Como crianças que não se encaixam na norma são feridas
Close está concorrendo ao Oscar de Melhor Filme Internacional, e finalmente se encontra disponível em nosso país. Antes de adentrar no coração do texto, e da obra, vamos estabelecer alguns pontos prévios enquanto lhes apresento um pouco do enredo.
A história é de dois amigos aproximando-se da adolescência, Léo e Rémi, que crescem inseparáveis. Amados por ambas famílias, próximos ao extremo, o retrato inicial da relação é composto por muito carinho e afeto entre eles e os seus familiares. No entanto, a imagem se transforma, e tudo muda quando eles vão para uma nova etapa da escola, com novas pessoas, um novo ambiente e, consequentemente, essas mudanças colocam a amizade em teste.
Nesse novo ambiente escolar, percebe-se de cara as piadas que os garotos fazem com os protagonistas, como uma espécie de aversão, enquanto as garotas demonstram curiosidade na relação de ambos, questionando se eles são namorados. Isso causa um desconforto imediato nos meninos, e aqui entramos no primeiro ponto importante: como é enraizado na sociedade que relações homoafetivas são muito distintas de outras e algo ruim. Mais especificamente, a forma com que esse afeto, logo depois de ser visto de como algo tão incomum, estranho, errado, é sucedido de autopoliciamentos . Seja por um jeito “afeminado”, uma voz estridente, um andar, demonstração de carinho com um amigo, até mesmo um silêncio; basta um único olhar para tangenciar a norma e transparecer uma identidade, um jeito de ser tão temido. Com medo de falhar, cria -se um fantasma ao redor das nossas personalidade que assusta, faz com que queiramos usar uma máscara para sermos aceitamos pela maioria e vistos como apenas mais um.
Como uma pessoa que foi esse adolescente lgbt, é impossível não reconhecer todas as similaridades que a trama acaba trazendo com vivências reais. Os medos dos protagonistas, as inseguranças ao redor, os comentários maldosos, as brincadeiras que machucam, mas que são sempre acompanhados com risadas, fazendo que nunca tenhamos coragem ou “razões” para reclamar, afinal, são apenas piadas. Porque só machuca se realmente tiver algum fundo de verdade e você não quer que eles achem isso! Os olhares de nojo…. tudo isso se apresenta bem cedo no filme.
E todos ali são jovens … o que leva a outro ponto importante que a obra faz refletir sobre: quem ensinou isso pra essas crianças? De onde vem todo esse preconceito e espaço pra tanto ódio?
É tão normalizado naquele ambiente, que você não tem nenhum deles questionando o dano que estão causando até o grande momento trágico do filme, e mesmo assim, é difícil apontar um único culpado, parece muito mais um dano inevitável do sistema falho, essa toxidade no ambiente escolar corrompe essa relação, no momento que o amor é visto como algo para ser usado como desculpa pra maltratar, pra ferir, pra humilhar e tudo com um ar de piada, é impossível que muitos não reconhecem similaridades com suas próprias vidas, com suas próprias crianças que foram, com seus passados.
Olhando o filme e relembrando da própria escola que eu estudei, é gritante como essas conversas são necessárias. Desde assuntos como afeto entre dois garotos, heterossexuais ou não, e pessoas lgbtqia+, pois isso pode evitar ou amenizar o ciclo de preconceito e criar infâncias e adolescências muito mais saudáveis para outros jovens. E sim, na minha visão, existe um amor romântico surgindo entre esses dois. O que torna tudo mais triste; ver como isso é arrancado deles, como esse espaço seguro de carinho e amor é pisada pelos outros, como eles não podem ter o direito de viverem todas essas mudanças da puberdade como qualquer outro adolescente, já que durante esse processo, precisam reprimir tanto para se sentirem aceitádos.
Mas nem tudo é dor em Close (prometo!). Ele também por vezes é um acalento e mostrar que esses momentos não duram para sempre. Apesar de toda dor causada, outros fases vão vir, pessoas vão nos compreender, e veremos que não estamos sozinhos nesse mundo. É muito fácil perder toda nossa esperança nessas zonas cinzentas, onde estamos sangrando e sentindo toda essa angústia; momentos em que tudo que queremos é ser outra pessoa, deixar de ser a gente, ser “curado”. Mas outros dias sempre chegam e aos poucos seguramos todas rédeas de nossas vidas, e quanto mais confortável você ficar consigo mesmo, menos poder essas pessoas carregam. Elas não conseguem causar tanta dor quando amamos quem somos e aceitamos toda complexidade da nossa própria existência. Mas, nesse processo de autoaceitação, seja empático com a jornada de outros. Seja gentil com outras pessoas, com aqueles que fogem do ideal e normalmente são alvos, pois uma palavra amiga é capaz de fazer mágica.
O filme demonstra como o amor nunca deve ser motivo de vergonha ou razão para ferir alguém, e as consequências sérias que podem vir dessa problemática mal resolvida. Torna claro como é necessário reformular o ambiente escolar para acolher melhor crianças que, no processo de amadurecer, se tornam diferente dos outros. E é, acima de tudo, um alerta de que todo preconceito pode levar alguém ao extremo.
Cuidem de suas crianças e adolescentes, aceitem quem eles são e apoiem. Vejam os sinais, se tornem presentes. O mundo lá fora infelizmente é cruel e ainda estamos batalhando pelas mudanças, mas garanta a sua parcela e faça a sua diferença. Mesmo que seja pequena, ainda pode ser uma fonte de luz na vida de alguém.
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