Duas narrativas belas e o fim que todos conhecemos
Em 2020 fui assistir a Viva, a vida é uma festa, essa animação mágica e especial, com um nome lindo e uma arte fofa. O resultado: inesperadamente, me deparei com uma mensagem demasiado profunda: nunca estamos preparados para a morte daqueles que amamos e, principalmente, o fim é inevitável.
No filme acompanhamos Miguel, um jovem que quer ser músico, em sua jornada pelo mundo dos mortos e pela busca da razão pela qual a música foi banida de sua família. Tudo isso enquanto corre contra o tempo, já que sem essas respostas sua alma pode ficar presa lá para sempre. Com essa premissa básica, a produção explora tradições, afetos, promessas, perdas e erros.
A narrativa se passa majoritariamente no mundo dos mortos, relacionando-se diretamente ao tema da morte. Como é de se esperar, com exceção de Miguel, todos os personagens daquele mundo estão mortos e, ainda que cheios de história, desaparecendo ao cruzar a linha entre a morte e o esquecimento, o real fim. Admito que chorei muito, apesar de voltada para o público infantil, a animação trata da importância do apoio e do amor, do trágico fim e da saudade.
Entretanto, não foi a primeira vez que esse tema foi apresentado com tanta força em minha vida. Ano Hana, um anime que assisti no começo da minha adolescência e que conta com uma música de encerramento que até hoje é capaz de me arrancar lágrimas, traz a seguinte narrativa: o espírito de uma garota, anos depois de sua morte, retorna para o plano dos vivos e acaba tendo que ajudar a seus amigos de infância e sua própria família, pois só realizando seu último desejo sua alma conseguirá descansar. A obra mostra pessoas que nunca superaram sua ida precoce, todo o potencial de vida que ela poderia ter tido, como cada personagem desse elenco – desde a mãe até os protagonistas jovens – foi afetado pela sua partida, suas personalidades e escolhas de vida… tudo que envolve o enredo acaba sendo de um carinho enorme para todos aqueles que passaram ou ainda vão passar por isso.
Não existe uma grande receita de como lidar com o luto e a morte, apenas as sensações e como tentamos enfrentá-las.
Mas, qual é a razão de nunca pensarmos ou falarmos sobre isso? Não existe uma resposta exata! Podemos recorrer a saudade, a dor, ponderarmos tudo o que não iremos viver ao lado daquela pessoa ou tudo que gostaríamos que tivesse sido diferente. Nunca pensarmos nisso e não aceitarmos esse fato, não é algo saudável. A aceitação de que tudo tem um fim, de que todas pessoas, inclusive nós, vão morrer, é necessária, tanto para aceitação de tudo aquilo que já foi, quanto para criar abertura para que coisas novas surjam em nossas vidas, sejam pessoas ou memórias. Como o próprio filme e o anime demonstram, pessoas amadas sempre estarão vivas em nossos corações enquanto nos lembrarmos delas.
Essas duas animações são muito calorosas, um lembrete de que cada momento importa, que aquela pessoa, mesmo que não esteja mais entre nós, foi real, foi mágica e importante, que o amor não desaparece, talvez ele apenas acabe se transformando em uma lágrima enquanto cantamos a música favorita dela, em um sorriso quando encontramos uma foto ou a própria saudade que se preserva na memória.
Ambas animações, de forma distintas, tentam entregar alguma paz em sua jornada. Em Viva, temos a busca por respostas e pelo passado, em saber quem carregamos e quem podemos ser baseado nisso, no recomeço de tudo. Em Ano Hana, infelizmente, tudo já se foi, só podemos aceitar as memórias da base secreta e dos sonhos que eram nossos na época daquela pessoa, que tudo foi lindo e real enquanto existia, que tentar se prender ao passado e, principalmente, tentar não sentir toda a dor dessa partida é um desperdício de energia e de amor. É necessário deixar o coração chorar por aquilo que amamos, da mesma forma que é necessário viver independente disso. Na realidade, eu acho que precisamos acreditar que as pessoas amadas gostariam disso, que vivêssemos cada dia como único e torcer para reencontrá-los no mistério que vem depois da vida.
No final, não podemos agarrar o tempo ou prever o futuro, não sabemos até quando algo irá durar, quantos minutos ainda nos resta. Acho que a mensagem mais linda do filme é a celebração das memórias daqueles que se foram e amamos, das oferendas, da importância. Só podemos aproveitar cada segundo, guardar cada momento, apoiar nossos sonhos e torcer… para que quando a morte nos chamar, tenhamos marcado com amor outras pessoas.
Na minha visão acho que temos medo do esquecimento, de não termos feito nada de tão importante. Mas, assim como no filme, uma música feita para uma criança, uma canção de um pai para uma filha… são marcantes o suficiente para gerações.
Acho que todos nós, nas nossas próprias jornadas, estamos marcando pessoas. Algumas carregamos para sempre em nossas vidas, outras apenas em capítulos de nossas memórias, mas, talvez… essa seja a magia da vida, a porta inevitável, a sombra do fim que carregamos, do ponto final imprevisível, talvez seja isso que torna nossas vidas tão únicas, dolorosas e maravilhosas, o fato de que cada segundo nunca retorna.
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