Como somos capazes de destruir tudo aquilo que nos molda e como isso é representado em vários obras
Provas, trabalhos, relações amorosas ou familiares, acho que todos sentimos em algum nível, ou da sua própria maneira, essa pressão em determinadas situações. Como falar o certo? Como agir de maneira agradável? Será que estou incomodando? Será que sou o suficiente para os meus pais? Será que sou uma pessoa fácil de amar? Será que eu sou perfeito para alcançar os meus sonhos? Uma chuva de pensamentos arrasta nossas mentes pela madrugada, nos mantendo acordados por horas infinitas e tirando qualquer forma de esperança em apenas sermos quem somos, como se todos conseguissem enxergar nossas rachaduras, defeitos, erros ou como o caminho ainda parece tão distante.
Esse período do final do ensino médio e o começo do trabalho, ensino superior, ou qualquer caminho que você escolheu trilhar, é repleto dessas pequenas questões internas que ocupam nossas cabeças. É como se tudo parecesse tão impossível que somos, no fim do dia, incapazes de conseguir qualquer coisa.
Em Blue Period, acompanhamos um protagonista considerado muito inteligente; aquele cara que vai ter uma carreira estabilizada e uma vida comum, com todas regras e caixinhas riscadas. No entanto, ele acaba percebendo que quer arte, que quer viver disso e encontra essa parte de si nas tintas. Assim, ele precisa passar por uma prova rigorosa com uma porcentagem baixa de aceitação, pois é a única faculdade pública do seu curso, já que ele não tem dinheiro para uma particular. É também uma das melhores do país, tornando mais concorrido ainda.
E assim, acompanhamos diversos personagens que me fizeram pensar muito em como nunca consideramos nada que produzimos. Nada nunca parece chegar nos critérios próprios de excelência desses personagens tão talentosos e focados em passar, já que carregam tantos medos e dúvidas.
Em um dado momento, uma personagem específica revela que sua irmã passou na primeira tentativa e como isso criou um medo ainda maior em falhar. Isso me fez pensar em quantas pessoas estão se comparando com outras, em todos os aspectos, ainda mais na era da Internet. Quantas vezes passamos horas olhando para vidas de outras pessoas? Desejando, ansiando e até mesmo sentindo inveja?
Eu mesmo já senti muito cansaço vendo pessoas ficando extremamente ricas na Internet, fazendo coisas que na minha visão não são nada, mas sei que pode ser tudo pra outras. É um esgotamento muito real, essa comparação de vidas, ver alguém que na sua mesma faixa etária já viajou o mundo, conheceu países, culturas, restaurantes, teve acesso a coisas que você apenas pode sonhar e mesmo assim carrega o medo de nunca realizar. Nunca estamos satisfeitos com tudo que conseguimos em nosso próprio caminho, pois sempre tem alguém fazendo algo novo, ganhando dinheiro ou surpreendendo e isso assusta, machuca e até mesmo arranca um pouco da nossa esperança, pois não temos garantia de absolutamente nada, mesmo com um curso superior.
Nessa ânsia da comparação, esquecemos de tudo que já superamos, de todas as dificuldades que ficaram no passado, das características que são apenas suas que você descobriu … suas versões anteriores fizeram o melhor para aquela época e, mesmo que não tenha sido todo o seu potencial, apenas seja gentil com seu próprio passado.
É a sua história!
Não estou dizendo para aceitar caso você realmente não goste, mas talvez aprender com ela e não olhar com ódio. Para seguirmos nessa análise dos prejuízos de nos comparar demais, vou citar outra animação pra continuar esse texto e tentar te fazer pensar mais sobre a singularidade de cada um.
Vamos nos lembrar de Encanto, animação da Disney que envolve uma família cheia de magia e uma protagonista que não tem nenhum poder. Carregando o sentimento de inferioridade ao decorrer de sua vida, ela acaba não percebendo as inseguranças e medos que cada um de sua ‘super família’ também têm. Ao decorrer da história, no entanto, ela passa a enxergar que leva consigo um senso de querer descobrir quem é, um coração enorme e gentil os quais a destaca mesmo sem um “milagre”. Mirabel era capaz de fazer muito mesmo sem saber e, assim como ela, nessa busca de encontrar algo que não existe em nós, esquecemos de tudo aquilo que nos torna uma pessoa diferente. Sua realização do quão grande ela pode ser, o quanto ela pode fazer, mesmo que não seja o esperado pra aquela família, é muito bonita. Ela ainda pode descobrir e criar sua própria vida, ela ainda pode fazer mágica da sua própria maneira.
Então, mesmo que você não consiga fazer algo que seja esperado pelos os outros ao seu redor ou o esperado por você, mesmo que determinado caminho não seja viável, existem outros. Você é um ser humano completo e cheio de memórias, experiências, com seus próprios talentos e ‘magia’. Sempre terá algo que você é capaz de fazer. Mude o seu mundo da sua própria maneira.
Até o momento, falei muito sobre como podemos, e devemos, encontrar ou criar nossos próprios espaços e nos comparar menos, mas, no tópico da busca por perfeição, não posso deixar de lado os retratos clássicos dos sonhos de carreira que levam corpo e mente ao extremo. É o caso Whiplash e Cisne Negro.
Ambos carregam essa marca da sua própria maneira. De um lado, um protagonista que quer ser um baterista e prefere morrer aos 35 anos, lembrado para sempre como alguém grande e talentoso. no lugar de ter uma longa vida feliz. No outro lado, uma dançarina que abdica de toda sua vida pelo espetáculo, pela performance mais perfeita.
Nesses dois filmes, pode-se enxergar como a obsessão pelo perfeito pode levar a níveis extremos de autodegradação apenas por um único momento, pois a vida parece perder sentido sem ele. Sei que muitos idolatram pessoas que sacrificam tudo por um grande sonho, mas é justo? Nossas vidas são tão complexas, com tantas camadas e talvez seja ainda mais difícil para os artistas e aqueles que sonham ser, pois o tempo continua correndo com toda velocidade e os nossos corpos perdem sua força. Nossos visão se torna mais turva, nossa audição se perde e, no fim, será que abdicar tanta coisa por um instante? Será que dar tudo de si pelo preço da perfeição é possível?
Não vou ser hipócrita, talvez realmente seja o preço ideal para alguns. Mas precisamos admitir que existe algo de absolutamente errado com o mundo quando ele exige um preço tão alto por um único momento.
Porém não é sobre isso que eu quero falar. A reflexão é sobre desconstruir essa glamorização do sacrifício e valorizar a criação de limites; aprender que não precisamos de determinadas situações e muito menos humilhações, que ninguém tem o direito de rebaixar os seus sonhos ou você por determinada dificuldade ou por precisar fazer um pouco mais de esforço para completar algo.
Pelo seu sonho, lute com unhas e dentes não aceite que ninguém te julgue por isso, mas também saiba reconhecer que a vida é mais do que o sacrifício. Se ele só te traz dor ou sofrimento, você sempre pode mudá-lo, criar outros e verdadeiramente viver.
O planeta um dia irá desaparece. Seremos ecos esquecidos pelo universo, fantasmas, como pegadas que nunca perduram na neve. Por isso, apenas viva sua vida, esse é o nosso único objetivo. Não sabemos se existe algum Deus ou como é a morte, então aproveite os momentos e os agarrem, uma vida feliz.
Uma vida que você VIVEU é algo muito raro, alcançar isso já é lindo.
Para finalizar essa exploração pela busca obsessiva pela perfeição, temos o enredo de Crepúsculo dos Deuses, em que uma antiga atriz que caiu no esquecimento e um jovem roteirista se encontram e buscam de tirar um do outro o que julgam necessário para fazer um grande filme . É um longa melancólico do começo ao fim, com atuações espetaculares e um roteiro incrível, mas retrata fielmente aquilo que venho dizendo ao decorrer desse texto: nossa busca pela perfeição apenas nos leva para loucura. Se fossemos perfeitos não iríamos produzir filmes, livros, músicas… não estaríamos produzindo arte para expressar e lidar com nossos maiores medos, erros e fantasmas. Não estaríamos vivendo todos os dias lidando com os nossos monstros e superando.
Sim, o sistema deveria ser mais justo, ninguém deveria superar pobreza ou a fome. O texto não é sobre superar questões que, infelizmente, em 2023 ainda são debatidas, como acesso a saúde de qualidade e gratuita para todos ou até mesmo moradia.
É sobre esses pequenos ou grandes sonhos, essas coisas que dependem de sorte e até mesmo da gente. É sobre se descobrir nesse mar digital e aceitar que nunca vamos ser perfeitos, que tá tudo bem sangrar pelas nossas partes quebradas.
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