Será o fim do cinema nacional como conhecemos? Ancine enfrenta um grande impasse que coloca em risco a produção nacional
O Brasil vem enfrentando um cenário de grande conflito no mercado cinematográfico. Os problemas vão muito além de fatores tecnológicos, mas partem principalmente de um confronto político-institucional. A grande questão é que no último mês o TCU (Tribunal de Contas da União), passou a exigir que a Ancine (Agência Nacional de Cinema) interrompesse todo o repasse dado ao FSA (Fundo Setorial do Audiovisual) devido a irregularidades na prestação de contas do órgão. A Ancine existe há 18 anos e tem como objetivo fomentar, fiscalizar e regular todo o setor de produção audiovisual do país. O seu diretor-presidente, Christian de Castro Oliveira, afirma que em 2001, foram lançados 30 filmes nacionais; já em 2018, o número de produções saltou para 171 filmes. Para ele, esse crescimento no audiovisual está ligado ao aumento de políticas de fomento adquiridas ao longo dos anos. Mas agora todo esse investimento está congelado e não sabemos o que esperar do futuro do audiovisual.
Mas, infelizmente, o corte da Ancine foi apenas mais um em meio a vários. Recentemente, a Petrobras cancelou o patrocínio de mais de 10 iniciativas culturais que eram historicamente apoiadas pela estatal. Entre essas iniciativas está o Festival de Brasília (o mais antigo festival de cinema do Brasil), a Mostra de Cinema de São Paulo e a Sessão Vitrine, que é um projeto que distribuía filmes independentes brasileiros nas salas de cinema do país. Outra questão em pauta é o Ministério da Cidadania que recentemente publicou que haverá mudanças na Lei de Incentivo à Cultura. O valor máximo para qualquer projeto passou de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão.
Cresci ouvindo as pessoas falarem que o cinema brasileiro não era bom o bastante, ou que não tinha futuro, o famoso “Complexo de Vira-Lata”. Mas bastou conhecer o mínimo para perceber o quanto este cinema é vasto, rico e pode crescer de forma plural. Há pouco tempo, passei a ver as produções brasileiras sob uma nova perspectiva, pautando a diversificação, os formatos, gêneros e as tramas. E ficou muito mais evidente a necessidade da valorização desse ramo que cresce e ainda pode crescer muito mais. Somos acostumados a achar que o que vem de fora é melhor, e isso não seria diferente no cinema. Parece até utópico enchermos nossas salas de cinema, estantes, bibliotecas, galerias e paredes de produtos produzidos por pessoas do nosso país. Sei que não dá para comparar o que temos com as grandes produções norte-americanas, que estão muito mais presentes no nosso dia-a-dia. Mas é assim que a hegemonia cultural acaba sendo firmada de forma sorrateira.
O consumo cultural não é uma escolha direta do povo, eu sei que a maioria dessas pessoas não tem noção da dimensão de produção do nosso país. Até pouco tempo atrás, eu não tinha. Se observarmos bem a trajetória do cinema brasileiro, podemos ver que ele se construiu de maneira difícil, desajeitada e no improviso, mas hoje merece um espaço de prestígio. Não quero apontar produções melhores ou piores, mas apenas mostrar que o que já temos hoje em dia é digno de valorização e merece muito mais reconhecimento – principalmente por nós brasileiros. A indústria cinematográfica brasileira já carrega um estigma de que maior parte das suas produções se baseiam em comédias tediosas, distribuídas pela Globo Filmes. De certa forma é o esperado, já que na maioria das vezes que vamos ao cinema, isso é o máximo que podemos encontrar em cartaz de cinema nacional. De fato, essa oligarquia de filmes populares existe, pois atrai o grande público e gera muito lucro. Mas o cinema brasileiro – embora pouco explorado – vai muito além disso. E sim, existem obras geniais e com narrativas únicas dentro desse cenário.
A produção cultural é essencial para a construção de massa crítica. Essas medidas atacam diretamente a cultura do país, desde a dificuldade para produção à diminuição da recepção por parte do público e a desvalorização das obras, que enfraquece todo o setor artístico. Agora, o esforço partirá exclusivamente de quem produz e executa: cineastas, atores, produtores. Para que o cinema sobreviva, o esforço de todas as partes será essencial para que a indústria gire. Atualmente, o cinema e o audiovisual são pontos importantes para a formação cultural, social e histórica do país. Essa indústria também influencia de forma direta na questão econômica, pois é uma grande geradora de empregos e renda, com capacidade exponencial de crescimento, e equivale a cerca de 0,46% do PIB brasileiro. Essa crise no cinema nacional nos atinge de forma negativa não apenas em questões culturais e de identidade, mas também na geração de renda e emprego da população.
Portanto, temos vários pontos importantes em risco. O trabalho agora vai muito além da valorização. Há a necessidade de novas lutas para que possamos adquirir novos espaços e conquistas. Hoje em dia, as produções brasileiras são aclamadas em festivais internacionais e acabar com isso interfere diretamente na nossa construção histórica-cultural. Quem escolheu isso não foi o povo, não escolheríamos o sucateamento da nossa própria cultura. A certeza que podemos ter é que o Brasil já é um país com uma riqueza cultural incalculável e, por isso, não podemos perder o que já temos. Embora a produção de conteúdo audiovisual seja inviável nesse momento, é preciso pensar em novas maneiras de reduzir esses danos. Não será uma tarefa fácil, mas é de extrema importância para o nosso país.
Confira agora o filme lançado na última terça-feira (30), por produtores independentes brasileiros mostrando a importância cultural, econômica e social de cinema e audiovisual do país: