Por que o filme de Friedkin ainda é o melhor filme de terror de todos os tempos?
Desde os primórdios da sétima arte, inúmeros diretores se dedicaram a transmitir de maneiras diversas um dos sentimentos mais intrínsecos do ser humano: o medo. No entanto, um desses artistas não apenas conseguiu transmitir o horror em sua essência, mas também redefiniu todo o gênero. “O Exorcista”, dirigido por William Friedkin, transcende as limitações do tempo e se mantem como uma obra-prima indispensável para todo fã de terror.
O que torna o filme verdadeiramente brilhante, e que o mantém destaque até hoje dentro do gênero de horror, é a maneira que a direção mergulha nas profundezas da psique humana. Ao invés de confiar apenas em sustos fáceis e cenas sangrentas, Friedkin se aprofunda em algo mais intimista: o medo do desconhecido. Através da construção cuidadosa de uma atmosfera sufocante, o filme desenterra nossos medos mais primitivos, questiona nossas crenças e nos leva a acompanhar o confronto entre o bem e o mal de uma forma genuinamente angustiante.
Todos nós temos um lado sombrio e todos nós temos um lado bom. O filme é uma metáfora para isso.
– William Friedkin
Uma das escolhas artísticas mais disruptivas do diretor está relacionada ao uso da trilha sonora. Ao longo do filme, Friedkin opta por empregar as músicas em momentos pontuais, priorizando a construção de tensão através do silêncio e dos efeitos sonoros. O design de som dessa obra é meticulosamente planejado e lúcido. A combinação dos gritos da Regan com os ruídos dos móveis em movimento transmite uma sensação crua e visceral de pavor.
O roteiro do filme também é muito bem escrito e arquitetado. A trama vai gradualmente levando os espectadores de um estado de curiosidade para um estado de desconforto que é maximilizado pela direção. Cada cena foi meticulosamente projetada pelo diretor para transmitir uma série de emoções, desde a compaixão pela menina até a inquietação profunda frente ao desconhecido. O filme, que em sua essência é a transformação da inocente Regan em uma marionete do mal, se tornou icônico justamente por apostar em uma trama que trabalha o horror de maneira intimista.
É impressionante como esse filme não ficou datado. Mesmo após 50 anos de seu lançamento, a narrativa permanece atual e grande parte disso se deve à trama. A exploração das complexidades humanas permite que o filme transcenda o gênero do terror. As dúvidas existenciais dos personagens, a luta entre a fé e a dúvida, a vulnerabilidade frente o inexplicável – tudo isso adiciona camadas de profundidade que ressoam muito além das cenas aterrorizantes.
O desenvolvimento do padre Karras, por exemplo, trabalha profundamente essa dualidade dos indivíduos na relação que o personagem tem com sua própria fé.
As atuações também são extraordinárias e contribuem pra tornar a experiência aterrorizante. Linda Blair traz uma autenticidade tão palpável para o papel principal que nos confronta com as angústias enfrentadas por sua personagem. Essa entrega emocional, que é notória em todas as atuações do longa, proporciona uma conexão real entre o público e a história, tornando as experiências dos personagens não apenas visuais, mas também sensíveis.
O Exorcista é mais do que um filme: é uma experiência. Uma experiência que transcende os limites da tela e se instala em nossos pensamentos mais profundos. Sua influência ressoa em cada canto do gênero de terror, servindo de padrão pelo qual todos os outros filmes são julgados. Mesmo após décadas, ele mantém um domínio sobre nossos sentimentos, mantendo-se como o inquestionável e atemporal rei do terror cinematográfico.
Acredito que o cinema seja uma forma de eternizar visões de mundo, e as notícias recentes apenas me certificaram disso. Infelizmente, o lendário diretor do clássico faleceu nesse ano, há pouco mais de dois meses, mas sua obra foi tão impactante que se tornou um marco na cultura cinematográfica.
Com uma mistura de realismo visceral e horror psicológico, Friedkin nos fez confrontar o inexplicável, o sobrenatural, e os recantos mais profundos de nossa psique. Cada cena cuidadosamente criada nos prendeu em uma trama de medo, compaixão e reflexão, nos fazendo questionar nossas próprias crenças e limites.
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