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Abandono e Solidão na Estrada

A memória e o afeto são duas das coisas mais fascinantes sobre o ser humano, mas também o seu mártir.

O Ser Humano é uma máquina movida pelos seus afetos. De maneira quase que instintiva se aproxima, cria vínculos e relações com outros seres para garantir a própria sobrevivência e a satisfação de suas necessidades. Dessa forma, as relações interpessoais são sustentadas pelas carências de vontades que o ser humano sente. Ele quer se sentir acolhido e pertencente à esfera social na qual está inserido. Contudo, quando esses afetos se rompem por algum motivo, provoca no ser humano um sentimento de abandono e solidão. A sensação de pertencimento se vai. Esses sentimentos são amplamente explorados no filme “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo” de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes, em uma viagem intimista e dilacerante tanto para o personagem e quanto para o espectador.

Em uma viagem a trabalho para estudar uma região remota do Nordeste, um geologista tem que lidar com a ruptura traumática recente de um namoro e as consequências desse acontecimento e do isolamento provocado pela viagem, a constante sensação de abandono e solidão. Em outro contexto, o veículo poderia ser interpretado como símbolo da possibilidade de progresso e a estrada como a situação exterior. Nesse caso, a paisagem desolada da região ambienta perfeitamente a situação do personagem, mas o veículo não é símbolo de progresso, uma vez que ele encontra-se preso em suas lembranças. Ele busca na ressonância dos acontecimentos uma forma de estar sempre ligado ao seu passado, vive mergulhado nas memórias e nas lembranças para não encarar a dor diretamente. 

Dessa forma, a estrutura do filme se constrói assumindo uma dinâmica subjetiva entre fantasia, memória e realidade. A narrativa contada do ponto de vista do personagem através de fotos, cenas em primeira pessoa, flashbacks e cortes que seguem uma linha de pensamento subjetiva e a voz onipresente do personagem transformam o filme em uma colagem de memórias e observações. A voz onipresente torna-se uma narração ao mesmo tempo que é um lamento fúnebre do que agora só vive nas lembranças. Um lamento tremendamente evocativo que exala dor e desgosto. “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo” é algo mais do que um filme, é poesia filmada e declamada com imagens, é um registro de como os afetos e as lembranças conversam entre si e como o isolamento os torna mártires do ser humano . É uma das obras mais belas já gravadas em solo brasileiro e um motivo para se orgulhar do cinema nacional.

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