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In Isabela Boscov we trust: como surgem as críticas de cinema, e porque confiamos (ou não) nelas

Desde que o mundo é mundo e os cineastas criam obras, críticos e estudiosos escrevem suas análises. Mas o que exatamente é uma crítica de cinema, qual o seu real propósito e como isso virou profissão?

“É inovador e revolucionário? Não, mas durante aquela meia hora cria ali para você um lugar tão aconchegante, tão reconfortante”; “Imediatamente, tenho crises de ansiedade!”; “Ora, tenha a santa paciência!”; “É de uma imbecilidade atroz! De uma grosseria, de uma vulgaridade, em vários momentos, imperdoável.”; “Eu queria gostar muito dele, mas eu percebi que estava me esforçando e não estava obtendo nenhum resultado”; “Além disso, tem aquela baita presença, uma personalidade enorme e tem instintos muito bons também.”; “Eu achei tão bobo, achei tão sem graça”; “Ia precisar de uma renovada ali mas uma reforma total pra fazer algum sentido no presente”.

Se você leu uma ou todas essas frases com a voz da jornalista Isabela Boscov ecoando em sua mente, preciso te contar: ou você tem uma conta no Twitter ou Tiktok e já viu algum meme com essas descrições, ou é um cinéfilo fã de boas críticas. Afinal, Boscov virou queridinha nos dois mundos, na academia e na internet. Desde 2008 publicando sobre cinema em seu canal no YouTube, foi no último ano que saiu da bolha e fez muita gente descobrir que sim, crítico de cinema é profissão!

Dos mesmos criadores dos críticos gastronômicos que brincam de Ratatouille e distribuem estrelas Michelin, ou dos críticos literários que elegem títulos a entrarem pra lista de Best Sellers do New York Times, existe um mercado de trabalho dedicado a analisar todos os detalhes técnicos de uma obra cinematográfica e avaliá-la para o público geral. Apesar de terem migrado dos grandes jornais para a web, são profissionais especialistas que se diferenciam das análises ou dicas por hobby ou lazer, e é exatamente sobre isso que vamos conversar hoje. 

Reprodução: Youtube Isabela Boscov

Crítica de cinema exige rigor. Não é apenas uma opinião ou recomendação. Considerada uma área do jornalismo e da comunicação, requer conhecimentos sobre linguagem cinematográfica, incluindo técnicas de produção, edição e roteiro. Além disso, exige uma escrita e retórica impecáveis. E claro, não exclui a paixão pelo cinema. 

Isabela Boscov, formada em Rádio e TV pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e especialista em crítica cinematográfica, ficou famosa justamente por seu jeitinho único de analisar os filmes. Mas apesar de ter virado meme, seu trabalho é muito relevante e reconhecido, suas opiniões são categóricas e vistas ao nível acadêmico. Justamento porque, diferente de um comentário de fã, ou uma dica de amigo, a crítica no cinema é analítica, coisa séria! 

Se você imagina cineastas frustrados, haters de roteiros hypados, que só curtem obras cult e fazem críticas conforme opiniões apenas pessoais, preciso te contar que tudo isso não passa de um mito. Analisar cinema é uma arte, mas nem por isso deixa de ser ciência. Críticos assistem os filmes com atenção máxima, seguindo uma metodologia específica. Recapitulam o enredo, as escolhas dos diretores, analisam as performances, a estética visual e auditiva, a construção dos personagens e consideram o contexto político, social e econômico de produção e lançamento. Estudam de perto cada obra, pra então falar ou escrever sobre em publicações, sejam elas pra revistas, rádios, veículos online, entre outros.

Os propósitos são os mais diversos, existem críticas pra fins comerciais, culturais, jornalísticos, acadêmicos. Mas o objetivo mor vai muito além de te ajudar a escolher o que assistir ou entreter os fãs de cinema com bons conteúdos. A crítica cinematográfica é muito importante pra sétima arte como veículo que busca melhorias e crescimentos pro setor. São com as críticas, por exemplo, que filmes até então desconhecidos ganham novos públicos, que mensagens relevantes alcançam prêmios ou produções independentes ganham visibilidade.

Pros cinéfilos o impacto também é gigantesco: Os argumentos expressos em uma crítica nos encorajam a consumir cinema com um olhar mais profundo. Um filme, série, telenovela ou qualquer outra produção do cinema e audiovisual é resultado de horas incontáveis de trabalho, uma equipe de diversos profissionais, e uma variedade de desafios que às vezes passa despercebido ao telespectador. A história do cinema muda a partir do momento em que as pessoas começam a ver os produtos cinematográficos como relevantes, capazes de contribuir pra sociedade a longo prazo.  E é nisso que o Cinecom acredita e tenta contribuir.

Reprodução: Cinecom

O que começa na Europa e Estados Unidos dos anos 1900, muito inspirado em publicações sobre o teatro, ganha lugar no Brasil em meados dos anos 1910, com a instalação de publicações especializadas, pensando no desenvolvimento da indústria fílmica nacional. Inicialmente muito elitista e conservadora, a crítica de cinema no Brasil começa com uma vertente protetora da estética de Hollywood, seguindo um padrão estadunidense. É quando entram em cena autores da esquerda política, propondo um cinema mais historiográfico. Essa linha do tempo é marcada pelo incentivo e preservação do cinema nacional.

Se não fossem as críticas, as reclamações, os pedidos, militâncias e apelos, o cinema não seria o mesmo. Movimentos e até mesmo revoluções culturais nunca teriam acontecido. O impacto vai desde o mercado de trabalho até a sua relação pessoal: se sua série favorita foi cancelada, o roteirista da sua novela das nove de repente decidiu mudar todo o plot ou aquela franquia que você acompanha mudou completamente de qualidade, tenha certeza que existem consequências de críticas cinematográficas nessas decisões.


É inegável que críticos influenciam o público, ainda que nem sempre sejam percebidos. Filmes não são elogiados ou cancelados nos trending topics gratuitamente. Existem influenciadores digitais que estudam e trabalham muito para tecer os comentários que aparecem na sua for you do TikTok. As próprias críticas do CineCom que você lê por aqui são pensadas por estudantes que se debruçam sobre o filme, leem artigos, pesquisam muito antes de falar, e expõem argumentos com base no fato de que um filme ou uma série é muito mais que só um escapismo. Claro, cinema é indústria de entretenimento, mas compreendemos que também é arte, mercado de trabalho e ferramenta sociopolítica.

Reprodução: Viagem à Lua (1902)

O cinema é uma arte relativamente jovem, surgiu há cerca de 128 anos. Para entender que é realmente recente pra história mundial, basta lembrar que muito provavelmente seus bisavós viveram em um tempo em que imagem em movimento era coisa só pro ao vivo. Foram as críticas que divulgaram essa descoberta, enalteceram seus avanços e permitiram que nós, cinéfilos, acompanhássemos essa história. 

Críticos também humanizam os cinemas. São quem levantaram os primeiros questionamentos sobre qualidade de produção, democratização de acesso ou representatividade nas telinhas. Nesse quesito,  seja uma crítica amadora, aquela que a gente lança no grupo de amigos ou em redes como Letterboxd; uma crítica jornalística, com opiniões e recomendações veiculadas como serviço à sociedade; ou uma crítica acadêmica, com estudo especialista para interpretação de obras… Consumir cinema vai além do ato passivo de sentar no sofá com a pipoca – cada mínima percepção, sentimento ou questionamento diz muito, sobre muitas coisas. Um filme não acaba quando termina. Já pensou como a experiência seria sem graça sem o debate?

Reprodução: Cinema Paradiso (1988)

Assistir cinema inclui ver obras pelos olhos dos outros. Mesmo que com opiniões discordantes, faz parte da magia consumir e respeitar as críticas cinematográficas. Sim, você vai surtar um pouco quando alguém criticar seu filme favorito. Talvez você brilhe o olho pro trailer de um filme, e depois descubra que todo mundo deu nota zero. E está tudo bem! Porque a crítica não é uma notícia de valor, um comando de vá ou não ao cinema, assine ou não esse streaming. Muito mais que um guia ou um suporte para escolher o que assistir, a crítica é uma relação com o mundo, uma construção de paralelos entre o que se passa na tela e o que isso reflete em nosso cotidiano. Se me permitem a analogia, assistir cinema é quase uma terapia, e o crítico registra em palavras essa psicanálise. 

Sempre que consumir cinema, seja consciente de que um play esconde muito. Cada visualização, comentário, pause ou replay modifica o curso da história. Pode parecer bobo, mas basta lembrar que a arte é uma espécie de espelho da sociedade. Entretenimento, seja qual ou como for, seja considerado bom ou ruim, seja famoso ou under – gera sentimento, provoca reação, registra ou cria história, e isso é muito lindo. 

Existem pessoas geniais que, mesmo muito longe das câmeras, garantem que sua relação com o cinema não só exista, mas seja memorável e transformadora. Então quando ver uma obra, consumir um conteúdo como esse aqui ou acompanhar o trabalho de críticos no cinema, pense no impacto da sétima arte. Esse é um lembrete de que você também faz parte dessa trajetória.

Veja também:

Crítica | Heartstopper-1ª temporada

Crítica | Guardiões da Galáxia Vol 3

Cinema e comunicação: a importância do CineCom

Cineprofissão Crítico, de 2021

Referências  

Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema

O cinema como ferramenta de impacto social

O cinema e a vida: filmes que nos transformam

Como ser crítico de cinema

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