Como é possível estar tão fisicamente perto de alguém e, ao mesmo tempo, ser tão emocionalmente distante?
Reprodução: Medianeras – Buenos Aires da era do amor virtual
Ele olha para um lado, ela para o outro. Os olhares não se cruzaram hoje, nem ontem, nem antes disso. No futuro talvez haja uma troca de olhares e daí eles sejam capazes de perceber os tons diferentes da íris do outro, mas enquanto esse futuro não chega, eles continuam não sabendo diferenciar aquele estranho entre os vários outros encontrados na rua durante aquele dia.
Quando um filme se propõe a abordar a solidão, ele pode fazer isso de duas maneiras: a) fisicamente, fazendo o protagonista sofrer nas garras de uma cela ou se isolar numa grande torre de concreto; b) emocionalmente, com o personagem principal se castigando pelo mundo horrível em que vive, consequentemente ficando sozinho mesmo que esteja no meio de uma sala cheia de convidados.
Medianeras: Buenos Aires da era do amor virtual brinca com a maneira clássica de retratar a solidão – aqui não há uma grande placa de led em cima dos protagonistas piscando e alertando que são pessoas solitárias. Tudo é dito nas entrelinhas, explícitas, mas ainda entrelinhas. Quando o filme quer colocar em evidência toda a bagagem que o personagem Martin leva na consciência, já no começo da história o foco recai no item preso a suas costas, sua mochila. Fugindo dos tradicionais balõezinhos cinzas com raios explosivos, aqui a mente pesada é tratada como metáfora física formando uma corcova pesada no Martin.
Algo paralelo acontece com Mariana, que trabalha como vitrinista e em determinado momento começa a se imaginar como um dosmanequins, perpetuamente parados e alheios ao mundo. Esta descrição cabe também a Mariana, que se isola em si e congela as paisagens, sempre à procura de um serzinho branco e vermelho (obsessão forte com Where’s Wally registrada), sendo fria, silenciosa e imóvel ao mundo.
A história, ainda, trabalha com a ideia de um terceiro personagem maior e tão complexo quanto os outros dois: a cidade de Buenos Aires, que rouba o primeiro monólogo do filme para si. Trata-se de uma análise detalhada sobre as diversas estruturas que compõem aquele cenário urbano e sentimental. A cidade sendo contemplada e vivida por Martin e Mariana se transforma para além de algo mais do que apenas o fundo para a história, a cidade, em si, oprime as personagens e condena seus romances.
Mas voltando a Wally, nossa estrela mundialmente conhecida por seu papel na franquia Where’s Wally e que aqui em Medianeras também serve de força motriz. Na trama, ele assume o papel de resposta para uma das fobias de Mariana. Por ser um personagem sempre perdido, ele consegue transmitir bem como é o sentimento de se fundir ao cenário e deixar de ser apenas uma pessoa para ser parte de milhões.
A situação de Wally ainda é mais simples, pois quem o procura sabe que basta focar nas cores de seu suéter. Para Martin e Mariana é bem mais difícil, pois eles procuram o amor sem saber como ele se parece, sem ter sequer um ponto de referência sobre como ele é.
Quanto ao que são as medianeras do título, além de serem os lados dos edifícios em que não há janelas, também são a principal metáfora do filme. Já que os “M’s”, vulgo os protagonistas, moram em prédios a poucos metros de distância e com nada os separando além de vento, duas paredes e o não reconhecimento alheio.
Mas a grande questão colocada pelo filme é como podemos conhecer aqueles que estamos destinados a encontrar se queremos (e podemos) nos fechar em um casulo de introversão e internet? Ainda mais em um mundo no qual somos capazes de morar do lado da outra ponta do nosso fio vermelho do destino e nunca saber, pois para isso seria necessário além de estar perto, corresponder o outro.
Uma conclusão é que, no fim, Medianeras é um conto de amor que sofre das consequências dos tempos modernos, sendo extremamente relacionável pela geração atual. Ele ainda cumpre esse papel com mais dignidade e senso de si próprio do que outros filmes recentemente lançados com o objetivo único de tentar fazer um retrato do presente.
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