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Desvendando a sétima arte: terror como crítica social

Como metáforas podem fazer a diferença em uma sociedade que demanda o óbvio

O terror está presente no cinema há muito tempo! O primeiro filme considerado do gênero foi lançado em 1896, com A Mansão do Diabo. Mas além de causar sustos e contar histórias aterrorizantes, esse gênero pode ser usado como ferramenta para diversas causas e de diversas formas. Recentemente tem sido muito comum o uso dessa categoria como alegoria ou metáfora para críticas sociais.

O cinema se atualiza e renova com os acontecimentos da época e os interesses do público, por isso, a quantidade de filmes que criticam certos aspectos da sociedade, como preconceitos de classe, de gênero e raciais, tem crescido numerosamente. Assim, é importante comentar de onde isso surgiu, o porquê tem dado tão certo e algumas obras fundamentais dessa vertente.

O Bebê de Rosemary (1968) foi um dos primeiros a usar essa ferramenta. O filme conta a história de uma mulher grávida que, após se mudar, começa a ser perseguida por um culto satânico. A narrativa é usada como oportunidade para denunciar o controle do corpo feminino e a manipulação que ocorre por parte de alguns maridos e da sociedade como um todo.

Apesar do pontapé de o Bebê de Rosemary nos anos 60, levou algum tempo para outras histórias parecidas serem feitas, afinal, quem ia ao cinema não era a parte da população que se interessava em ver o preconceito exposto e desmascarado. Porém, depois dos anos 2000, com a democratização dessa arte e expansão da internet, a acessibilidade ficou um pouco mais universal e os temas discutidos mais variados.

Com isso em mente, Menina Má, de 2005, foi um dos precursores do gênero, contando a história de uma garota de 14 anos que, depois de conversar com um pedófilo online, decide encontra-lo com a intenção de se vingar da morte de outra jovem. Os tão conhecidos “Rape Revenge” (trend no cinema em que personagens se vingam de abuso sexual) tinham usado poucas vítimas como protagonistas. O longa-metragem abriu um discurso sobre sororidade e sobre a corrupção da juventude como consequência de traumas.

Reprodução: Menina Má (2005)

Eu sou todas as menininhas que você já assistiu. Tocou. Machucou. Enganou. Matou!

Bela Vingança (2020) continua o legado de Menina Má. Nele, a protagonista Cassie busca vingança pelo abuso que sua melhor amiga sofreu e que levou ao seu suicídio. Todo fim de semana ela vai a bares, finge estar bêbada e traumatiza os homens que tentam assediá-la. Apesar de tentar deixar o passado para trás, o ressurgimento de algumas pessoas a impedem de mudar de perspectiva. O maior diferencial da obra foi transformar a tortura em psicologia: em nenhum momento a personagem comete algum crime ou machuca alguém fisicamente e, mesmo assim, ela deixa os outros personagens atentos para o resto de suas vidas.

Você consegue imaginar qual é o maior pesadelo de toda mulher? A coisa que você achou que tinha escapado porque todo mundo tinha esquecido. Mas eu não esqueci.

Mesmo nessa discussão, alguns tópicos mais tabus demoraram a serem debatidos dentro do gênero. Corra (2017) foi o primeiro, de até então três filmes, do diretor Jordan Peele, todos usando o terror como alegoria para racismo. Mostrando a história de Chris, um jovem negro que vai conhecer a família de sua namorada branca, as críticas feitas não são óbvias. Além de focar em discursos descaradamente preconceituosos, ele ainda retrata microagressões e os privilégios sociais e econômicos que derivam da branquitude.

Reprodução: Corra (2017)

Yellowjackets é uma série mais recente que ainda está sendo lançada, e discute a existência feminina em um contexto catastrófico e canibalístico, enquanto também debate o machismo e a frustração do envelhecimento.

Não existe falsa esperança. Só existe esperança.

A discussão de classe não é algo novo, mas Casamento Sangrento (2019) usa o matrimônio de uma mulher proletária com um homem rico e sua entrada à família como metáfora para mostrar as dificuldades de mudar de classe social, assim como questionar até onde as pessoas vão para manterem seu poder aquisitivo. Depois de se casar, Grace descobre que vai precisar lutar pela sua vida em um jogo real de esconde-esconde, em que a família de seu marido tenta assassiná-la como uma oferenda em troca de sua riqueza. O filme também demonstra a solidão de sobreviver em um mundo que não apoia a sua existência e a dor excruciante de não ter uma família.

Reprodução: Casamento Sangrento (2019)

Por fim, é preciso notar que esse gênero cinematográfico é importante não só por transformar dificuldade em entretenimento, mas porque ele aborda perspectivas que não são sempre retratadas, mas que merecem serem vistas.

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