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Crítica | Barbie

Entre o marketing pesado e discussões acaloradas, é praticamente impossível não ter sido engolido pela onda rosa que alcançou não apenas lojas de roupa, como também lanchonetes e, se bobear, até farmácias no último mês…

…Tudo isso por causa, apenas, do filme da boneca mais famosa do mundo: Barbie(2023), dirigido por Greta Gerwig (Lady Bird, Frances Ha).

Aconteceu do nada. Um dia, o filme estava lá, com expectativas meio tímidas e temerosas (afinal, como contar uma BOA história quando o tema oferece tantas possibilidades?) e, no outro, fotos de Margot Robbie e Ryan Gosling em trajes escandalosos andando de patins em Los Angeles durante as gravações do longa estavam circulando obsessivamente no Twitter. Daí para frente, as expectativas só foram aumentando – até a semana de estreia de um dos maiores, se não o maior lançamento audiovisual de 2023. Ah, Oppenheimer, do Christopher Nolan, também estreou na mesmíssima data: 19 de julho. Mas isso é conversa para outro texto.

Nasce uma boa história, e ela é toda cor-de-rosa

Reprodução: Barbie (2023)

A premissa de Barbie é tranquila, sem grandes pretensões: A jovem Barbie (papel brilhante e acertado de Margot Robbie) vive no mundo perfeito das bonecas, chamado Barbielândia, onde todo dia é incrível. No entanto, quando ela entra em uma crise existencial, acaba perdendo, aos poucos, as características que a fazem “perfeita” (aliás, ela ganha CELULITE!). Agora, em busca de voltar tudo ao normal, a boneca precisará optar por viver uma aventura no mundo real dos humanos, onde aprenderá uma importante lição sobre a vida e o que realmente importa.

Para começar, a Barbielândia não é apenas perfeita: ela é uma reunião de todos os elementos dignos de encher os olhos relacionados ao universo real da Barbie da infância, seja na casa dos sonhos, nos figurinos, nas milhares de versões de barbies com as quais muita gente brincou. O cenário rosa, brilhante, imaculado e pensado em tantos detalhes já era meio caminho andado para o longa ser impressionante e conquistar o público pela nostalgia, mas esse é só um dos pontos positivos.

Afinal, muito além da estética, o desenvolvimento da trama é cheio de atenção aos detalhes. A Barbie Protagonista, interpretada por Margot, vive num mundo onde todos os papéis são desempenhados por outras Barbies: de presidente a operadora de máquina, são elas que fazem tudo, se organizam e vivem dias tranquilíssimos. E aí tem o Ken.

Eles, de fato, são apenas o Ken no filme, todos eles. Mas, em especial, o personagem de Ryan Gosling: o genérico Ken Praia. Na vida real, esse boneco nunca foi o grande foco de ninguém – ele é quase um acessório cujas coleções se resumem a praia, shopping e nada de muito interessante. O personagem de Gosling sabe disso e gasta seus dias nutrindo muito mais do que uma paixão, mas uma necessidade de existir e exercer sua função de “par da Barbie”, tudo que ele parece saber e querer fazer.

Reprodução: Barbie (2023)

Obrigada, Barbie! Mas eu ainda sou uma assalariada frustrada.

As coisas começam a dar errado – o estopim para os acontecimentos do filme – quando, um dia, a Barbie Genérica se questiona sobre a finitude da vida. A partir daí, tudo que dava certo (até mesmo as torradas perfeitas) vão caindo por terra. Pés chatos, celulite…a boneca ganha trejeitos de humana e precisa ir atrás da socialmente exilada Barbie Estranha, uma espécie de sábia anciã do reino plástico para descobrir o que fazer. Assim, ela cai no mundo real em busca de sua dona, com quem teria uma relação única que, quando desequilibrada, poderia ser uma das causas de sua ruína física e mental. E é lógico: Ken vai com ela e, se isso parecia apenas um alívio cômico no início, é aí que o resto dá errado.

Um dos grandes choques com o que o filme brinca é que a Barbie descobre que, no mundo real, ser o que você quiser é um pouco mais complicado. Para as pessoas mais novas, não tem muita graça ela ser uma boneca perfeita, vitrine de padrões estéticos inalcançáveis, que fala, do topo de sua perfeição, que meninas podem sim sonhar em serem astronautas, pilotas e afins. Ela se encontra com sua dona, Gloria (a brilhante America Ferrera), e percebe que, na verdade, a realidade é um pouco mais cruel com as mulheres – seja qual for a função delas.

Em compensação, quem tem um insight positivo é o Ken, que descobre o patriarcado – ou quase isso. O que ele percebe é que, na Terra, os homens podem ser um pouquinho “apenas o Ken” e se darem bem com isso. Ah, e os cavalos. Quando ele liga o tico e o teco, abandona Barbie na primeira oportunidade e volta para a Barbielândia com uma revolta em mente.

A piada vem dos dois lados, mas de fato, há crítica

Um pequeno tumulto se formou nas redes sociais após a estreia do longa. Aparentemente, algumas pessoas estavam falando sério manifestando indignação com Barbie ser um filme “anti-homem”, seja lá o que isso significar. A verdade é que Gerwig apenas pediu para a primeira mulher que passou na rua para relatar um date ruim – e voix lá: personalidade do Ken #385 pós-revolta do patriarcado formada. O filme se diverte e alfineta toda uma cultura que nada mais é do que real. Desde a normalização do assédio na forma de piada, ao ignorar da presença de mulheres em cargo superior e até mesmo ao bro-code, vulgo brotheragem, que faz tantos homens se unirem em prol alimentar o ego uns dos outros enquanto atestam virilidade pelas coisas mais simples.

Isso não é tudo, porém. Existe sinceridade nesse discurso de Greta, mas o filme não se pinta somente neste propósito, sendo um ensaio sobre outras coisas: afinal, o mundo do início de Barbie é preso numa sociedade que teme virar fora do “normal” (a barbie estranha, por exemplo) e, bem; vive numa realidade na qual as mulheres girlboss são o que quiserem ser, basta acreditar – o que a personagem de Margot descobre não ser bem verdade na vida real. Com pinceladas de realidade, fica o recado para pensar sobre o discurso de empoderamento que não faz recortes – mas aí já é um debate que fica pro planeta Terra. Na Barbielândia, tudo acaba bem. Ainda bem.

Inclusive, um ponto para Greta por trabalhar tão bem a representatividade das personagens. Existem milhares de Barbies de aparências diferentes – e todas estão ali no filme, sendo muito mais do que reduzidas ao fato de como são fisicamente. Ela é Barbie, e a outra também, a outra também…

Imagem: Reprodução

Um convite à reflexão

Greta Gerwig é profissional em pensar experiências do universo feminino de forma sensível e traduzi-las para as telonas passeando entre a leveza e a brutalidade das emoções. Em Barbie, não é diferente. Ela captura as mais variadas frustrações de mais de uma geração de mulheres, sobre expectativas amorosas, profissionais e, acima de tudo, psicológicas: onde é o lugar das mulheres no mundo? O que mães tem a passar para suas filhas e vice-versa numa realidade onde algumas coisas, apesar de explicadas, serão sentidas de formas tão diferentes? A diretora responde a tais questionamentos de forma primorosa, mas o grande trunfo de Gerwig é outro: ele propõe a quem assistiu tentar responder a essas e outras questões de forma individual – ouvindo o coração e olhando ao redor.

Com uma trilha sonora extremamente acertada, cheia de hits-chiclete (e o magnífico solo de Ryan Gosling, “I’m Just Ken” e, aliás, o papel de Gosling é sensacional e divertido), Barbie é um longa que se diverte ao longo da execução: ora com si mesmo, com piadinhas e metalinguagem, ora trazendo muitas referências a memes e humor gen Z  que o público pode amar ou odiar, porém, acima de tudo: não se esquecer de usar rosa quando assistir.

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