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John Hughes, cinema adolescente e as noites de CineCom que ainda vamos viver

Em ode ao meu diretor favorito de todos os tempos e ao mote de todos os meus sonhos adolescentes incubados

“Agora presta atenção hein, essa é a cena mais im-por-tan-te!!” Ouço meu pai apontar, em um mix de ansiedade pela minha reação e empolgação pelo seu plot twist favorito da Sessão da Tarde. Assisto Ferris Bueller ressurgir, depois dos créditos rolarem, com seu clássico roupão e cabelo bagunçado, pra dispensar geral da sala afirmando que a curtição adoidada do dia acabara, hora de dizer adeus. Eu devia ter uns nove anos de idade quando Marco Antônio plantou a segunda maior dúvida do narrador personagem que carrego comigo até hoje – a primeira, obviamente, é se Capitu traiu ou não Bentinho. “E se Ferris realmente adoeceu e tudo não se passou de uma alucinação? E se a mentira maior é que todo aquele devaneio delicioso de passeios na Ferrari, desfiles dançantes e enganações não se passou do sonho de um garoto febril?”

Viverei pra sempre com minhas próprias dúvidas e (in)conclusões, mas ali ganhei um amor especial pelo meu diretor favorito. Era o segundo filme que maratonávamos na mesma tarde, depois de papai ter me transmitido como herança The Breakfast Club como obra-prima favorita. Dali em diante não teve outra. Meu avô me presenteara com brincos iguaizinhos os de Molly Ringwald quando fiz quinze anos, desde então andam comigo pra todo lado. Meu dia favorito do ano, no ano em que completei a idade do meu número da sorte, só teve graça porque começou com Sixteen Candles no café da manhã. A alegria que senti quando descobri que Curtindo a Vida Adoidado seria exibido no CineCom se equipara àqueles momentos da vida que genuinamente te fazem sorrir; aquela notícia boa numa manhã de terça-feira qualquer, aquele olhar apaixonado que te pega desprevenido, aquela nota alta aparecendo no Sapiens quando você achava que tinha afundado na prova. Comemorei horrores, como boa fã preparei um outfit a caráter pra ocasião, e usei como desculpa cinéfila pra espalhar a palavra do meu diretor e roteirista favorito a quatro cantos. Por aqui, não poderia ser diferente…. John Hughes foi uma força da natureza – e hoje vou te explicar por quê.

Créditos: Camila Leão Sabará

Os filmes do cineasta John Hughes (Lansing, 1950 – New York, 2009) são considerados leves pela crítica, o que ninguém discordaria. Férias Frustradas, A Garota de Rosa Shocking, 101 Dálmatas, Milagre na Rua 34 e todos os outros mais de trinta filmes que dirigiu, roteirizou e produziu são daqueles pra assistir em uma tarde de respiro e, se você é nostálgico, melancólico e metido a romântico como eu, dizer que “ah, não se fazem mais filmes como antigamente”. Aqueles diálogos piegas, os plots simples que não te fazem pensar muito, apenas dar play e curtir a horinha de paz, o desenrolar romântico de aquecer o coração, as amizades sinceras que explodem fofurômetros, as piadinhas bestas que rimos até a barriga doer. Tudo isso é marca registrada, mas John representa tanto pra mim quanto cineasta justamente por impactar em meio a essa leveza.

As dramédias podem até ser tachadas de “bobinhas”, mas existe muito por trás de cada take. John fala com o público nas entrelinhas, e como alguém que usa muito esse recurso nos textos e na vida, não é surpresa eu ser tão fã. Todo filme de Hughes destaca um rito de passagem. Por trás das piadas, existem desabafos sinceros e construções fortes de personagens, que guiam suas jornadas de forma delicada, mudando de atitude, pensamento e formando caráter, ainda que através das mais bregas reviravoltas. 

Reprodução: Internet

Os filmes de John provam que está tudo bem viver dramas, sejam eles quais forem. Argumentam, cada um a seu modo, que faz parte surtar por motivos bestas ou aparentemente fúteis. Sua cinegrafia entende, e apoia, as neuroses, os desesperos, as pequenas angústias da vida. Claro, a gente pode (e deve!) se entreter com filmes conceitos cult que explodem a mente, e é óbvio que existem problemas mil a serem abordados, discutidos e solucionados no cinema. Mas a arte abraça tudo e todos, e John Hughes foi um dos gênios a traçar essa linha tênue entre aquilo que nos desperta, nos atrai, nos faz sorrir, e ao mesmo tempo nos leva a colapsos, reflexões mil, horas encarando o teto depois que o filme acaba pensando “ok, isso aqui me quebrou”. Só que nesse caso, isso é aquela coisinha minúscula, um mini momentinho da vida, que também merece sua atenção. 

Conflitos com todos ao seu redor – seus pais, seu irmão, seu gato, seu diário, sua paixão platônica, seu quase algo. Risadas que você tem guardado e precisa soltar, seja de você mesmo, do outro ou das frases engraçadinhas que nosso Mestre da Sessão da Tarde amava lançar nos roteiros. Lágrimas que estavam guardadas, pra chorar feito coração de manteiga derretida com o desenrolar dos personagens. É uma sequência justa; depois de rir da vida, talvez chorar com a vida. Porque ela é quase shakespeariana mesmo, hora cômica e hora trágica. E os filmes do Hughes registram isso na leitura sensível e sutil do por trás da cena. Porque engana quem pensa que todo esse sentimento é exposto de forma literal.

Reprodução: Clube dos Cinco (1985)

Não, eu nunca me sentei na detenção com jovens completamente diferentes de mim. Na real, bem sabemos que filmes estadunidenses não representam em nada nossa rotina de dramas familiares, romances e aulas no ensino médio. Em Clube dos Cinco não seria diferente. Mas ainda assim, eu me vi na TV quando o personagem John Bender deixou claro que a postura de bad boy criminal era só pose pra esconder os traumas que carregava consigo. Quando o nerdola Brian Johnson admitiu que seus pais ficavam mais felizes que ele mesmo com as notas altas, que no fundo ele só queria poder pensar e agir por conta própria. Quando a doidinha Allison Reynolds assumiu a dor da solidão e o medo que tinha de se conformar com os dilemas da vida ao redor. Quando o atleta Andrew Clark largou a fama de popular e descreveu a ansiedade de carregar o mundo nas costas sem poder tropeçar nem que por um só segundo. Quando a princesinha Claire Standish assumiu que vivia pra agradar e cumprir tabelas, quando na verdade só queria viver a vida que assistia como telespectadora. Eu me vi ali.

Desde então, grito, bem alto, lá do quarto: “Alexa, toca Don’t You Forget About Me”, toda vez que sinto saudade de casa, do colo de mãe, dos amigos, dos amores, dos planos, das lembranças que ainda nem foram construídas. Porque no cinema a gente encontra respostas pra problemas que às vezes nem sabíamos que tínhamos. Saímos de uma sessão boquiabertos, agraciados pelas mentes que reproduzem exatamente o que pensamos e sentimos, e de quebra ainda nos deixam com pequenos desabafos e percepções.

Hughes é um analista genial da adolescência porque escreveu e capturou muito do que se sente nessa fase, e honestamente, o que acredito que sentiremos pro resto da vida. Ele soube apreciar nossos pequenos problemas e esquisitices, nossos medos mais delicados, que às vezes não contamos pra ninguém, mas que dão dorzinhas de cabeça sim, e merecem ser sentidos. E ele me deu finais felizes o suficiente pra eu ter esperança de que, no fim das contas, os pequenos dramas valem a pena.

“As pessoas esquecem que quando você tem 16, você provavelmente é mais sério do que você já será novamente. Você pensa seriamente sobre as grandes questões.”

John Hughes

Todo mundo se vê em alguma cena do gênio da sessão da tarde. Para alguns, é Ferris e seu dia de folga, o reflexo de uma vida intensa e segundos esperando pra serem vividos. Outros se apegam às dezesseis velinhas de Gatinhas e Gatões (Sixteen Candles no inglês), a obra-prima dos últimos românticos. Muitos adoram o plot princesa e plebeia de Pretty Girl in Pink, o clichê adolescente social e a espera por um príncipe encantado. 

Eu? Não consigo nem esconder, sou amante do Clube dos Cinco. Podia fingir e descrever aqui os detalhes técnicos que fizeram a cena de bate-papo mais icônica da biblioteca ser completamente improvisada, ou os efeitos sonoros e como foram produzidos. Mas no fundo, eu apenas amo o quanto essa história, e as demais do gênio Hughes, me fazem sentir a vida. “Nos termos mais simples, nas definições mais convenientes”, o filme fez eu fazer as pazes com o mundo real. Não é atoa que é aquele que reassisto toda vez que preciso de conselho ou consolo…

Foi por conta do Hughes que me viciei em filmes adolescentes, meu gênero queridinho. Sejam os mais bregas, sem sentido, sem pé nem cabeça, sem a menor verossimilhança ou ao menos o mínimo contato com a realidade. Porque são justamente os que me fazem querer levantar do sofá, destemida e motivada a viver o que há! E é aí que entra meu segundo argumento central a respeito do John. 

Sim, a vida é frustrante, tenho total incerteza sobre o futuro, e existem grandiosos pequenos detalhes que eu gostaria de mudar na linha do tempo. Mas e daí? John me ensinou que isso é viver. Que é não sendo correspondido no amor, não tendo certeza do amanhã na faculdade, se preocupando com o que os outros dizem mesmo sabendo que não devia, colapsando um pouquinho a cada dia. Mas vivendo, colecionando piticos momentos dignos daquele finalzinho bom de episódio da sua série favorita, carregados de emoção, e completamente inesperados. Porque um dia isso se acaba, sentimos falta, e apenas pedimos aos céus para não esquecer dos pequenos agoras que moldam nosso para sempre. 

Reprodução: Cinecom

Eu nunca me sentei na detenção com outros quatro jovens, mas tenho meu próprio clubinho de café da manhã, repleto de pessoas boas e especiais que muito me ensinam. Nunca matei aula e aluguei um carrão pra dirigir até a grande cidade, nunca fui ao baile de formatura com um príncipe na armadura brilhante, nunca vivi aventuras de natal a ponto de ser esquecida em Nova York e batalhar com ladrões invadindo meu lar. Mas enxergo no fundo de cada um desses personagens pessoas reais, que pensam exatamente como eu e você. Que erram, acertam, brigam, se apaixonam, fazem as pazes. Que correm com as inseguranças, os medos, os sonhos. Que constroem novas narrativas a cada micro experiência do mais bobo cotidiano. São vivências de alcance universal, ouso dizer, atemporal. São diálogos que nos filmes ganham glamour, mas que poderiam acontecer numa mesa de bar, ali na Rita. Romances que poderiam nascer numa mesa da livraria, num gramado pré-Cinecom… Mas já chegaremos lá, prometo que o enfim desse textão-desabafo-devaneio está próximo.

“Eu gosto do que é simples, das coisas mais ordinárias. O extraordinário não me interessa. Não me importo com psicopatas. Me interesso por aquela pessoa que acha que não tem uma história. Eu gosto do homem comum”

John Hughes

Minha admiração por Hughes extrapola o cinema justamente naquele ponto belo em que a vida transborda na arte. Toda geração possui rostos icônicos, e quando se trata de cinema, ele é um dos primeiros nas buscas sobre os anos 80 e 90. Seus impulsos criativos são indiscutíveis, e o sucesso foi crescente. Mas quer saber a real? Ele fracassou, e muito. Passou anos trabalhando em outra área porque não achou espaço onde sonhou. Nosso amigo estreou uma série de fracasso de bilheteria e crítica, tinha tudo pra parar ali. Ainda assim, sobreviveu à dor do golpe e garantiu a carreira que hoje enaltecemos. 

Transformou atores em ícones do cinema que hoje vemos em todo o canto, não porque eram os mais belos, esbeltos e queridos pela mídia, mas porque eram reais, e a realidade era o que brilhava os olhos de John. Mesmo com baixos orçamentos e resistência dos studios por se tratar de um idealizador com pouca experiência, dobrava os segundos, escrevia roteiros em seis dias, rodava gravações em três horas, e adaptando o que tinha, do jeito que tinha, fazia acontecer. Foi uma fábrica de histórias, não há outro modo de descrever. Chegou até a dar uma de Pessoa, e usou pseudônimos, provando que havia nele muitas histórias e personagens para um homem só. 

Às vezes me pergunto porque não falamos mais dele, e dos rostinhos por trás dos nossos filmes favoritos, de modo geral. Quantas pessoas assistem Esqueceram de Mim todo Natal e não sabem da história por trás do clássico? O próprio Hughes talvez, apesar da influência nítida e gigantesca, tenha escolhido um pouco dessa invisibilidade, uma vibe low profile. Talvez tenha tentado fugir do cinema mais comercial, ou apenas se apegado muito à conexão com a música. E é claro, como em qualquer obra, houveram críticas e cancelamentos. Mas seus filmes estão aí, sempre ganhando novos fãs e gerando novas reflexões. Esse legado continua, seja o que for. E falando em legado…

Reprodução: Cinecom

Existem dias em que me sinto como num filme do John Hughes. São ocasiões frequentemente raras, muito especiais e peculiares. Verdadeiramente, sinto como se o roteiro da minha vida fosse obra de gênio da sessão da tarde. Domingo de Cinecom é um desses dias.

Encaro aquele gramado, vendo a grama gelada da UFV se colorir com cangas, cobertinhas, olhares e sorrisos. Os casais abraçadinhos esperando o filme começar, os primeiros dates a tagarelar lendo juntos uma Curta, os ficantes premiums dividindo a pipoca, os corações oprimidos buscando consolo na playlist e risadas no Tomada 1 pré-sessão. Não vou negar, às vezes paro de assistir ao filme por um segundo e só observo a cena. No último domingo, fiz isso na icônica passagem de Twist and Shout, percebendo os ombrinhos da galera balançando conforme a imagem no telão. Sorri baixinho, pensando em todas as sessões do Cine om que ainda iremos viver.

Já dizia a minha banda queridinha Lagum, vai ver isso é Coisa da Geração. Seja como for, agradeço a John Hughes, ao filminho 0800 nas Quatro Pilastras e aos clássicos clichês adolescentes por me lembrarem que “A vida passa rápido demais; e se você não parar de vez em quando pra vivê-la, acaba perdendo seu tempo”. 

Idealizei e escrevi esse texto escutando a playlist “os solos de guitarra que me lembram vc” com destaque especial para:

If This Was a Movie (Taylor’s Version), Taylor Swift 

Karma Chameleon, Culture Club 

The Name Of The Game, ABBA

Não Era Pra Ser, Nairo

Coisa da Geração, Lagum 

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