A forma sútil – ou não – que a pressão estética molda nossa vida e relacionamentos
Um filme com adolescentes em uma cidade do interior, disputando um concurso, tem tudo para ser um clichê, certo? Daqueles onde a protagonista busca incessantemente caminhos para ser aprovada e alcançar a tão desejada ‘’perfeição’’ imposta pela sociedade. Bem, Dumplin, longa de 2017 com direção de Anne Fletcher, passa longe de tudo isso.
Willowdean Dickson (Danielle Macdonald) é uma jovem acima do peso que apesar do bullying que sofre na escola e mesmo nas ruas, sente-se segura com seu corpo. Esse fato se deve a responsável pela sua criação, sua tia Lucy (Hilliary Begley), que desde cedo a ensinou a se aceitar e amar. O filme se inicia, inclusive, trazendo momentos das duas, com Willow ainda na infância lidando com os primeiros insultos. No momento atual em que a história se passa, porém, a garota vive o luto de ter perdido a tia há seis meses.
Um laço marcante entre Willow e Lucy é a admiração pela cantora e compositora Dolly Parton, que acaba sendo transpassada para a relação da garota com sua melhor amiga de infância, Ellen Dryver (Odeya Rush). Essa referência é de muita importância e traz uma identidade ao filme, já que é citada e relembrada ao longo de toda a narrativa. Somado a isso, nossa protagonista vive em conflito com sua mãe Rosie Dickson (Jennifer Aniston), famosa por ter sido muitas vezes coroada miss, o que compõe uma personalidade bastante preocupada com a aparência.
Não é difícil de entender o complexo dessa relação, uma ex miss que tem em seu mundo a aparência e o mundo da beleza como elemento principal, e uma adolescente fora do padrão julgada por não apresentar fisicamente o que impõem sobre, não apenas ela, mas todas as garotas do mundo. É justamente por não se sentir compreendida e acolhida pela mãe que vários conflitos e cenas de emoção entre essas personagens acontecem. E Willowdean se vê entrando em um dos concursos da mãe como uma forma de protesto e homenagem a sua falecida tia.
Mas é preciso cuidado, quem busca por ver uma vivência unicamente de uma pessoa gorda, pode se decepcionar. A gordofobia vivida por Willowdean não é o único ponto abordado, e isso fica claro quando vemos que sua melhor amiga, apesar de magra e de olhos claros, também é afetada por sua própria insegurança. E vai além, apresentando um grupo de garotas que fogem do padrão estético, mas que não deixam isso ser um empecilho que as impeçam de fazer aquilo que desejam. Dumplin mostra que, por mais que muitas vezes o sujeito se mostre extremamente confiante, em algum momento esse sentimento falhará e ele questionará seu valor, entrando em um processo de busca por se redescobrir e se reafirmar.
A história se passa no Texas, e além de músicas da já citada Dolly Parton, a trilha sonora conta ainda com um perfeito mix de músicas country, arrastando o telespectador para a energia de cidade pequena do filme. Quando Willow toma conhecimento sobre um bar secreto que sua tia costumava frequentar, vemos um dos pontos mais cativantes da narrativa. Ali, ela é abraçada e aceita do jeito que é, e é onde encontra a voz da tia através de outras pessoas, sendo esse o ponto de partida para redescobrir seu caminho em busca de sua auto suficiência. É nesse contexto onde vemos cativantes shows de drag queens, repletos de cores e um animação contagiante, talvez sendo essa a maior surpresa do longa.
O filme, esteticamente e tecnicamente, não traz grande surpresas ou qualquer inovação, mas arrisco-me a dizer que sua simplicidade é justamente o que encanta. Há uma mensagem positiva de coragem e aceitação a ser passada e que faz isso com sucesso. Não é um dos queridinhos adolescentes da Netflix, mas certamente deveria, deixando no chinelo muitos clichês que são tão exaltados pelo público.
Apesar de um leve romance pincelar na tela, esse não é em momento algum o foco único do longa, servindo apenas como um pilar para exemplificar como a insegurança pode afetar os relacionamentos não só amorosos, mas no geral. Às vezes agimos de forma tão dura com nós mesmos que somos incapazes de nos permitir ser amados. Desde o momento em que é apresentado para o público, o interesse de Bo (Luke Benward) por Willowdean fica claro, mas mesmo depois do mesmo abrir o jogo e revelar seus sentimentos, ela se questiona o porquê alguém como ele, se interessaria por ela. E só quando a garota volta a ter certeza de que não há nada de errado com seu corpo, é que consegue se envolver e corresponder, de fato, aos sentimentos de Bo.
Para quem quer deitar no sofá depois de um dia cansativo e curtir um filme agradável e positivo, Dumplin certamente cumprirá a função.