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A Pior Pessoa do Mundo e as angústias de se tornar adulto

Até onde é possível chegar sem ter a mínima ideia de para onde está indo?

A Pior Pessoa do Mundo (2021), do diretor norueguês Joachim Trier, é um brilhante retrato sobre o que é se tornar adulto nos tempos de hoje. Disponível nas plataformas de streaming MUBI e Apple TV +, a narrativa sensível do filme nos apresenta Julie (a maravilhosa Renate Reinsve, que levou o prêmio de Melhor Atriz pelo Festival de Cannes de 2021), que, com seus 29 anos, se vê perdida entre tantas possibilidades e amarras a ponto de não saber mais para onde ir. A história, contada em doze capítulos – com prólogo e epílogo – , nos conduz por uma narrativa simples, mas carregada de sentimentos e emoções extremamente humanos. Após tentar cursar medicina, psicologia, e de se arriscar um pouquinho na fotografia e escrita, Julie ainda não sabe o que quer da vida. Ela é carregada pelo cotidiano, levando um dia após o outro e tentando se encontrar no meio disso.

Esse é um filme que atinge em cheio a galera dos “vinte e poucos anos”, trazendo conforto de uma forma esquisita: é bom descobrir que existem mais pessoas no mundo que ainda não sabem o que fazer com o peso de se tornar adulto. O que é ser adulto? Quando exatamente isso acontece? A Pior Pessoa do Mundo não vai nos trazer essas respostas, mas vai mostrar um retrato real do que é amadurecer, com todos os seus tropeços e acertos. O longa não nos despeja um grande e intenso sofrimento, com uma gloriosa superação depois. Ele mostra essa mulher de quase 30 anos que se encontra em um poço de dúvidas: não sabe quais caminhos seguir, nem se quer continuar em seu relacionamento, ou se tornar mãe… vemos Julie errar, desistir, se embebedar, se apaixonar e mudar o rumo das coisas quando sente que precisa. Com equilíbrio perfeito entre sensibilidade, melancolia e esperança por dias melhores, esta é uma obra honesta com a narrativa de crescimento que propõe, desenvolvendo a história de uma protagonista fascinante, confusa e aberta para o mundo.

Reprodução: A Pior Pessoa do Mundo

As relações amorosas também são pontos muito interessantes dessa narrativa. Julie está em um relacionamento com Aksel (Anders Danielsen Lie), um quadrinista 13 anos mais velho que deseja formar uma família, enquanto Julie não está 100% certa sobre isso. Quando Julie conhece Eivind (Herbert Nordrum), seu mundo vira de cabeça para baixo, pois ela começa a se questionar sobre querer continuar em um relacionamento com uma pessoa que tem objetivos de vida que talvez não se alinhem com as expectativas que ela possui. Eivind tem uma energia oposta a de Aksel, e, trazendo uma faísca de novidade a sua vida, vemos nossa protagonista mais uma vez se questionar sobre o que quer para si mesma. Ela pode não saber qual caminho seguir, mas é ótima em delimitar o que não deseja mais, e é ótimo acompanhá-la nessa jornada.

Visualmente, o filme é lindo. Duas cenas em específico são incrivelmente bem realizadas: quando o mundo inteiro congela e Julie corre pelas ruas da cidade, e quando ela experimenta cogumelos alucinógenos e tem uma viagem curiosa pelo seu subconsciente. Dá pra sentir a liberdade que ela vivencia ao correr com entusiasmo em um mundo em que apenas ela e seu objetivo (que não vou dizer qual é, pra não dar spoiler haha) existem. Dá pra sentir a estranheza das conexões que sua mente faz ao relacionar a negligência do pai a outros aspectos de sua vida, enquanto ainda está sob o efeito do cogumelo. Até em suas cenas mais simples, A Pior Pessoa do Mundo nos faz sentir conectados com a protagonista. Isso também porque o longa não se preocupa em trazer plot twists grandiosos: tem, ao invés, sua atenção inteiramente voltada para os sentimentos e relações de Julie, através de diálogos ousados e impactantes. 

Reprodução: A Pior Pessoa do Mundo

A obra ainda traz diversas outras questões de forma orgânica durante sua narrativa, como a conexão entre a arte e o artista – e quando tudo isso para de fazer sentido -, reflexões sobre desejo, intimidade, traição… É uma obra a qual dialoga com outras produções incríveis, como Fleabag (2016 – 2019), Frances Ha (2012), ou com os livros da escritora irlandesa Sally Rooney. São histórias que trazem narrativas sobre o caos millennium que é viver e não conseguir se encaixar nos moldes do que se espera de uma pessoa na vida adulta. E porque devemos nos encaixar? Como burlar isso e salvar qualquer resquício de individualidade que ainda possuímos? O longa não vai te entregar de bandeja essas respostas, mas pode te dar motivação e esperança suficientes para que você as procure.

O filme é melancólico e caótico em diversos âmbitos, mas consegue ser agridoce em nos mostrar que não precisamos saber o que fazer para sempre aos 20, ou ter que pensar em casamento e filhos aos 30. Pessoalmente, não faço a menor ideia do que quero fazer para sempre, e ver que não estou sozinho nesse barco traz certo alívio. Ter permissão para cair de vez em quando, e mudar a rota quando precisar, é reconfortante. E, caso seja necessário, se estiver tão perdido quanto Julie, é só seguir o conselho que Taylor Swift deu na música Dear Reader: “Queime todos os arquivos, abandone todas as suas vidas passadas. E se você não se reconhecer, isso significa que você fez tudo certo”.

P.S: A música que marca o fim de A Pior Pessoa do Mundo é uma versão gringa de “Águas de Março”, escrita originalmente por Tom Jobim e interpretada no longa por Art Garfunkel. Vale a pena conferir!

Esse texto foi escrito enquanto eu escutava:

You’re On Your Own, Kid – Taylor Swift

Punisher – Phoebe Bridgers

True Blue – Boygenius

Trailer:

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