Com um caldeirão de referências e harmonia visual, Steven Spielberg entrega um filme que transforma em arte a mais simples ideia
De Volta para o Futuro, Cidadão Kane, Gigante de Ferro, O Iluminado, King King, Jurassic Park, Tron… São tantas referências que é impossível pegar todas, mas nem por isso a adaptação feita por Steven Spielberg de Jogador Nº 1 é guiado apenas por elas. Nostalgia e realidade se fundem em perfeita harmonia com a ideia simples de um futuro distópico que Zak Penn e o próprio autor do livro, Ernerst Cline, transformam em um roteiro coeso e que encanta tanto jovens quanto adultos.
Em meio ao desemprego e fome que permeia o ano de 2045, Wade Watts (Ty Sheridan) é uma das muitas pessoas que usam como escapismo o OASIS, um vasto mundo virtual criado por James Halliday (Mark Rylance) e Ogden Morrow (Simon Pegg). O ponto de partida é cinco anos após a morte de Halliday, que deixa como herança a fortuna dele e o controle desse mundo virtual àquele que encontrar um easter-egg ao final de uma caça ao tesouro. Penn e Cline adaptam a linguagem literária para a cinematográfica da melhor forma: com regras bem explicadas em uma história bem amarrada, gerada por menos desafios e subtramas; introdução rápida e dinâmica dos personagens; e referências bem colocadas que fazem sentido em um contexto maior.
Spielberg, trabalhando com Janusz Kaminski, o diretor de fotografia, cria dois mundos bem definidos. O tom acinzentado do mundo real contrasta com a explosão de cores do virtual em um clichê óbvio, mas com tantos níveis de nuances entre os dois que gera a imersão do espectador. A qualidade do CGI utilizada na construção do OASIS causa até uma inversão do estranhamento – o personagem humano parece irreal na tela após cenas tão bem feitas do seu avatar digital.
Para aqueles que não compreendem, no entanto, a importância dos videogames na vida dos jovens de hoje – ou não gostam da cultura pop referenciada no filme -, talvez fiquem entediados ou até mesmo não entendam-no mais do que sua mensagem subliminar. Isso se aplica também a todos os clichês de uma história dos anos 1980 que são referenciados no filme: vilão caricato, herói adorável, mocinha fofa, história de amor, sequências com cliffhanger e mensagem feel good. Já não é o tipo de história que o público procura ao ir ao cinema, mas isso apenas complementa a experiência de revisitação ao passado.
Há um frenesi na montagem de algumas sequências de ação, em que tudo acontece ao mesmo tempo e pouco é discernível, mas tudo isso fica em segundo plano e não toma muito tempo de tela. E, apesar de a trilha sonora de Alan Silvestri não ter sido um grande destaque, ela se preocupa em ter um encaixe equilibrado com as cenas, se tornando ela mesmo uma referência a filmes como De Volta para o Futuro – do próprio Silvestri – e O Iluminado.
Há momentos sutis de críticas sobre quem somos, sobre a sociedade conectada que se desliga da realidade, até mesmo o vilão Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn em mais um papel que já ficou recorrente para ele) é uma clara referência às grandes empresas que tentam o monopólio do nosso ciclo infinito de consumo. Os eventos no mundo real vão ganhando importância aos poucos, como se os personagens fossem despertando para suas realidades. Jogador Nº 1 é um filme que, além da diversão, traz também uma reflexão subliminar, sem que um deprecie o outro.
Nota do filme: