posição do pai na chefia da Universal Studios, ele tem o objetivo de trazer um investimento pesado nas produções sombrias.

Com o sucesso de Drácula e Frankenstein pela Universal, executivos da Paramount decidiram rodar uma adaptação de O Médico e o Monstro. Com sua forte conotação sexual – e escandaloso para a época -, o longa selou a tendência lucrativa do cinema de horror. Outro sucesso imediato não é crédito de nenhuma das produtoras. Em 1933, King Kong foi lançado, mas não era o pioneiro em filmes que retratavam a selva e nem uma mocinha bonita em perigo. Apesar disso, o longa foi selecionado para preservação no National Film Registry e ganhou diversos remakes.

Com a chegada da Segunda Guerra Mundial, o cinema teve mais uma mudança. As vilãs passaram a fazer parte do gênero de terror ao substituir os homens nos papéis quando eles iam para a guerra, assim como fizeram em várias outras funções – como em Pacto de Sangue, de 1944, e em À Meia Luz, de 1944. Os horrores do período também influenciou o surgimento de monstros gigantes ou invasões alienígenas, em um medo inconsciente do temor do fim do mundo. Os mais marcantes foram Godzilla (1954) – e suas várias adaptações e remakes, a mais recente sendo um crossover com um dos remakes de King Kong.

Reprodução: Godzilla

Influenciado pelo Expressionismo Alemão, Alfred Hitchcock dirigiu o clássico Psicose, de 1960. Hitchcock, por sua vez, é um dos grandes responsáveis por moldar e influenciar o cinema de terror moderno. Conhecido como o “Mestre do Suspense”, ele foi eleito o maior cineasta do mundo pela revista Entertainment Weekly, em 1996, por sua técnica e legado. O longa metragem é adaptado do romance homônimo de Robert Bloch, mas este foi baseado em uma história real de um assassino em série.

O terror ganhou um novo subgênero com o clássico A Noite dos Mortos Vivos, de 1968. Apesar de o subgênero gore, com muito sangue e violência, ter tido Banquete de Sangue (1963) como seu principal marco, foi com diversos filmes de zumbis que surgiram a partir de A Noite dos Mortos Vivos que ele teve seu principal reforço. Há diversos elementos no longa que o transformou em um dos mais influentes dentro das narrativas de horror que hoje se tornaram clichês. A própria ideia de zumbi se tornou domínio público depois que a distribuidora original esqueceu de adicionar a indicação de direito autoral – aquele copyright (©) que vemos nas obras da época – nas cópias. Isso permitiu que ele fosse não só amplamente conhecido – e hoje um dos filmes mais baixados gratuitamente na internet – como também possibilitou com que os conceitos, no caso os zumbis, fossem amplamente replicados e adaptados das mais diversas formas.

Reprodução: A Noite dos Mortos Vivos

A década de 1970 trouxe diversos clássicos do terror que ainda hoje aterrorizam o público. Aniversário Macabro (1972), O Exorcista (1973), O Massacre da Serra Elétrica (1974) e A Profecia (1976) são alguns exemplos. Divididas entre casos chocantes e temas sobrenaturais, as obras desta década são ainda hoje usadas de parâmetro para novas produções. Elas são – juntamente com outros filmes da década de 1980 – consideradas por muitos especialistas alguns dos melhores do gênero.

Foi a partir de 1980 que eles ganharam personagens icônicos, como Jason Voorhees em Sexta Feira 13 (1980), Freddy Krueger em A Hora do Pesadelo (1984) e Michael Myers na franquia de onze filmes de Halloween. Aqui o principal subgênero é o slasher, que normalmente envolvem assassinos psicopatas que matam suas vítimas de forma aleatória ou não. Com ele foi introduzido diversos clichês: loira ou líder de torcida como primeira vítima, mortes com muitos gritos, o assassino ser visto pelo espelho, casais sendo sempre assassinados juntos, sótãos e porões, fugas de carro e, é claro, um dos meus favoritos: a final girl. Aquela última mulher que sobrevive depois de enfrentar o assassino no arco final. Tais clichês são até citados dentro de algumas obras, como os filmes de Pânico e, posteriormente, a série adaptada Scream.

Reprodução: Halloween

A década de 1990 chegou sem muitas mudanças ao gênero. Com o aumento tecnológico e a engrenada econômica depois do fim da Guerra Fria levou as produtoras a apostarem principalmente em remakes com grandes orçamentos e continuações. Drácula de Bram Stoker (1992), Frankenstein de Mary Shelley (1994) e Entrevista Com O Vampiro (1994) foram algumas das obras que surgiram disso. O terror psicológico desabrochou e como obras hoje aclamadas por sua perseguição tensa podemos citar O Silêncio dos Inocentes (1991) e O Sexto Sentido (1999).

Além das inúmeras continuações e remakes de clássicos como O Massacre da Serra Elétrica (2003), os anos 2000 trouxe também mais toques sobrenaturais aos seus filmes de terror. Premonição (2000) foi o primeiro de uma franquia que durou toda a década, outros filmes sobrenaturais de sucesso foram O Chamado (2002) e Atividade Paranormal (2007) – este último em um resgate do estilo found footage que surpreendeu o público em 1999 com A Bruxa de Blair.

Nos últimos anos, no entanto, o cinema de terror ganhou nova roupagem. Obras carregadas de questões políticas e sociais ganharam holofotes. Jordan Peele fez história ao ser indicacado ao Oscar de Melhor Filme com Corra! (2017) – uma obra prima que utiliza da tensão e medo para abordar o racismo -, sendo apenas o terceiro do gênero a ter tal feito. Peele também dirige Nós (2019) e é o maior representante da renovação da representação étnica do cinema de terror que também possui outros nomes como Natalie Erika James, com Relic (2020), e Remi Weekes, com O Que Ficou Para Trás (2020). Produções que misturam o terror clássico de susto com uma pegada sobrenatural também se tornaram um sucesso. Não posso deixar de citar Invocação do Mal (2013), A Bruxa (2015), Um Lugar Silencioso (2017) e It: A Coisa (2017) – este último, inclusive, se tornou um dos meus favoritos.

Reprodução: IT – A Coisa

Eu assisto filmes de terror desde nova. Costumava sentir muito medo, mas sempre gostei. Eu lembro que um dos primeiros que assisti foi um da franquia de Halloween e, como eu não tinha nem dez anos, não recordo muito mais do que Jamie Lee Curtis usando um machado para cortar a cabeça do assassino. Não muito depois, eu vi Lenda Urbana pela primeira vez e ele se tornou outro filme marcante. Alguns deles eu consigo assistir sem sentir tanto medo quanto antes, mas Evocando Espíritos é um que ainda evito. Foram anos pedindo para alguém ver alguma produção do gênero comigo porque não conseguia ver sozinha. Eu ficava ansiosa e precisava sempre de uma almofada ou cobertor para tampar o rosto quando aparecesse alguma coisa na tela. Cheguei a passar noites sem dormir vendo sombras pela casa.

Não digo que hoje não tenho medo – apenas sei lidar melhor com ele para conseguir apreciar uma boa obra ou criticar um filme mal feito. Mas gostaria de saber se a sua experiência é semelhante à minha. Você faz parte dos apreciadores do gênero ou prefere evitar para não ter pesadelos? Sente a adrenalina percorrendo seu corpo ao assistir? Não sente tanto medo e apenas não se interessa? Ou não se incomodou em descobrir a infinidade de obras de terror que existem? Por fim, acima de tudo, eu deixo meu mais importante questionamento. O que é isso que está atrás de você?

Fontes:

Academia Internacional de Cinema – Expressionismo Alemão
Rolling Stone – Psicose: como Alfred Hitchcok quebrou as barreiras entre terror e suspense no clássico de 1960?
Como um erro burocrático popularizou os filmes de zumbi
Por que temos tanto medo de filmes de terror, se sabemos que são ficção?
Escotilha – Novas vozes, novos medos
A psicologia do terror no cinema

Veja também:

TOP 5 filmes de terror da Blumhouse

Crítica: IT – Capítulo Dois

Um Lugar Silencioso 2 repete a qualidade do primeiro

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