Você está visualizando atualmente A luta frenética pelo nosso próprio tempo

A luta frenética pelo nosso próprio tempo

Quando 20 e poucos estudantes resolvem se juntar para uma maratona de sessões de cinema no final do período

Todos os dias quando acordava, não sabia mais o tempo que passou. Dos dias 19 a 24 de agosto de 2024, um feito inédito do CineCom fez com que mergulhássemos de cabeça num outro espaço-tempo: um em que o pular de sessão em sessão durante um fim de período pós-greve, pra lá de corrido e atípico, era possível. 

Aliás, correria parece ser a palavra que definiu o semestre de todo mundo, talvez até as nossas vidas. Estamos sempre correndo para dar conta de algo, e nesse período, o CineCom sentiu que precisava correr atrás do prejuízo com as sessões que não conseguiu realizar. Ironicamente, a mostra que fizemos justamente para propor essa flexibilidade e desaceleração fez com que entrássemos numa speed run pra conseguir entregar tudo.

Mas também fomos atravessados pela mensagem que queríamos passar. No final das contas, nem tudo foi perfeito, mas no nosso próprio tempo, com o que as circunstâncias permitiram, fizemos as cinco sessões, atraímos centenas de pessoas para auditórios e o gramado. Conseguimos fazer o que mais amamos: proporcionar a experiência coletiva do cinema e o acolhimento de, por algumas horas, fazer parte daquele universo e deixar os problemas de lado.

Sessão de Dia dos Namorados, de Halloween, uma mais política, uma de super-heróis, um clássico dos anos 80 e uma comédia musical de 2012 no mesmo combo? No tempo do CineCom, isso é possível: momentos são mais fortes do que datas simbólicas por aqui! 

O primeiro dia foi uma experiência intimista. Palm Springs ( 2022) foi nossa menor adesão, e nem por isso deixou de ser especial. Muito pelo contrário, a sensação foi de ter se juntado com seus amigos para alugar uma sala de cinema; e agora, desde que acabou, a sensação é de que vivemos algo secreto naquele dia 19 no auditório da Florestal, uma side quest do CineCom. Nada como uma segunda-feira de fim de semestre para te lembrar dos seus bloqueios emocionais e se esbaldar com o humor de Andy Samberg.

Coraline (2009) talvez seja minha memória favorita. Mesmo numa terça, o auditório da Biblioteca Central se encheu de apaixonados pelo filme buscando viver aquela nostalgia e diversos fãs em potencial, que esperavam ansiosamente para fazer parte do clube dos traumatizados pela Bela Dama (a mulher dos botões). Mesmo com perrengues, quando o filme começou e eu pude assisti-lo do lado de meu amigo de infância, não parecia mais que eu fazia parte da organização daquilo. De repente, eu tinha 7 anos de novo, me encantando com a magia da obra, dessa vez com um outro olhar.

É louco como eu realmente senti que todos viajamos juntos! Ao final do filme, quando acendi as luzes, vi por todo canto o rosto das pessoas, se esticando e tendo aquele choque de realidade dos afazeres do próximo dia; mas, assim como eu, bem mais relaxados.

Diários de Motocicleta (2004) foi a sessão para se sentir latino-americano. Nossa única exibição diurna e noturna foi uma colaboração com o cineclube Carcará, coletivo com mais de 50 anos de história de resistência do qual temos orgulho de ser parceiros. Tanto às 14h30 como às 18h30, ver uma história ‘coming of age’ de simplesmente Ernesto ‘Che’ Guevara foi reconfortante e um alerta: uma jornada de politização, de orgulho e defesa das raízes latinas, pode acontecer no final da faculdade, quando você resolve fazer uma viagem pelo continente com seu melhor amigo. O mesclar de paisagens lindas, gafes engraçadas e conexão humana faz o espectador imergir na jornada de Che. Nada é empurrado goela abaixo, entramos no fluxo de Ernesto e o vemos emergir Che Guevara.

Na quinta, foi dia de relembrar a delícia das sessões com crianças. Para nossa exibição de Homem Aranha no Aranhaverso (2018), pais, avós e suas crianças, bem como estudantes apaixonadas pelo ‘miranha’ encheram o auditório da Biblioteca Central mais uma vez. Essa foi mais uma exibição em que a experiência total da sessão brilhou: desde a playlist repleta de hip-hop – menção honrosa para todos cantando Not Like Us do Kendrick Lamar – até os suspiros quando a reviravolta na história vem.

Por: Ana Paula Faria

Aliás, com as sessões de terça e quinta, demos check em dois dos filmes mais pedidos pelos cinemigos: filme do Homem-Aranha e Coraline. No nosso próprio tempo, pudemos nos reconectar com nosso público após a greve fazendo aquele famoso fan service. Continuem pedindo seus favoritos, valorizamos a opinião de vocês mais do que imaginam!

Voltemos para a programação da mostra. Na sexta, foi dia de um clássico, que vale a pena ver de novo. Exibimos Clube dos Cinco (1985) pela segunda vez no Gramado das 4 Pilastras, e a atmosfera oitentista tomou conta. É definitivamente uma obra dos anos 80, o que serve tanto como elogio como crítica, mas o trunfo do filme é também o que, de muitas formas, define a vivência universitária e a do CineCom: se abrir para pessoas completamente diferentes de você e descobrir que vocês não são tão diferentes assim, e que, talvez, algo diferente seja bom; amizades ‘complementos’ e não ‘espelhos’.

Por fim, o gran finale, com direito a pipoca, refri e suco de pózinho a là r.u. A Escolha Perfeita, outro filme extremamente de seu tempo, nos transportou de volta para 2012, quando David Guetta tomava conta da trilha sonora de todos e protagonistas sarcásticas eram nossas it girls. Musicais e CineCom simplesmente combinam, não tem como negar, seja você fã do gênero ou não.

A primeira vez que assisti o filme, era uma criança que fantasiava a vida universitária a partir de tudo que Becca e as Barden Bellas viviam. Quando adulta no dia 24 de agosto de 2024, pude olhar para trás e rir de todas aquelas expectativas, bem como viver um pouco daquele sentimento de novo. Duas perspectivas um pouco contraditórias, mas como explicar que ao mesmo tempo que me imaginei trabalhando numa rádio universitária super descolada, também imaginei uns MTG tocando na festa universitária ao invés de Keep Your Head Up? A experiência do cinema do CineCom é múltipla e difícil de colocar em palavras, ainda que a intenção desta categoria de textos seja exatamente essa. Às vezes, é melhor se agarrar à emoção, porque racionalizar não captura a totalidade daquele momento.

Por: Ana Paula Faria

Ao fim da mostra, uma certeza ficou. Essa experiência de assistir filmes num telão nas 4 Pilastras é algo muito rico que, felizmente, temos acesso na UFV, algo que muitos não têm. E todo esforço é recompensado pelos olhares de curiosidade e conforto dos cinemigos que marcam presença e nos lembram que nenhuma correria de bastidores tira a magia do momento em que aplaudimos o final do Tomada 1, um silêncio de instaura e o filme começa.

Basicamente, a ansiedade não vai te matar, mensagem importante para todos que passaram por tempos corridos no final de agosto. Nenhum trabalho vale nossa paz de espírito, então espero que o CineCom continue sendo, assim como foi dos dias 19 a 24, esse momento de conforto, desaceleração e lazer. De fato, Temos Nosso Próprio Tempo, como tudo deve ser.

Abraço especial ao clube seleto que pode estar presente em todas as sessões. Mas se você só pode ir em uma ou duas, obrigada de qualquer forma por compartilhar esse momento com a gente. Nos vemos na próxima.

Este texto foi escrito enquanto a autora ouvia:

Friday I’m in Love – Phoebe Bridgers Cover

Exploration – Trilha Sonora Coraline

Flor de Lis – Djavan

Don’t you (Forget About Me) – Barden Bellas

Como tudo deve ser – Charlie Brown Júnior

Leia também:

A ansiedade não vai te matar hoje

Qual o caminho para Terra do Nunca?

Benzinho recepcionou os calouros UFV 2023

Comentários

Autor