A casa dos Weirs era pra ser um típico lar americano perfeito. Pais protetores e atenciosos, filhos exemplares e condições econômicas agradáveis. Pelo menos era o que os pais de Lindsay Weir (Linda Cardellini) imaginavam que a família era. Lindsay era uma “matleta” (atleta do clube de matemática) certinha com notas exemplares até que decidiu vestir a parca militar de seu pai e se tornar amiga dos freaks, os delinqüentes do colégio. Os primeiros episódios da série Freaks and Geeks ilustram a transição de Lindsay para a vida de freak e em como isso afeta a relação com seus pais e em sua reputação no colégio. De forma paralela, existe seu irmão mais novo Sam (John Francis Daley) e seus amigos geeks, que acabaram de entrar no 5° ano e têm de lidar com a rejeição e com a violência por serem considerados “estranhos” e gostarem de Star Wars e Bill Murray.
Freaks and Geeks retrata, sem pesar a mão, mas também sem floreios, o jovem não só dos anos 80, mas dos anos 90, 2000 e enquanto adolescentes forem adolescentes. As líderes de torcida, os caras do futebol, os nerds, a típica galera do fundão, famílias, crushes correspondidos e não correspondidos…. Os filmes geralmente usam essas pré-concepções para retratar, sem nenhuma sensibilidade e coerência, o universo adolescente. Entretanto, a série abusa dos padrões, mas também mostra que os personagens são muito mais que isso. A diferença é que, em Freaks and Geeks, os roteiristas não deixam esses assuntos na superfície como a maioria dos filmes estereotipados. Os personagens são muito mais que definições sociais e melhor que isso: ao invés de dar uma lição de moral direta e sem graça do tipo “não use drogas”, eles mostram como os personagens lidam e como resolveriam esses problemas como adolescentes.
Além disso, a comédia dramática também faz uma ótima construção de aceitação pessoal. Em um primeiro plano básico, Sam não quer ser um nerd, mas sim ficar com a garota de seus sonhos, ser respeitado pelos outros alunos e não sofrer mais o bullying e assédio moral de Alan (Chauncey Leopardi). E em segundo plano, Lindsay que tinha a vida inteira planejada por seus pais e não conseguia enxergar um futuro que não possuísse os estudos, começa a rever seus conceitos e enxergar quais são as melhores coisas para ela e não para seus pais. Os dois protagonistas da série, apesar de estarem em lados tão diferentes de representações identitárias dentro do colégio, buscam a mesma coisa: se encaixarem em novo universo social e descobrirem quem realmente são. Não há certo e errado. Em uma visão mais pobre, os Geeks seriam uma concepção mais próxima do correto e os Freaks do errado. Mas temos aqui uma obra que não trata ambos como opostos. Não tem nada demais em ser freak ou geek ou ser os dois ou quem sabe não ser nenhum, porque no fim das contas, os dois (e qualquer outro adolescente) só querem se sentirem incluídos.
Por último e não menos importante, não posso de deixar de citar a trilha sonora maravilhosa que acompanha a história. Desde a abertura com as cenas das fotos do anuário escolar sendo feitas ao som Bad Reputation, de Joan Jett até o encerramento com o Ripple, de The Grateful Dead, Freaks and Geeks é um espetáculo musical, contando ainda com a presença de ícones como Queen, David Bowie, KISS, The Who, Billy Joel, Journey, Janis Joplin e muitos outros, sabendo encaixar perfeitamente cada música em cada cena.
Não há como negar que o texto da série aborda todas as questões apresentadas de forma bastante realista, cômica e provocativa e que – para o contexto da época – era evidente que alguns assuntos problemáticos deixariam a desejar em termos de discussão, mas, embora a Lindsay tenha se mostrado uma garota empoderada e alguns debates tenham sido sim incentivados, uma coisa certamente não pode deixar de me incomodar: em alguns momentos a série trata assuntos misóginos e preconceituosos como naturais ou como piadas. Mesmo assim, acredito que a vale a pena entrar no mundo de Lindsay e Sam e descobrir quem é você.