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Crítica | A Baleia

“E eu me senti mais triste ao ler os capítulos chatos que eram apenas descrições de baleias, porque eu sabia que o autor estava apenas tentando nos salvar de sua própria história triste, apenas por um tempo.”

Talvez, a narrativa de um corvo possa ser, de uma certa forma, um tanto quanto irônica. Um pássaro pequeno, simples e preto que luta, assim como qualquer ser vivo, pela sua vida enquanto tenta achar aquilo que o sustente. Então qual o motivo de um animal tão comum ser irônico? É justamente pela simbolização exagerada da morte que essa criatura tão simples carrega. Ora, como algo que luta tanto para se manter vivo pode ser relacionado a algo contrário ao seu instinto natural? A Baleia (2022) sabe muito bem como usar essa antítese simbólica. A vida e a morte, o sucesso e o fracasso, o passado e o futuro, andam de “mãos dadas” em toda obra. Desde a utilização do horror psicológico implantado na situação precária e extrema de Charlie, até toda história que o levou ao seu estado, o filme exibe com qualidade uma de suas principais essências: o oposto disso, um contraste simultâneo às abordagens mais …’dark‘.

É assim que a obra dirigida pelo diretor egocêntrico Darren Aronofsky é: uma mistura de sentimentos desde a primeira cena. Agora, se passam uma boa sensação, como salienta a discussão levantada desde a noite do Oscar de 2023, já é outro caso.

Além disso, A Baleia marca o retorno de um ator querido e extraordinário à Hollywood: Brendan Fraser. Após tanto tempo fora dos holofotes hollywoodianos, devido a um turbulento divórcio que o levou à depressão e uma denúncia de assédio contra o jornalista Philip Berk, realizada em 2016, o dono de grandes performances no cinema, como em George, O Rei da Floresta (1997), volta às telonas como o professor de 270kg que sofre de transtornos alimentares.

A trama do longa retrata o protagonista Charlie (Brendan Fraser) em sua última semana de vida, já que a situação extrema em que vive debilitou sua saúde, enquanto suas antigas decepções e novas dificuldades vêm à tona; sua filha Ellie (Sadie Sink) – que não o via desde os oito anos de idade -, o suicídio de seu namorado, sua compulsão alimentar em nível grave e obesidade severa, o novo missionário na cidade, Thomas (Ty Simpkins), o simpático entregador de pizza, Ben (Sathya Sridharan), e a tentativa de sua amiga e enfermeira Liz (Hong Chau) em ajudá-lo.

Reprodução: A Baleia

O filme de drama e ficção aponta dois temas importantes na sociedade hoje e que, dentro da grande indústria cinematográfica, dificilmente são abordados diretamente – e não em subtexto – e simultaneamente: a obesidade e a homossexualidade. Entretanto, apesar de aparecerem veementemente e serem dois dos motivos dos comportamentos suicidas de Charlie, não são o foco e, por isso, a normalização desses temas, como de fato deveriam ser, se torna uma das peças fundamentais para atingir o ápice da obra.

O destaque do filme que assusta, mas também conscientiza, de certa maneira, é a própria situação em que o protagonista chegou. O horror vem exatamente nesse momento. Ver as consequências das ações do personagem e como ele vive no dia a dia emana uma sensação de constrangimento com o caso.

No entanto, essa rotina e contexto totalmente extremos, ao ponto de ser exagerado, reforçam um estereótipo que parece reproduzir o preconceito, o pensamento gordofóbico, de um lado; já no outro, problematiza e conscientiza o público sobre o ciclo vicioso de uma parte que sofre com compulsão alimentar. As vezes, a única forma de esclarecer à sociedade sobre um caso é trazendo as condições deste de maneira radical, extrema.

Reprodução: A Baleia

O filme é uma adaptação cinematográfica da peça teatral escrita por Samuel D. Hunter de mesmo nome e exibe muito bem sua origem. Com cenas carregadas de drama e uma narrativa com foco em uma relação pai-filha, o longa transborda sentimentos fortes de todos os personagens, o que alivia toda tensão exalada pelo tempo de vida de Charlie diminuindo a cada cena que passa.

No entanto, Darren Aronofsky corta todo alívio com um cenário obscuro e sem qualquer vida, prendendo todo o público nas emoções negativas do protagonista. Também, o sentimento de Ellie em relação à situação do pai e seus erros do passado apertam as correntes cada vez mais, já que o comportamento da filha totalmente destrutivo, amargurado e manipulador cria uma barreira entre o “final feliz” e a história.

Além disso, a maneira como Charlie lida com Ellie apenas ressalta sua crença de que merece todo aquela linguagem negativa e que os seus erros são imperdoáveis. A verdade é que o ódio que ela sente por ele nunca chegará perto do ódio que ele sente por si mesmo.

Reprodução: A Baleia

Para o professor de literatura, todos aos seu redor merecem a redenção, seu otimismo e positividade quase se torna invejável. Entretanto, essa visão retrata apenas a vida de seus companheiros, não a sua. Na teoria e prática, sua segunda chance não existe e a única maneira de cessar sua cobrança incessante é comendo.

O filme consegue captar muito bem esse lado. A compulsão alimentar do protagonista, toda vez em que se via em uma situação difícil, exibe um contexto condizente com a realidade de alguém que sofre da doença. Evidencia este ciclo vicioso que se inicia com um momento “impossível” de se lidar e continua com um alívio imediato na comida e depois uma cobrança constante após a alimentação excessiva.

Reprodução: A Baleia

O maior ponto fraco de todo filme é o enredo repetitivo e a história frustrante de Ellie, pois, apesar de uma atuação impecável de Sadie Sink, a personagem se torna um perfeito estereótipo de uma adolescente rebelde. Suas atitudes explosivas e demasiadamente desnecessárias não se resumem apenas ao próprio pai – o que seria compreensível devido ao seu abandono – mas a todos que estão à sua volta, carecendo qualquer tipo de aprofundamento da personagem.

Outro ponto difícil e fora de lugar é o objetivo de Thomas em toda narrativa. Apesar de ser um dos que mais sofre com a rebeldia de Ellie, o garoto religioso ainda tenta ajudar Charlie de seu modo, trazendo a palavra de Cristo como única forma de salvação para o protagonista. Esse moralismo religioso, que deveria ter sido mais pautado em todo filme, desaparece em meio aos problemas entre pai e filha, impedindo a finalização com chave de ouro desse assunto tão pertinente fora e dentro de tela, já que se relaciona também com o suicídio do amor da vida de Charlie, Alan.

Reprodução: A Baleia

Assim, e apesar de falhas e momentos difíceis de acompanhar que, como apontado antes, geram verdadeiros embates acerca da validade dessa abordagem, A Baleia retrata um professor de literatura em sua última semana de vida devido à sua obesidade mórbida e que, durante todo percurso até sua morte, lida com seus erros do passado enquanto, ingenuamente, tenta mudar a sua relação com sua própria filha. Ao mesmo tempo, nessa mesma trajetória, tenta impedir uma morte com arrependimentos.

Seus valores se perpetuam constantemente na obra e se ligam a humanidade, a qual gera identificação e simpatia, a ingenuidade e suas consequências do passado que vieram à tona. Também, a simbolização da morte e da vida ganha exemplos em cada momento até que se chega em seu final, com a inevitável morte de Charlie. Com seu lado mais teatral, o filme retrata muito bem o drama de alguém que sofre com compulsão alimentar e questiona o imaginário homofóbico religioso, além de, como maneira de visibilizar e conscientizar, humanizar esses tópicos através da representação do protagonista em sua situação extrema interseccional.

Nota:

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