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Desvendando a Sétima Arte: Obsessão da indústria com o terror literário

Como os diretores são apaixonados e impactados pelas histórias de horror através dos anos

Estamos no mês do horror e, por isso, vamos destrinchar como uma única história de terror se torna impactante na vida de diretores. Surgiram assim vários clássicos do cinema, seja pela popularidade do livro ou pelo tipo de filme que o diretor gosta de trabalhar.

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Vamos começar com o clássico do cinema e da literatura, o exorcista. O livro, lançado em 1971 e escrito por William Peter Blatty, se tornou um clássico e chocou leitores ao redor do mundo com sua história envolvendo uma garota possuída e a luta da fé. Por sinal, o escritor se inspirou realmente em uma matéria que leu cuja temática envolvia, obviamente, uma pessoa que foi possuída.

O livro ainda é considerado por muitos o melhor e, até mesmo, o mais assustador já escrito, e é claro que um sucesso deste tamanho não iria passar despercebido pela indústria do cinema. Dois anos após a publicação do livro o diretor William Friedkin lançou uma adaptação deste clássico da literatura do horror. A adaptação ocorreu de forma fenomenal, com respeito pelo material original e uma produção impecável, o que consequentemente o converteu em um clássico do cinema de horror.

Há uma imensa dificuldade em se criar algo inovador e único em um gênero antigo, por isso, é muito comum vermos pessoas tentando lançar sequências do mesmo filme [mas falhando em atingir tal sucesso].

Como algumas coisas não mudam, o exorcista se apresenta de extrema importância, transformando-se em uma adaptação que ecoa até os dias de hoje no universo dos filmes de terror. Tanto o livro quanto sua adaptação se tornaram um clássico, fazendo com que até mesmo hoje as pessoas persistam em recriar ou reproduzir seu sucesso. Vários livros e filmes utilizaram essa mesma premissa mas não conseguiram alcançar essa fórmula e criar uma narrativa onde subitamente podemos ser atingidos por algo horrível e nossas vidas, ou até mesmo rotinas, precisam se reformular.

Para se tornar um êxito, o filme necessita da história contada e moldada pelo livro, tudo aquilo que compete aos seus debates internos, à mente humana e o que desconhecemos em nós mesmos, todo esse mundo descrito no livro, essa trama complexa que surge ali. Com a direção certa, essa produção impecável de palavras se transfigura em cenas incônicas e relembradas nas telas. Ambos coexistem, enquanto nos livros encontramos uma trama mais elaborada em relação aos sentimentos descritos e os conflitos entre a religião e a ciência, no filme somos absorvidos por uma forma extraordinária de transportar o horror para as telas, tornando ambos indispensáveis.

Outro ponto interessante e muito curioso é essa obsessão de diretores e roteiristas com histórias de horror de sucesso. Talvez isso se deva ao fato de que se retirarmos a camada de horror, espíritos, demônios e/ou assassinos, sempre acabamos encontrando alguma história dúbia, cheia de fragilidade, questões internas e até mesmo sociais. É uma forma de olharmos para o passado, principalmente se estamos falando de livros e contos antigos, e notarmos como os personagens e a sociedade acaba agindo em determinadas situações. Como nossas posições, valores e a imagem que queremos mostrar para o mundo de fora afeta até mesmo algo irreal para a racionalidade de nossas mentes.

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Aquele que é considerado o grande escritor do horror atual, Stephen King, e que possui uma grande coleção de obras e adaptações (algumas que ele ama e outras, que apesar do público amar, ele destesta, como por exemplo, o iluminado – uma das adaptações mais aclamadas, porém não reconhecida pelo escritor, o que, por sinal, eu compreendo, mas isso ficará para um outro texto). Se retiramos o contexto do horror até mesmo de suas adaptações, ainda vamos encontrar uma narrativa de personagens que sofrem, sejam por serem que são, por algum contexto da época ou até mesmo por escolhas que fogem do seu controle ou foram tomadas por alguém de poder em sua família.

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Acho que é isso o que chama tanto a atenção dos produtores para essas obras, pois você poderá o terror, o suspense, o medo, aquilo que nos prende a atenção, mas também carrega, em suas entrelinhas, uma narrativa mais humana. O Iluminado não é apenas sobre um local amaldiçoado e pessoas assombrando ou matando outras, é sobre um homem que carrega consigo a “maldição” do alcoolismo e como isso destrói sua relação familiar. É também sobre como uma mãe é capaz de tudo pelo filho pequeno e como uma criança pode carregar a bondade e enxergar coisas ou compreender assuntos que são muito esquecidos pelo coração de uma pessoa adulta. A dureza não da vida, mas do sistema em que estamos inseridos, arranca de nós essa capacidade de compreender ou sentir compaixão, e também sobre os ecos que deixamos, os espíritos podem ser lidos/vistos pela imagem que gravamos no mundo, o que fomos, como fomos e de que forma continuamos, mesmo que o local revele apenas o pior, ainda é um aspecto real e como isso influencia o leitor e o telespectador.

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It a coisa, apesar do palhaço e toda uma linha narrativa confusa, é sobre a união de crianças, amizades que podem perdurar por toda vida, comprometimento e promessas que não podem ser desfeitas ou esquecidas, e King, junto com suas adaptações, acabou gerando toda uma legião de pessoas que amam consumir ou criar histórias de horror com personagens infantis ao redor, mesmo que não pareça ser tão aterrorizante, como O conta comigo. É interessante e extremamente complicado criar tramas no ponto de vista infantil e mantê-las de certa forma realista, como se aquela criança tivesse total consciência de tudo que ocorre, algo que até mesmo o próprio filho do King tenta reproduzir em seus livros. Uma das adaptações de seus contos, O telefone preto, produção muito aclamada que consegue pegar dois irmãos, e criar uma narrativa coesa, mesmo com pessoas tão jovens.

Obviamente King não foi o primeiro, mas ele constrói tão bem seus personagens infantis que é uma referência enorme em se criar uma história de horror com protagonistas crianças ou pré-adolescentes. Na realidade, talvez seja muito mais a arte imitando sua vida, afinal, ele realmente se isolou em um hotel quando escreveu o Iluminado, talvez ele realmente tenha sido uma dessas crianças que apesar de não se lembrar, carregam em si histórias de terror que acreditam terem vivido (quem nunca escutou algo estranho de madrugada na infância e, toda vez que recordamos na vida adulta, ainda não sabemos compreender o que foi ou como foi – como escritor isso definitivamente voltaria como um livro).

Todos os diretores que adaptaram meus livros de terror favoritos carregam em si essa mesma necessidade de tentar compreender o humano, pois apesar do horror, existe algo mais assustador que as profundezas de nossas almas? Os atos que somos capazes de cometer? As coisas que não temos coragem de dizer abertamente e escondemos até de nós mesmos em nossa própria mente? O terror e o horror, da mesma forma que os telespectadores, fascina os diretores apaixonados pelo gênero, somos atraídos pelo desconhecido, até mesmo pelo sentimento de desconforto, pois quando bem criado e produzido, sempre encontramos uma resposta para nós mesmos, o que explica a razão de sentirmos todas aquelas emoções negativas e positivas por causa de determinada obra.

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Clássicos da literatura do terror/horror sempre são provas do quão bom você pode se provar, do quanto você pode se aprofundar. Mary Shelley criou um livro tão intrigante e assustador sobre a essência da alma humana, as consequências de nossas atitudes, a solidão dos excluídos e da ignorância daqueles que creem ter todo o conhecimento, a nossa vaidade como ser humano… enquanto Frankenstein cria o seu monstro, a autora criou dois personagens que iam ser perseguidos pelas telas com a intenção de tentar recriar esse sentimento de medo e susto, não por aquilo que não é compreendido, mas sim pelas emoções que são destrinchadas de um monstro e o seu criador. O horror é a simpatia que criamos pelo monstro e pelo cientista, o destino trágico de ambos, suas contradições e semelhanças.

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Bram Stoker com Drácula – mesmo que não seja o primeiro livro envolvendo uma criatura de aparência muito parecida com a nossa, mas mortal, que se alimenta de sangue e que foge da luz do sol – desperta uma curiosidade enorme em se criar essas histórias nas telas, com os grandes castelos, homens escondidos por sua aparência medonha ou charmosos que aparecem subitamente. O filme clássico de 1992 é o mais relembrado pela sua fidelidade ao livro e também pelo ilustre elenco/direção, além de uma trilha sonora bela. Este é outro que causa horror por gritar em um tempo onde certas coisas nunca poderiam ser ditas, um livro que retrata utilizando essa figura, o desejo de posse, o sexo, a complexidade da sexualidade, de querer aquilo que não podemos compreender e o desespero pela vida eterna, amores que se tornam obsessão, se não fosse por essas duas obras e, é claro, pela franquia de livros crônicas vampirescas, escrita pela lendária Anne Rice.

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O primeiro livro teve a bela adaptação: entrevista com o vampiro, com Brad Pitt e Tom Cruise, porém, apesar das atuações e fotografia lindas, acaba pecando um pouco em não retratar tão bem o amor além dos gêneros e como uma pessoa que não é mais humana, enxergaria sua antiga espécie, mas agora recebeu uma nova, que é muito mais condizente com o teor da liberdade sexual e da complexidade de se perder sua humanidade. Fãs de crepúsculo, talvez o livro nunca tivesse existido ou utilizado a imagem do vampiro, se esses dois livros e, consequentemente, suas duas ilustres adaptações, nunca tivessem sido criadas. Apesar de ter problemas sérios em como ele retrata os vampiros é visível que ela conheceu essas antigas histórias para sua obra e, assim, surgiu uma grande franquia famosa de filmes, amada até hoje.

Stanley Kubrick, o diretor de o iluminado e que também dirigiu a adaptação do clássico laranja mecânica e 2001 – uma odisseia no espaço, carrega muito disso em todas suas obras. Mas em o iluminado, isso parece ser ainda maior, o horror daquele lugar e daqueles espíritos, se tornam um reflexo enorme das fragilidades humanas, da mesma forma que King estava frágil quando escreveu o livro e criou aqueles personagens. As portas do hotel se tornam aquelas portas que trancamos em nossas mentes e nem mesmos nós temos coragem para abri-las, torcemos para que a tinta seque, que a fechadura enforruje e ela só desapareça. Como podemos ver pelo livro, pela adaptação e pelos os outros filmes do diretor (assistam de olhos bem fechados) os humanos são carregados pelos impulsos, instinto, assim como os animais. Na situação correta, uma fala que doa em nosso ego ou um lugar que nos enfluencia, tudo que conhecemos sobre nós mesmos é alterado, é capaz de se transformar em algo irreparável, os livros o impactaram por aquilo que amava criar, a psique mutável de todos nós.

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Porém, acho que ninguém é tão obcecado pelo ser humano e o horror de ser um quanto Mike Flanagan, com uma série que acabou de ser lançada, olho para todos os seus últimos grandes sucessos, que são adaptações do horror clássico e como ele respeita o material original, mas expande todos os questionamentos internos dos personagens.

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A assombração da casa da colina, escrita pela Shirley Jackson, se tornou a maldição da residência Hill e vai além da questão de casas que aparentemente sempre existiram e os efeitos em pessoas que escolheram passar um tempo lá – mesmo sabendo da fama do local e como outras pessoas ficavam afastadas dela – para como uma família é afetada, seus laços testados e se eles são capazes de sobreviver e conviver com os horrores que envolvem aquele local. Claro, todo questionamento de sanidade, como podemos ter certeza se algo é real ou não, o extremo sutil que o sobrenatural pode exercer em nossas mentes, ao ponto de tirarmos nossas próprias vidas, uma casa que muitas vezes não faz nenhum sentido com sua planta e onde todos se perdem, ficam presos e esquecem como prosseguir, e até mesmo de algo vivo na casa, mas não necessariamente uma pessoa, e até mesmo como uma casa pode deixar nossas paranoias ainda mais evidentes já estavam no livro, mas Mike muda os protagonistas, o contexto e isso pega a obra-prima que é o livro e o torna ainda mais impactante, importante e íntimo, ele respeita tudo que foi criado pela escritora e cria sua própria versão de como seria enlouquecer em uma casa que é conhecida por todos por ser assombrada. Ele pega toda essa zona cinza e aborda em uma família tradicional, enquanto no livro isso se desenvolve em um período de tempo menor, na série acompanhamos essas consequências por anos e anos, talvez por toda vida.

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Em A maldição da residência Bly, adaptação do clássico A outra volta do parafuso, ele pega um livro que vai envolver muito mais sobre sanidade (tema que ele já tinha trabalhado), obsessões, espíritos, até mesmo se pedofilia estava acontecendo naquele local e se a governanta estava realmente compreendendo tudo ou se era apenas louca… Ele pega essas mesmas figuras: a governanta, os gêmeos e uma casa no lago, e é impressionante que apesar de todas mudanças (que são muitas) é visível como ele tem respeito e como o material original é um forte condutor em suas criações. O lago é um grande foco das cenas chaves do livro, porém ocorre de uma forma diferente, ele abandona a questão da possível pedofilia – o grande condutor da narrativa, mas cria uma para reprimir sua própria sexualidade, e das diferenças gritantes do amor saudável e do amor louco, enquanto o livro é uma história sobre espíritos, sanidade e pecados, a série é sobre espíritos, amor e saber quando partir. Missa da meia-noite e a sua mais recente, a queda da casa Usher, merecem atenção apenas deles em outro momento, mas são facilmente as duas melhores séries de TV que você pode assistir (mesmo Hill e Bly tendo meu coração).

Mike é a prova viva de como a literatura de terror e horror é capaz de gerar gerações de filmes e séries marcantes que só poderiam existir se escritores tivessem dentro de si a loucura para criar e questionar tudo aquilo que nos envolve e tudo que acreditamos, e como os detalhes desses livros, suas construções tão específicas e tão bem criadas, surgem na sua frente em uma tela. Há ainda diversos outros filmes icônicos que não citei, alguns inspirados pelos mesmos livros que são falados neste texto.

O cinema é incrível, marcante e inesquecível pelo tempo, mas é extraordinário como diretores são capazes de homenagear e até mesmo de criar algo novo dos livros pelos quais são apaixonados. Assim como os livros, os filmes podem e devem se portar de diferentes formas, alguns vão ir pro lado dos sustos, de seres que pulam em nossos rostos, outros vão criar um suspense e uma atmosfera que sentimos que algo não está certo naquele local mas não nos conseguimos compreender o que está errado na cena que está sendo vista. O cinema de terror, apesar de ser enxergado de forma simples por muitos, como na literatura, é extremamente complexo e técnico, com suas maquiagens, próteses, locais, produção sonora e os efeitos.

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