Foi a Emma Watson que escreveu Harry Potter?
Você deve saber das últimas polêmicas envolvendo a escritora J.K Rowling, autora, entre outros, das obras literárias de sucesso Harry Potter e Morte Súbita, ambas adaptadas para cinema e TV respectivamente. A escritora vem se arrastando numa série de controvérsias, principalmente em razão de seus posicionamentos acerca de gênero. Para alguém que muitas vezes omitiu essas questões em suas obras, JK tem se tornado muito vocal sobre o tema, principalmente no twitter.
Nesse Tweet, JK se incomoda com o termo “pessoas que menstruam” que inclui aqueles que possuem um ciclo menstrual e não se identificam como mulheres. E não foi a primeira vez que ela se colocou a favor desse tipo de comentários. Quando Maya Forstater, uma pesquisadora que foi demitida após postar em suas redes sociais que mulheres trans não deveriam “mudar de sexo”, JK saiu em defesa. Em sua conta ela escreveu “Vista-se como quiser. Chame a si mesmo como quiser. Durma com qualquer adulto que aceite você. Viva sua melhor vida em paz e segurança. Mas forçar as mulheres a deixarem seus empregos por afirmarem que o sexo é real?”, referindo-se a Maya como alguém que “defende que sexo é real” e não como alguém que foi publicamente transfóbica. Por sua ideia JK foi duramente criticada pela conotação “ser trans é uma escolha de como se vestir e com quem se relacionar” que foi empregada a sua fala.
Nas redes sociais o “cancelamento” da autora foi unânime e movimentos como “Emma Watson é a verdadeira autora de Harry Potter” surgiram. Aqueles que são fãs da saga de bruxos que conquistou o mundo inteiro não conseguem reconhecer nela a autora daquela que é a história de suas vidas. Mas isso pode acontecer? É possível separar o autor da obra?
Em Hollywood é frequente essa necessidade de descolar o criador da produção. Woody Allen possui em sua bagagem clássicos como “Meia Noite em Paris” e “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” e além disso, acusações de abuso sexual por parte dos filhos. Kevin Spacey de sucessos como “House of Cards” e “Baby Driver” também está envolvido em casos de assédio sexual, a atriz e cantora Lea Michele de “Glee” e “Scream Queens” foi acusada de racismo contra seus colegas de elenco. E os nomes não param.
As obras as quais esses artistas se vinculam muitas vezes, de alguma forma, se atrelam a seus comportamentos vis. Woody Allen frequentemente aparece em suas produções como o amante perturbadoramente mais velho de personagens mais jovens, Kevin Space de maneira regular era colocado no lugar de homem forte e imponente para quem a justiça não era aplicada e Lea Michele aparecia em papéis em que, mesmo de maneira “cômica”, não considerava limites éticos e desprezava aqueles que eram considerados em sua visão inferiores. Frequentemente os comportamentos desses artistas apareciam em suas obras.
E como apontaram usuários do twitter, JK Rowling segue o mesmo padrão. Vemos na autora racismo em fazer seres escravizados que amavam a condição em que estavam, transfobia em colocar uma antagonista com traços que ela frequentemente aponta nas mulheres trans como um fator que as diminui e nessa personagem perpétua aquilo que ela acredita que as pessoas trans fazem. Essa é a obra que as pessoas querem separar de sua autora.
Claro que JK também escreveu sobre jovens se unindo e se rebelando em Harry Potter e a Ordem da Fênix, Woody Allen em Blue Jasmine não vilanizou uma mulher que aos olhos da sociedade frequentemente seria interpretada como uma vilã, em Pay It Forward, Kevin Spacey deu vida a um professor bem intencionado que muda a vida de seus alunos e Lea Michele frequentemente cantava sobre se aceitar e se amar. É fácil se afeiçoar a essas obras e personagens, é fácil esquecer que por trás delas existem pessoas que agem de maneira racista, homofóbica, transfóbica e misógina.
Todos nós nos emocionamos quando Rony foi buscar Harry em casa, quando pela primeira vez Hermione foi reconhecida por seu esforço e quando a cicatriz nunca mais incomodou Potter. Reações como “compre os livros de JK Rowling de segunda mão”, “assista os filmes em sites clandestinos”, “não compre produtos licenciados” nos vem à mente para tentar não contribuir com o enriquecimento da escritora. Nós queremos dizer que Daniel Radcliffe ou Emma Watson que escreveram a saga que inspirou nossa geração. Mas não foi. Foi uma mulher transfóbica e nós não podemos nos esquecer disso.
Você pode tomar as medidas que quiser para não apoiar JK Rowling, não assistindo os filmes nos sites que a pagam, comprando os livros de um amigo e fazendo seus próprios acessórios da saga. Mas você faz todas essas coisas mesmo sabendo que se O Menino Que Sobreviveu olhasse o Espelho de Ojesed e visse A Menina que Sobreviveu, a sua história não seria contada?
Por fim o dilema de “é possível separar o autor da obra?”, parece resolvido, a resposta é não, mas se ainda assim sobram dúvidas te questionamos: você quer consumir uma obra cuja história tenha que ser separada de seu criador?