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As séries de heróis, o homem negro e um lugar de esteriótipos

Afinal de conta não queremos só representatividade e sim uma representatividade que não reproduza e contribua na construção de esteriótipos.

 

É inegável o quanto fizemos avanço em relação aos direitos humanos e a representação das minorias em nossa sociedade. As conquistas dos movimentos feminista, do movimento negro, do movimento LGBTQ+, entre outros, realizaram mudanças constante em nossa sociedade: como o direito ao voto das mulheres, as ações afirmativas para negros, índios e pessoas de baixa renda, o casamento entre pessoas do mesmo gênero e afins. De modo que é possível ver essa mudança impactar os mais diversos meios da nossa sociedade, o que inclui a mídia como um todo.

Já na mídia é possível ver que o gênero de super-heróis está cada vez mais presente nas produções audiovisuais. Seja na TV ou nas telonas do cinema é possível ver o enorme sucesso que essas produções fazem com o público – o que é possível notar pela presença de 5 filmes em 10 nas maiores bilheterias de todos os tempos. O que indica a força cultural e a presença que esses filmes tem no dia-a-dia das pessoas.

Essas produções são extremamente numerosas, só a Saga do Infinito da Marvel Studios tem 23 filmes lançados, mas ao mesmo tempo extremamente excludentes: até hoje tivemos uma protagonista mulher e um protagonista negro – e olha só, nenhuma protagonista mulher negra. E na TV o problema é um pouco maior, uma vez que apesar de poucos há um recorrente uso de estereótipos que falam sobre o lugar do homem negro, tanto na mídia quanto na sociedade. 

Por isso um grande problema, a medida que não necessariamente a mídia está acompanhando essas discussões e às vezes até as colocam em pauta, mas não com o cuidado e a atenção que é necessária. Uma vez que pras minorias é preciso muito mais capricho na hora de se abordar um assunto e de expressar suas vivências.

Como é dito por Woodward, uma importante doutora americana em assuntos sociais e literatura, a mídia tem um importante papel de levar representações distintas e construir narrativas diversas uma vez que elas levam e constrói identidades, que independente de serem verdades ou não, irão ser tomadas como verdade – mesmo em obras ficcionais como as que serão explicitadas a seguir. Além disso é importante ressaltar que para comunidades que são marginalizadas as poucas manifestações delas na mídia são muito importantes, uma vez que pelo pequeno número de representação que as minorias têm nesses espaços muitos, a imagem reproduzidas sobre essas minorias serão tomadas como algo comum. 

O que acontece justamente pelo menor número de representação, quando algo reforça o lado negativo  de um membro de um grupo social oprimido aquela imagem é tomada como verdade e algo comum, como dizem Stam e Shohat, ou seja, para uma minoria toda manifestação de algum membro de tal gruto é tomada como uma realidade, ainda mais se for algo de aspecto maléfico – independente de ser ficção ou não.

Mas então onde entra o homem negro e as produções midiáticas de heróis? Bem, se formos comparar o universo heróico da TV temos dois grupos que já estão mais estabelecidos – um já até foi finalizado precocemente – e que abarcam um bom público. As séries de herói da CW, canal estadunidense, e os personagens frutos da parceria findada Marvel/Netflix. Com isso conseguimos observar a aparição de dois personagens específicos: Raio Negro, personagem da DC comics e adaptado pela CW,  e Luke Cage, personagem da Marvel e trazido às telas pela Netflix.

Não irei entrar em especificidades de cada série, pois vou contar que você já tenha um pequeno conhecimento básico sobre cada uma, mas irei contar o básico de cada uma para refrescar as memórias e ambientar aqueles que por ventura não conhecem muito bem os protagonistas aqui citados.

Pequena Sinopse: Com saída diretamente em streaming via Netflix a história, de Luke Cage, retrata, em sua primeira temporada, a história de um homem que sofre nas mãos de um experimento na cadeia que lhe concede superforça e invulnerabilidade e precisa resolver isso aliado ao contexto da onda de crimes que está se desenrolando no Harlem em Nova Iorque.

Raio Negro tem como foco principal a jornada de Jefferson Pierce, o herói aposentado a qual sua alcunha é o nome do seriado, se vê forçado a voltar a ativa quando uma gangue, denominada Os 100, faz com que aumente o crime e a corrupção na comunidade onde ele e sua família vivem.

Já aí é possível notar um padrão. Enquanto heróis masculinos e brancos em sua parte são homens da ciência, como o Flash, milionários e herdeiros, como Punho de Ferro e Arqueiro Verde, até simples advogados, como Matt Murdock de  Demolidor. Com esses exemplos é notável o quanto o negro é sempre colocado em um lugar estereotipado, cercado de violência, criminalidade e pobreza. Dificilmente é posto como alguém de fato instruído ou que fuja dessa lógica. Mesmo Raio Negro, que é visto como alguém que foge dessa lógica do negro periférico e criminoso é altamente ligado a mesma criminalidade quando se tem como vilões uma gangue criminosa envolvida com o tráfico de drogas que são intimamente ligados ao personagem, uma vez que aquele é um problema da comunidade onde ele vive e cresceu.

E o problema não está em retratar esses cenários, uma vez que eles podem, muitas vezes, corresponder a uma parcela da realidade, mas o problema está na forma como essas narrativas são, muitas vezes, as únicas a serem levadas para a mídia o que acaba por reduzir a representação de pessoas negras nesses espaços, sendo que elas mal são vistas nesses lugares. O que acaba por reforçar uma imagem de que só essas representações são reais e que não há uma multiplicidade de vivências envolvendo pessoas negras. 

Por isso que Pantera Negra, filme da Marvel com primeiro protagonista negro, foi e ainda é tão importante. Justamente por tirar o negro de um papel inferior e marginalizado e o colocar em um lugar que quase não nos é dado. O filme tem um cuidado ao demonstrar a cultura negra e africana, buscando retratar e adaptar hábitos culturais que vão desde a estética, vestimenta, arquitetura de Wakanda e até ao modo como eles enxergam e se portam no mundo. Vale ressaltar que durante o filme todos os personagens são bem diferentes, tanto no quesito personalidade quanto na forma de pensar e agir, o que dita uma maior pluralidade do “ser negro” . Além disso, T’Challa, o personagem principal, foge do estereótipo do homem negro que só serve por causa de sua força e músculos – apesar de ser muito bom de briga, afinal é um filme de super-herói – e não tem medo e nem vergonha de pedir ajudar aos outros e nem de admitir que estava errado. (Sem contar também que as personagens mulheres do filme são incríveis, mas isso é assunto para outro texto)

 O mundo e as pessoas, principalmente as negras, precisam de mais personagens como T’Challa. 

Cena pós-crédito:

Bom, antes de deixar a bibliografia que foi usada como base para analisar as duas séries é preciso dizer que foi pega apenas primeira temporada de cada série e em como eles são apresentados, o mesmo com os demais personagens citados. 

 

 

SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia?. São Paulo: Loyola, 2002. 

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA,Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais, p. 7-72. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

Shohat, Ella, and Robert Stam. “Estereótipo, realismo e luta por representação.” SHOHAT, Ella; STAM, Robert. Crítica da imagem eurocêntrica: multiculturalismo e representação. Trad. Marcos Soares. São Paulo: Cosacnaify (2006): 261-312.

HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Editora UFMG, 2006.

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