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Qual o caminho para a Terra do Nunca?

Se você ama aniversários, esse é um texto para você. Se você odeia aniversários, também.

“Ultimamente tenho ouvido um som. Em todos os lugares onde eu vou. É como um tick, tick… Como uma bomba de um filme B vagabundo ou de um desenho animado. O detonador foi acionado, os segundos passam no relógio à medida que a chama se aproxima, e se aproxima, e se aproxima. Até que… subitamente…” 

BOOM!

São 00:01 do meu 23º aniversário, e eu escrevo isso enquanto estou num ônibus desconfortável à caminho de casa. 30/90 tocando no meu fone, sem internet para ver as notificações de feliz aniversário dos meus amigos, e pensando: Ok, 23. O que isso significa?

Esse definitivamente é um aniversário diferente. Há dez anos, eu coloquei diversas metas a serem batidas nessa idade. Com 23 anos, eu com certeza já estaria formada na faculdade de jornalismo — eu comecei a faculdade de jornalismo esse ano. Com 23 anos, eu já estaria ao lado do amor da minha vida — aparentemente nos desencontramos porque ainda não o encontrei. Com 23 anos, eu saberia tudo. Então como eu cheguei aqui sem saber nada?

Reprodução: Tick, Tick… Boom! (2021)

Eu comecei o texto com uma citação da cena inicial de Tick, Tick… Boom! Se você não conhece, eu te apresento um pouco do filme. O longa da Netflix conta a história de Jonathan Larson (interpretado por Andrew Garfield), o criador do gigante musical da Broadway, Rent. Mas esse é o final. O filme começa com o aniversário de 30 anos de Jon, e seu desespero em relação ao tempo. Tick, tick… O relógio não para. O mundo não para. Seus amigos estão se casando, ou então estão conseguindo bons empregos, ou até mesmo morrendo. E onde Jonathan está? Onde você está? Onde eu estou?

Bom, Jonathan está trabalhando como garçom numa lanchonete, enquanto se prepara para apresentar seu musical “SUPERBIA” para produtores de teatro, na esperança que alguém compre a sua ideia. Ele tem poucos dias para finalizar a peça, mas ainda está faltando criar uma última música. Na mesma semana, Jon completa 30 anos, e essa é uma idade que muda tudo. Segundo ele, é quando você deixa de ser um escritor que trabalha como garçom, para ser um garçom que escreve como hobby.

A proposta de Tick, Tick… Boom é sobre o tempo – ou a falta dele. O próprio nome do filme é uma bomba relógio, prestes a explodir a qualquer momento. Quanto tempo ainda nos resta? Somos jovens, temos a vida inteira pela frente. Será? Talvez a areia da ampulheta esteja chegando ao fim, e precisamos viver nossas vidas ao máximo, com urgência. Esse tique-taque do relógio nos acompanha o tempo inteiro. E o fim, aqui, não é necessariamente a morte. Não aquela morte, pelo menos. Mas talvez a morte de nossos sonhos, esperanças e devaneios adolescentes.

No caso de Jonathan, infelizmente ele morreu com apenas 35 anos, um dia antes de realizar seu sonho: a estreia de Rent na Broadway. Apesar disso, Jonathan entrou para a história, já que seu trabalho revolucionou a indústria de teatro musical. Talvez o tempo dele ainda seja agora.

Reprodução: Tick, Tick… Boom! (2021)

Eu realmente gosto do meu aniversário. Gosto de celebrar, de criar ideias para festas temáticas, da ideia que um dos 365 dias do ano é inteirinho meu. Não é uma data tão legal quanto o Natal, mas é uma data divertida. O que realmente me incomoda, assim como incomodava Jonathan, é o tempo estar passando, e eu não ter nenhum controle sobre isso.

“Quanto tempo ainda temos para fazer algo grandioso?”. Será que algum dia faremos algo grandioso? A cada ano que passa estou envelhecendo. E, sim, 23 anos não são nada demais. Ainda. Logo vem os 25, e os 30, e os 40. O tique-taque volta a tocar em minha mente numa melodia de agonia e ansiedade.

Esse tique-taque me lembra o crocodilo de Peter Pan, então eu penso: Qual o caminho para a Terra do Nunca?

Peter Pan era um dos meus filmes favoritos na infância, e toda noite eu desejava que Peter invadisse minha janela e me levasse para a Terra do Nunca, assim eu seria criança para sempre. Não aconteceu. Então eu desejava que existisse alguma magia no mundo capaz de me fazer ter 17 anos eternamente, assim como Edward Cullen. Mas não há como parar o tempo. Não há como parar mudanças em nosso rosto, corpo, mente. E muito menos parar mudanças ao nosso redor, amigos formando, ou casando, ou até tendo filhos. 

Você está falando com uma pessoa que gosta de rever os filmes favoritos apenas porque já sabe como eles terminam. Uma pessoa que ensaia o que vai dizer, e sofre por antecedência com qualquer possível imprevisto. Imagina não saber o que irá acontecer esse ano. Eu sei quem eu era ano passado, e retrasado, e antes. Mas quem serei eu aos 23 anos? Quantas pessoas irei conhecer, amar, e odiar aos 23? Quantos lugares novos irei visitar? Quantos sonhos vou realizar e quais serão as decepções que vou enfrentar? Minha cabeça dói com esse espiral de incertezas e possibilidades. 

Mudanças são inevitáveis. Eu não sou mais a mesma que era aos 22 anos, nem aos 21, 17, 14. Como diria Alice:

Quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem eu era, mas acho que já mudei muitas vezes desde então”.

A única coisa que sei é que estou curiosa para conhecer quem serei aos 23 anos.

Reprodução: Tick, Tick… Boom! (2021)

É engraçado pensar que o meu filme favorito também fala sobre a urgência de viver a vida. Coincidência ou não, a primeira vez que assisti Curtindo a Vida Adoidado também foi há exatos 10 anos, e desde então minha vida nunca mais foi a mesma. Termino o texto então com a frase que tento viver todos os dias.

“A vida passa rápido demais; e se você não parar de vez em quando para vivê-la, acaba perdendo seu tempo”.

Feliz aniversário para mim. Feliz ‘desaniversário‘ para vocês.

Reprodução: Tick, Tick… Boom! (2021)

Esse texto foi escrito enquanto ouvia:

30/90 – Andrew Garfield

20 Anos Blue – Elis Regina

Ribs – Lorde

Playlist completa: “Qual o caminho para a Terra do Nunca?”

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