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Crítica| Oppenheimer

Após três anos, Christopher Nolan retorna às telas de cinema em um projeto considerado por muitos como o ápice de sua carreira como diretor.

Oppenheimer. Esse é um nome que, ultimamente, tem circulado com frequência nas bocas de críticos e fãs que, mais uma vez, foram surpreendidos com a narrativa proposta por Nolan.

Mas, afinal de contas, quem foi J. Robert Oppenheimer?

Mais conhecido como o “pai da bomba atômica”, Robert Oppenheimer recebeu esse título devido a sua participação como diretor do Laboratório de Los Alamos, no Projeto Manhattan, durante a Segunda Guerra Mundial. Foi durante esse período que o físico, juntamente com um grupo extenso de outros cientistas e pesquisadores, desenvolveram a arma nuclear de destruição em massa, como uma resposta ao desenvolvimento armamentista desempenhado pelos adversários da época. 

No longa, baseado no livro biográfico do cientista O triunfo e a tragédia do Prometeu americano, Christopher Nolan cria uma narrativa centrada na vida do cientista, sua origem como físico teórico e como sua ambição o levou até uma cargo de extrema importância para o governo da época. Além disso, o diretor também aborda a visão científica de seus companheiros de pesquisa, os dilemas morais face às consequências de seu trabalho e o rumo que a história tomou nos anos do desenvolvimento da bomba. Apesar de ser baseada em fatos históricos, o diretor tenta construir a narrativa de uma forma mais subjetiva, focando na visão de J. Robert Oppenheimer. Por isso, Nolan admite ter escrito grande parte do roteiro na primeira pessoa, representando a história sob a perspectiva do cientista.

Reprodução : Oppenheimer (2023)

Dessa forma, o diretor distribui o longa em duas visões distintas, trazendo de volta uma estrutura semelhante ao seu filme Dunkirk (2017). Dessa vez, Nolan apresenta essa visão dupla de forma bem clara, dividindo as cenas em coloridas, para representar a perspectiva de Oppenheimer, e em preto e branco para mostrar a história sob um ponto de vista externo.

“Na verdade, escrevi na primeira pessoa, o que nunca fiz antes [..] Não sei se alguém já fez isso antes. Mas o ponto é que, com as sequências de cores, que são a maior parte do filme, tudo é contado do ponto de vista de Oppenheimer – você está literalmente olhando através dos olhos dele.”

Christopher Nolan

Essa estratégia utilizada pelo diretor permite ao público ter uma visão mais ampla da narrativa abordada no longa, vendo o impacto histórico e político que a construção da bomba teve, mas também entendendo os dilemas morais e pessoais vividos, tanto pelo personagem, quanto por seus colegas de pesquisa. É possível entender o horror experienciado pelo Laboratório de Los Alamos ao perceberem a dimensão da arma que construíram e as implicações que a bomba teria na história da guerra. 

Sendo assim, ao elencar Cillian Murphy para interpretar o personagem principal, Nolan foge de desenvolver uma trama histórica e documentário, e foca em desenvolver uma análise do personagem. O diretor que era conhecido por seus filmes com um ritmo incessante, repletos de cenas tensas de ação, abre mão desse marco e constrói seu  filme baseado em cenas de diálogo que abordam a intriga política da época, os debates científicos, problemas pessoais de Oppenheimer e, é claro, a explosão de uma bomba

Dessa forma, além de entregar uma história bem desenvolvida, Nolan constrói um filme visualmente excelente, com uma estética mais fria e particular, criando um ambiente de tensão e expectativa. Ao acompanhar Robert Oppenheimer, enxergamos o mundo sob sua perspectiva, experienciamos as mudanças no personagem, que se deixou levar pela sua ambição, seu desejo pela genialidade e o sentimento de inconsequência quando aceitou participar da pesquisa pela bomba atômica. É possível sentir a crescente ansiedade do personagem que ao se aproximar da sua maior conquista percebe o fator destrutivo de sua genialidade e como ele  poderia potencialmente ter auxiliado na destruição do mundo.   

Reprodução : Oppenheimer (2023)

Apesar dessa estrutura, o filme, em hora alguma, se torna tedioso e cansativo, apesar de longo. Com o apoio da trilha sonora, composta por Ludwig Görasson, o roteiro traz um clima de tensão e iminência à trama, enfatizando o trauma vivido pelos personagens e mantendo o público à beira de seus assentos. Em vários momentos, é possível sentir uma sensação de terror e medo quando percebemos o rumo que a história está tomando, tudo isso graças ao arranjo de violinos da trilha sonora em contraste com o silêncio ensurdecedor que toma conta da sala de cinema em momentos muito específicos da narrativa. 

A composição feita por Göransson é realmente um dos maiores trunfos que Nolan tem a seu favor, já que ajuda o longa a encontrar seu ritmo. Ao longo de todo o filme, podemos ouvir e sentir a trilha sonora no fundo de cada cena, ditando o sentimento que devemos ter diante das emoções e decisões dos personagens. Em contraste com a música imorredoura, o diretor usa pouquíssimos momentos de silêncio para enfatizar a importância da cena e focalizar no que está acontecendo diante de nossos olhos.

Naquela que é, sem dúvida, uma das cenas mais importantes do filme, a cena em que o verdadeiro personagem principal entra em cena (sim, quero dizer a bomba atômica), a sala de cinema caiu em um silêncio mortificante, todos prenderam a respiração e a única coisa que você podia ouvir era o público indo para a beira de seus assentos a fim de melhor observar o horror que estava prestes a acontecer na tela. A Experiência Trinity foi realmente um dos momentos mais tensos do filme, e a trilha sonora teve um papel crucial nisso, a construção sonora trazida pelos violinos e depois apenas a bomba, o fogo e o horror, seguidos de um golpe ensurdecedor.

Reprodução : Oppenheimer (2023)

Apesar de ser tecnicamente e visualmente excelente, o filme deixa a desejar um pouco no que se trata de falar com mais detalhes sobre os eventos históricos da Segunda Guerra Mundial e os impactos reais da bomba. Como mencionado anteriormente, Christopher Nolan foca em contar a história de Robert Oppenheimer, da comunidade científica em conjunto com a política e a vida em Los Alamos. 

Após a Experiência Trinity, acompanhamos os resultados da pesquisa de Oppenheimer, como suas escolhas políticas o colocaram em uma posição difícil face ao Governo Americano e como sua determinação em não ajudar mais na construção de outra arma de destruição em massa faz com ele seja suspeito de ter se tornado um traidor diante de seu país. Sendo assim, o filme segue um rumo muito mais biográfico do que documentário, seguindo Oppenheimer desde seus dias de estudante, professor, diretor do Laboratório de Los Alamos, traidor até ele ser perdoado e reconhecido pelo governo de seu país. 

Reprodução : Oppenheimer (2023)

Não se pode falar sobre Oppenheimer sem mencionar seu elenco brilhante que, além de Cillian Murphy, conta com atores como Emily Blunt, Matt Damon, Florence Pugh, Kenneth Branagh, Rami Malek e Robert Downey Junior. Cada um deles capturou seu personagem com habilidade incrível, apresentando performances que ajudaram a determinar o sentimento do filme.

Um dos maiores destaques certamente é Cillian Murphy. Sua atuação como Oppenheimer é brilhante. O ator irlandês, mais conhecido por seu papel no seriado Peaky Blinders, teve uma atuação bastante intrincada, conseguindo captar a essência do físico teórico, seus maneirismos e, principalmente, seus olhos, inicialmente cheios de ambição, que ao longo do filme se transforma em medo e horror. 

Outra atuação de destaque foi a de Robert Downey Jr. como o político Lewis Strauss, que aparece ao longo do filme, em cenas específicas, abordando o cenário político da Segunda Guerra Mundial e as decisões envolvidas na criação da bomba. O ator, mais famoso por seu papel como o gênio, filantropo e bilionário Tony Stark, entrega uma atuação surpreendente para o público que está acostumado a vê-lo em sua roupa de Homem de Ferro. 

Reprodução : Oppenheimer (2023)

Além disso, não se pode deixar de destacar as mulheres do longa, Emily Blunt e Florence Pugh, que apesar de terem um tempo de tela mais curto (infelizmente), brilham com sua atuação e agregam à história, não somente de Oppenheimer, mas do longa como um todo. Ambas se destacam com suas falas marcadas por determinação e coragem, frente a um mundo que não é acolhedor de mulheres, elas exalam força e sentimento e fogem dos estereótipos femininos da época. Algum dia ainda é de esperar que Christopher Nolan inclua mais os personagens femininos no enredo de seus filmes.

Oppenheimer não foi um filme feito para ser um blockbuster, nem para agradar ao público geral. Ele aborda uma história biográfica e séria, que é raramente encontrada no ambiente comercial do cinema atual, por trazer um conteúdo mais denso e pesado. Christopher Nolan quis focar no poder destrutivo que o ser humano tem sobre a história e como as decisões tomadas pela minoria no poder podem afetar a humanidade como um todo. 

Através da história do físico judeu americano, entendemos como a genialidade e ambição de uma pessoa impactou o mundo e, não importa o quanto Oppenheimer se lamentasse, não havia mais volta. Como dito por Kitty, interpretada por Emily Blunt: “Você não pode cometer um pecado, e então pedir a todos nós que sintamos pena de você quando houver consequências.” O Projeto Manhattan desencadeou o que todos os cientistas envolvidos mais temiam, uma reação em cadeia que potencialmente destruiria o mundo. É seguro dizer que a guerra nunca mais foi a mesma depois daquele momento, aos olhos deles, o mundo caminhava para o seu fim.

No final do dia, as palavras de Oppenheimer ganham mais força e profundidade, sabendo do que ele havia feito e o que mais eram capazes de pedir que ele fizesse. Ele havia se tornado a morte, o destruidor de mundos.

Trailer:

Nota:

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