Estamos tão acostumados a consumir conteúdos novos que são poucos aqueles que conseguem deixar sua marca. Interestelar quebra esse preceito, trazendo uma trama impactante que ressoa até hoje com o público.
A magia do cinema transcende apenas as telas, os efeitos visuais ou a bilheteria que um filme consegue arrecadar. O poder do cinema está no impacto que uma simples cena pode ter na vida do espectador, como pode transformar uma mente e gerar novas ideias. Cinema é causar emoção, e deixar com que essa emoção seja carregada, discutida e compartilhada pelos espectadores das mais variadas origens.
Ao longo da vida, somos bombardeados com uma quantidade imensa de novos conteúdos, sempre produzidos para o entretenimento do público geral. Muitos podem debater e dizer que a magia do cinema tem esfriado nas últimas décadas, que já não se fazem filmes como antigamente. No entanto, de vez em quando é lançado um filme que consegue deixar sua marca, Interestelar foi esse filme para mim. Não sei se foi a trilha sonora, os efeitos visuais ou apenas a história em geral, mas lembro como se fosse ontem, a sensação que eu tive quando subiram os créditos. Ainda assim, houve uma cena específica, ou melhor, uma sequência específica no filme que ressoou em mim naquele momento e criou um sentimento que viria a carregar por anos.
Em Interestelar, após deixar sua família para trás e se juntar a uma missão espacial, na esperança de salvar o planeta de sua destruição iminente, Cooper (Matthew McConaughey) se depara com um destino que ninguém jamais poderia prever. Depois de passar apenas algumas horas em um planeta situado próximo ao buraco negro, Gargântua, Cooper e a Dra. Brand (Anne Hathaway) se deparam com uma dura realidade: a passagem do tempo. Devido à enorme atração gravitacional de Gargântua, cada hora naquele planeta equivale a sete anos na Terra.
Nolan é o tipo de diretor que gosta de brincar com ideias absurdas, usando conceitos inovadores e se permitindo criar enredos cheios de ficção e fantasia, muitas vezes confundindo o público e gerando discussões sobre a credibilidade de suas ideias. Entretanto, o tema do tempo é uma ideia comum nas obras do diretor. Seja em O grande truque (2006), A Origem (2010), Tenet (2020), Dunkirk (2017) ou até mesmo em sua trilogia do Batman (2005-2012) , Nolan faz uso dessa ferramenta a fim de direcionar seu enredo utilizando-o, muitas vezes, como elemento central de sua narrativa. A noção de tempo sempre foi um elemento essencial da trama elaborada pelo diretor, que geralmente apresenta seus personagens sendo afetados pela “temporalidade” da narrativa, presos aos ponteiros do relógio.
O sentimento de estar preso ao tempo é uma sensação experienciada pela maioria de nós. Quantas vezes a gente não desejou que o dia tivesse mais horas, ou que a vida tivesse mais anos para que a gente pudesse cumprir com tudo que nós desejamos? Ou melhor, quantas vezes nós não desejamos poder voltar no tempo? Poder passar mais um dia com uma pessoa querida, reviver momentos felizes ou reverter situações trágicas.
Não ter controle sobre um elemento tão essencial do nosso dia a dia é, sem dúvida alguma, frustrante. Mas, após assistir Interestelar pela primeira vez, eu consegui entender que essa falta de controle carrega consigo um quê de melancolia também.
Nós vivemos tão presos às nossas rotinas e ambições que, muitas vezes, deixamos a vida passar, sem nos importarmos com o que estamos perdendo. E o tempo nos trata cruelmente. Sem perceber, aqueles a quem nós amamos já envelheceram, alguns já partiram, nossos amigos estão ocupados demais, os dias são mais longos, o descanso mais curto e o tempo, que parecia passar tão devagar, acelerou o passo e nos deixou para trás.
A cena na qual Cooper entende que, apesar de terem se passado apenas alguns minutos para ele, a vida na Terra continuou por décadas, é o suficiente para deixar o público pensativo. A tristeza do personagem não está necessariamente ligada ao tempo que passou, mas ao fato de que, apesar de ter embarcado em uma missão para salvar seus filhos, ele não esteve presente para acompanhar sua família. A tristeza do personagem está em perceber que o tempo não volta, e que, mesmo se ele fosse capaz de retornar à Terra, tudo estaria diferente, seus filhos teriam crescido e seriam estranhos para ele. A tristeza de Cooper está em perceber que o futuro transformou-se em memórias que nunca foram vividas
Apesar de ser um filme de ficção, os sentimentos vividos pelos personagens são bem comuns e, até certo ponto, todos nós já lidamos com a sensação de sermos traídos pelo tempo. Sempre que passamos um período sem ver alguém querido ou ao reencontrar amigos, reunir a família e ver o quanto as crianças cresceram ou até mesmo ao nos olharmos no espelho. O sentimento que se tem depois de retornar à casa após uma longa viagem, de rever lugares que você passava quando pequeno. Somos enganados ao acreditar que as coisas permanecem as mesmas. Entretanto, num piscar de olhos somos confrontados com a realidade de que nada permanece igual, que nós não permanecemos iguais. O tempo passa e nós mudamos com ele.
Não vou mentir, esses pensamentos podem ser bem assustadores. Mas, ao mesmo tempo que Interestelar traz ao público o dilema e a tristeza que é a passagem do tempo, Nolan oferece aos espectadores um certo conforto, uma ideia abstrata do que poderia consertar a perda que os personagens sofreram, oferecendo-nos, ao mesmo tempo, consolo.
Quando confrontados com a inevitável realidade de terem perdido décadas de sua missão, colocando em risco milhões de vidas que ficaram na terra e minimizando a possibilidade de se reunirem com suas famílias, Cooper e o Dr. Brand se encontram frustrados e com pouca esperança de salvar sua jornada. Enquanto Cooper quer ser pragmático, a personagem de Anne Hathaway revela ao seu companheiro que existe algo que transcende as barreiras físicas do tempo, que, apesar da distância e do lógico, consegue dar um vislumbre de uma resposta aos problemas dos personagens: o amor.
A capacidade humana de amar nos permite desafiar o tempo e transcendê-lo. Por amor nós escolhemos nos importar, deixar um legado, torcer por dias melhores. Amar nos faz sentir responsáveis pelo futuro. É por isso que nós buscamos melhorar todos os dias, buscamos soluções para problemas que ainda não aconteceram e sacrificamos nosso tempo para garantir um futuro melhor para as próximas gerações. Escolhemos nos importar porque o tempo passa, e é por amor que nós conseguimos mostrar o quanto foi importante estar presente. O amor é algo palpável, é sentido nas fotos que pais tiram de seus filhos, nas histórias que avós contam aos seus netos, nas lembranças de juventude, nos livros que eternizam uma jornada, num filme que marca sua adolescência, num texto escrito de madrugada. O tempo passa, mas o amor permanece, nem que seja apenas nas memórias, mas ele fica. O amor é atemporal.
Uma simples cena foi capaz de me mostrar uma infinidade de sentimentos, me ofereceu inúmeras reflexões e me deixou com uma simples lição. Não importa quantas vezes eu sinta a relatividade do tempo oscilar, seria uma perda de fôlego tentar me apegar àquilo que eu não posso controlar. Ao invés disso, mais vale me dedicar a viver, cada segundo, e a amar, cada pessoa, momento, cada lágrima e suspiro, tudo faz parte. O tempo passa, mas as memórias são eternizadas na brevidade da nossa jornada.
“O amor não é algo que inventamos. É… observável, poderoso. Tem que significar alguma coisa (…) algo que ainda não conseguimos entender. Talvez seja alguma evidência, algum artefato de uma dimensão superior que não podemos perceber conscientemente. (…) O amor é a única coisa que somos capazes de perceber que transcende as dimensões de tempo e espaço. Talvez devêssemos confiar nisso, mesmo que não possamos entender.” (Dra. Amelia Brand)
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