“O Som é o primeiro sentido que começa a funcionar”
Uma das sensações mais prazerosas oferecidas pelo cinema é quando você assiste um filme e os cenários e a direção estão tão bem alinhados com a parte sonora que você se sente completamente imerso dentro da narrativa. No entanto, às vezes acabamos sendo alheios a esses efeitos e tendemos a achar que estamos apenas escutando os sons naturais. Será então que você conhece o departamento e os profissionais responsáveis por criar essa textura sônica capaz de nos levar para dentro das telinhas? Vem com o Cinecom para ficar um pouco mais por dentro do universo do som no cinema!
Antes de tudo, é necessário pontuar que desde o nascimento do cinema era pretendido que as imagens estivessem acompanhadas dos sons, o que não acontecia apenas por limitações técnicas. Quando os filmes eram mudos, existiam profissionais que se empenhavam em estar presentes nas sessões apenas para reproduzir os efeitos sonoros ao vivo. Para conseguir criar e dar vida aos diálogos, tinham pessoas falando atrás das telas de exibição. Alguns filmes contavam com a presença de orquestras para tocar a trilha durante a projeção.
Foi só em 1927 e a partir do desenvolvimento tecnológico dos equipamentos de captação fonográfica que foi possível o primeiro filme falado: “Cantor de Jazz”. Desse momento em diante, foram se estreitando os laços entre imagem e som na concepção da indústria cinematográfica. Célebres diretores, como Hitchcock, Francis Coppola, George Lucas e David Lynch entenderam a verdadeira importância da parte sonora e, por isso, deram total atenção e liberdade às suas respectivas equipes de som.
Entre os técnicos de som mais importantes da história do cinema, podemos citar Murray Spivack (King Kong), Walter Murch (Apocalypse Now), Jim Webb, Ben Burret (Star Wars), Gary Rydstrom (Jurassic Park e O Resgate do Soldado Ryan) e Alan Splet (Eraserhead).
O departamento de som de um filme é responsável por criar uma experiência mais imersiva para o público através da criação de um universo sônico capaz de interpretar e expressar cada cena do filme. Pense nele como uma orquestra na qual temos as cordas, os metais e a percussão, cada uma com a sua respectiva função, trabalhando em prol de uma sinfonia. O departamento de som é uma orquestra dividida na parte da voz, na parte dos efeitos sonoros e na parte da música, e todas elas caminham juntas na mesma direção: evocar som e significado ao filme através dele.
Existem diversos cargos diferentes dentro da equipe, mas aqui abordaremos especificamente o Técnico de Som Direto. Ele é o responsável pela captura dos diálogos e sons ambientes durante a filmagem e pela mixagem e manutenção dos níveis adequados para a gravação de cada sinal captado. Geralmente, esse profissional responde pelos equipamentos de gravação e por todos os outros membros do departamento.
Na etapa de pré-produção, o profissional deve realizar reuniões com a produção para a seleção do equipamento humano e técnico, além de entender a complexidade do plano de filmagem. Assim, deve tomar decisões técnicas a serem colocadas em prática no set. Em coordenação com o departamento de figurino, escolhe as melhores maneiras de esconder as lapelas nos atores, de forma a evitar ruídos e aparecimentos em quadro.
A leitura do roteiro é essencial para, juntamente com o diretor, participar da proposta de e trazer as possibilidades sonoras para a narrativa do filme. A partir disso, faz-se divisão do roteiro em cenas, sequências e planos numerados, para facilitar a gravação e incluem-se observações quanto ao espectro sonoro. Em conjunto com a sua equipe, o técnico de som direto deve testar e eleger os equipamentos e estabelecer uma metodologia de trabalho e organização. Em geral, deve-se conhecer todo o equipamento com o qual irá trabalhar para seu melhor aproveitamento.
Para se tornar um profissional dessa área, os caminhos são diversos – não há uma linearidade específica. Pode-se tanto optar pelo curso específico de Cinema, como a brasileira Tide Borges; quanto por outros cursos que mexam com equipamentos de som, como fez Romeu Quinto, que cursou Comunicação, e Zezé D’Alice, que cursou Audiovisual. Esses cursos são oferecidos em diversas universidades do Brasil, tanto públicas quanto particulares.
Segundo pesquisa do site salario.com, um técnico de som que trabalha com cinema no Brasil ganha uma média de R$ 2.589,19 para uma jornada de trabalho semanal de 40 horas. A faixa salarial pendula entre R$ 1.650,00 com teto em R$ 6.455,59, levando em conta profissionais em regime CLT de todo o Brasil. Recentemente houve uma queda na evolução salarial, mas os gráficos apontam para uma estabilização da remuneração. A maior demanda por esse profissional está nas cidades de São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro. A carreira pode ser difícil no começo e apresentar diversos percalços, mas os profissionais geralmente são felizes com aquilo que fazem.
Dentro alguns dos mais célebres técnicos de som do cinema nacional podemos citar Wálter Goulart, pioneiro da captação de som direto. Participou do filme O dragão da maldade contra o santo guerreiro (Glauber Rocha, 1969), Pindorama (Arnaldo Jabor, 1971), Dona Flor e seus dois maridos (Bruno Barreto, 1976), dentre muitos outros. O refinamento auditivo promovido pelos estúdios de dublagem nos quais trabalhou permitiu que ele fizesse com que os microfones soassem bem sem a necessidade de levá-los para o estúdio. Segundo o próprio Goulart, ele via o filme como um grande musical, o que reforça a ideia de pensar na equipe de som como uma grande orquestra e no técnico de som direto como o grande maestro. Ele tem papel fundamental na construção do universo sonoro da obra, podendo influenciar na dramaturgia do filme e dar forma sonora a determinada realidade.