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Look Back

Existe razão para criar arte ou ser um artista?

Look back é uma maldição para os artistas.

O filme foca na relação da Fujino e a Kyomoto. Esta que começa distante, com nenhum contato, apenas uma competição, e se desenrola com o passar dos anos. Porém, vamos voltar ao início.

Reprodução: Internet.

Fujino é a desenhista principal das tirinhas do jornal da escola, suas histórias são engraçadas e chamam a atenção da turma, algo que a torna, aos seus próprios olhos, alguém especial, que tem uma habilidade que as outras pessoas não têm. Alguns gostam de chamar de dom, no entanto, como a animação mostra, é uma habilidade que exige seu tempo e esforço. Porém, esse mundo centrado da Fujino muda quando Kyomoto começa a desenhar para o jornal, essa garota que nunca aparecia na escola, que ninguém parece lembrar de forma precisa, mas os seus desenhos chamam a atenção de toda classe. Enquanto os de Fujino são engraçados, os de Kyomoto não tem nenhum balão de palavras, são paisagens, lugares, ecos de móveis e de prédios, que todos sentimos que já vimos. Kyomoto tem uma habilidade de desenho superior ao de Fujino, no quesito de composição, de técnica, de profundidade, ela é excelente em todos os desenhos de locais que decide criar, e isso arranca de Fujino a característica que a torna especial.

Fujino quebra, seu conceito sobre si mesma, fica estilhaçada. Aquele que era o seu super poder, aquilo que a tornava tão especial é arrancado de si, não são mais os seus desenhos que chamam atenção da classe, ela é superada, e esse é um momento muito humano. Artistas, sejam desenhistas, escritores, músicos, atores, enfim, são seres carentes, eles criam artes por uma espécie de compulsão, incapazes de parar, incapazes de imaginar suas vidas sem aquela fonte, que quando descoberta em algum lugar das suas vísceras, não pode ser mais arrancada, como uma espécie de podridão que corrompe tudo e o transforma em algo novo, em algo que precisa da arte. Assim, quando o artista é superado, quando ele percebe que existe alguém melhor, quando ele não é mais capaz de cativar as pessoas, ele se perde, seu senso de propósito escorre, sua própria identidade se anula, desaparece.

Reprodução: Internet.

E no caso de Fujino, ela decide tentar superar Kyomoto, os anos vão passando, sua atenção é unicamente em seus desenhos, o resto do mundo passa pelos seus olhos e não é capaz de prendê-la, ela só consegue pensar e sentir em suas páginas brancas, com o lápis em mão. Isso me faz pensar em como qualquer artista é amaldiçoado, a arte é um amante ciumento, exigente, exclusivo, ela quer tudo, precisa de tudo, seus pensamentos são voltados para ideias, suas mãos são voltadas para criação, você sonha com suas metas, com a possibilidade de viver unicamente com sua própria arte, o artista deseja, não, ele quer com todas suas forças se desprender de tudo que o impeça de alcançar e de dominar o mundo com suas próprias criações. Porém, Fujino nunca consegue alcançar o nível do desenho de Kyomoto, pois a mesma continua a desenhar, ambas evoluindo na mesma perspectiva de tempo, e ela desiste, quando sente que sua arte não é capaz de conquistar nada, que não é capaz de vencer, tenta deixar no passado aquilo que sempre exigiu tudo dela, como um pássaro, ela tenta arrancar suas próprias asas. Só que tudo muda quando Fujino precisa entregar o diploma de Kyomoto, o professor pede, alerta da relação que existe entre as duas, como a arte durante todos esses anos as conectou, de certa forma, tornando essa jornada de melhora menos solitária. E esse encontro muda a dinâmica da vida de Fujino, pois Kyomoto fala que é sua fã. Aquele vazio, aquela tristeza, aquela falta de atenção e sentido, agora é preenchido por essas simples palavras: Eu sou sua fã, e agora ambas vão desenhar juntas, alcançar um certo sucesso e vão se separar no futuro por uma briga, e depois definitivamente.

Reprodução: Internet.

O tempo inteiro o filme parecia me questionar: Qual é a razão para criar arte? Qual é a razão de gastar tanto tempo e energia nessas obras? Qual é o motivo de persegui-las mesmo com a possibilidade delas nunca entregarem nada em troca? Eu não consigo encontrar uma resposta.

Fujino e Kyomoto desenham sozinhas por muito tempo e depois desenham juntas, encontram na arte que é compartilhada entre elas, um ponto de apoio. Um laço é formado, suas vidas são completamente alteradas por causa da arte que elas tanto amam. Mas, ao mesmo tempo, existe aquele ar de dúvida, de nunca saber a razão de fazer aquilo tudo, de não viver uma vida normal, com um bom emprego e estabilidade, de querer com todo o seu coração… a chance de arriscar tudo e torcer para que sua obra seja um sucesso, para que a sua vida seja puramente arte, que você possa vivê-la em todos os momentos, senti-la sempre que quiser. Afinal, o sucesso enorme também significa não precisar se adequar totalmente às normas, os empregos normais com suas cargas de horário, significa criar sempre que quiser, durante quantas horas quiser, significa perder sua própria existência enquanto se torna milhares tentando criar outra. Talvez seja por isso que exista esse ar de melancolia nos artistas, pois a frustração é o sentimento mais real em todo o processo, o desgosto com seu próprio nível, a exigência de querer alcançar um nível de habilidade que parece nunca se aproximar.

Artistas são podres, amaldiçoados, carentes, competitivos…, pois precisam. É necessário se libertar da sua própria carne, da sua própria moral, é necessário lidar com a comparação constante, com os pensamentos que sua arte não é boa o suficiente, que existem outros extremamente melhores, é necessário se afundar em tudo que o mundo sente, mesmo aquilo que ele insiste em renegar, o artista nunca reconhece algum limite nas suas capacidades quando se trata de encontrar sua obra-prima, de inspirar ou destruir o mundo com sua criação.

Artistas são Deuses em seu próprio cosmo, capazes de tudo e nada ao mesmo tempo, e como Fujino percebe na reta final, fazemos arte, pois não somos capazes de não fazê-lo. Um artista nunca é criado, já nasce assim, não com a habilidade, isso é algo que o tempo e o esforço moldam, não, o artista nasce com o desejo, com o olhar, com algo em seu peito que irá quebrar todo o seu corpo se não for libertado, se não for transformado em algo para os olhos, para o toque, para o ouvido, enfim, para ser sentindo. Artistas são moldados pelas suas próprias inquietações, pelas contradições que ele enxerga do mundo, pelas pequenas palavras das pessoas, pois elas podem se transformar em grandes quadros, poemas, atuações, romances, o artista sente o mundo em uma profundidade que o escapa, no fim, ele é um ser mesquinho que quer ser reconhecido como alguém especial pelo mundo.

Reprodução: Internet.

Esse texto é a minha tentativa inútil de tentar encontrar dentro da história de Fujino e Kyomoto a razão por eu nunca conseguir me desvencilhar da arte, e talvez como Fujino e Kyomoto… seja pela razão simples de que eu não quero, de que eu não posso, de que apesar de todos os temores, a simples possibilidade de acerto, de uma criação que perfure os corações com ternura e pavor… seja o suficiente para uma vida inteira. No fim, o artista é um ser solitário, um ser que é incapaz de se tornar qualquer outra coisa, porém, se tivermos sorte, sempre existirá outros e assim, sempre existirá a possibilidade de compartilhar a arte criada pelas lágrimas e orações, por Jesus e Satanás, pela ciência ou religião e vê-la se transformar em algo totalmente diferente do conceito original perante outros olhos.

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