Confira a indicação de um filme que agrada desde fãs de De Volta Pro Futuro até Todo Mundo em Pânico.
Procurando um filme “farofa” para o Dia das Bruxas? Foi em meio à essa busca que dei play em Totally Killer, lançado em 28 de Setembro no Prime Video. Traduzido para o Brasil como Dezesseis Facadas, o multi-gênero (falaremos disso mais pra frente!) é dirigido por Nahnatchka Khan, a norte-americana conhecida por Meu Eterno Talvez (2019).
Com pouco mais de uma hora e meia de duração, Dezesseis Facadas é tudo o que eu precisava para a maratona cinematográfica de Halloween que decidi começar em uma tarde de domingo aleatória. Não me leve a mal – já admiti em outros textos que sou fã de filmes ruins. Logo, a gíria humorística que usei para descrever o filme na primeira linha resume a escolha; esse tipo de obra é uma mistura de muita coisa e, de cara, parece dar errado, mas é tão péssimo que fica bom.
Seja na música, no cinema ou até para descrever a situação de uma praia, a analogia com farofa explica tudo: remete a um mix de ingredientes que se completam, formam algo plural. Não agrada todo mundo, é muito barulhento, muito variado, muito confuso – mas eu amo justamente por ser MUITO.
Apesar do título em inglês ser ok e a versão brasileira ser autodescritiva (o serial killer em questão mata vítimas de dezesseis anos com dezesseis facadas), foi o nome em espanhol que ganhou meu coração e inspirou esse texto: Dulces y sangrientos 16.
Para te convencer a assistir ao filme, listei os dezesseis “ingredientes” que compõem a produção e garantem que ele seja tão ruim que a experiência fique boa!
1) Nota 4 no Letterboxd
Os maiores críticos do cinema pontuaram as frases divertidas que tornam a comédia “um peixe fora d’água” (Christy Lemire para o RogerEbet.com), além de afirmarem que o filme consegue fugir do simplismo e quebra momentos de tensão com humor de forma agradável. Não é um cinco na crítica, afinal não é nenhum novo clássico, mas é ideal para desfrutar de uma noite de outubro. Principalmente por ter…
2) … energia de filme da sessão da tarde…
Passadas as primeiras cenas, que nos apresentam à uma cidade de interior eternamente marcada pela presença de um serial killer, o filme ganha takes que poderiam facilmente ser do início de uma comédia da sessão da tarde.
Jamie Hughes (atenção pro sobrenome, esse elemento é MUITO bom!), nossa protagonista de dezesseis anos, se arruma em um quarto tipicamente adolescente, na mais bagunçada estética de Sophia Coppola e tão rockeira quanto um filme da jovem Lindsay Lohan – com direito a maquiagem dark, música alta, pôsteres na parede e looks estilosos com a jaqueta roubada da mãe. Em seguida, os pais superprotetores, clássicos da vida e do cinema, conversam com a filha. É quando somos apresentados para o espaço temporal e emocional no qual a obra se passa: Jamie decide sair com uma amiga na noite de Halloween, deixando a família sozinha na famosa missão estadunidense de doces ou travessuras.
Acontece que Pam, a mãe de Jamie, perdeu suas três melhores amigas para o tal assassino em série na mesma data, 35 anos antes. Aí começa a parte de terror do slasher: com a filha longe, a mãe fica apreensiva com um possível retorno do assassino, e a lei de Murphy atua perfeitamente. E, de fato, ele reaparece e faz sua quarta vítima. A menina Jamie se arrepende de ter duvidado do medo da mãe, desejando poder voltar no tempo e mudar tudo.
3) … daqueles dos anos 80!
Por conta da viagem no tempo, a maior parte do filme se passa na década de 1980. Todos os elementos, inclusive as roupas e a fotografia, capturam muito bem a estética da época. As pessoas são vibrantes e as cores são fluorescentes, a moda da época é contemplada, assim como os gostos e opiniões.
Porém, um dos pontos-chave, para mim, é como a protagonista não perde a essência dos anos dois mil e vinte e poucos. Ou seja, ela problematiza as atitudes e comportamentos! E não, isso não é chato nem palestrinha, principalmente por ser feito com muito humor. Achei válido a protagonista olhar para a época a partir das lentes atuais – até porque imagino que seria o que automaticamente faríamos se tivéssemos a chance de visitar o passado! Particularmente, me sinto presenteada toda vez que percebo que um roteiro foi feito para sua geração.
4) Referências Geek
O próprio sobrenome da família é uma referência satírica ao (meu amado) diretor de cinema John Hughes. A mãe de Jamie se fantasia de Molly Ringwald (Clube dos Cinco) para o Halloween, enquanto o pai usa uma camiseta de tanquinho e ri dizendo estar vestido de Zac Efron. Existem referências a filmes como De Volta Pro Futuro, Meninas Malvadas e Vingadores: Ultimato (eu avisei que era uma obra diversa).
O próprio fato de Julie Bowen interpretar nossa mamacita (assistam o filme pra entender) que odeia o dia das bruxas é uma referência irônica, já que a atriz interpreta Claire Dunphy em Modern Family, uma mãe completamente apaixonada pela data.
5) Marty McDie (o elenco!)
Marty McFly? O New York Times decidiu zoar com o personagem principal de De Volta para o Futuro (1985) no título de uma matéria, dizendo que “o slasher teen não tem carisma suficiente para fazer o mashup cantar”. Não querendo negar todo o conhecimento crítico de Brandon Yu, mas eu achei justamente o contrário. Já falei que AMO como as críticas se opõem e cada um vê de um jeito?
Para mim, é a mistura de referências pop, marcos culturais e modos de entretenimento que torna a obra válida de assistir. E o mix começa já na escolha de elenco. Desde atores presentes em Modern Family, Riverdale e Julie and The Phatoms, contamos com a protagonista Kiernan Shipka, a Sabrina de O Mundo Sombrio de Sabrina.
6) Drama Adolescente
Com um elenco desses não poderiam faltar casais, dramas, chororôs, romances e amizades. O roteiro me remete bastante às sacadas da franquia Pânico (1997), porque tem um ar de juventude bem despretensioso. Eles não se esforçam para ser ultra engraçados e inovadores, mas, vamos ser sinceros? Nenhum jovem no dia a dia realmente o faz. É um filme basiquinho, com plots previsíveis, que não se leva a sério e faz piadas com suas próprias crises e inspirações.
7) Brisa de Viagem no Tempo
Ah, essa parte foi ótima! Enquanto foge do assassino, Jamie volta no tempo para impedi-lo de maneira literal, com a ajuda da sua melhor amiga ultra inteligente (e, depois, com a versão adolescente da mãe de sua amiga). Ela tem a brilhante ideia de ir até lá, impedir os assassinatos, descobrir quem era o assassino mascarado e voltar para futuro encontrando tudo como deixou.
Óbvio que ela se esqueceu de qualquer aula de física moderna que se preze do ensino médio. Nada de buracos de minhoca, looping temporais ou efeitos rebote. Ela simplesmente entra numa cabine de fotos pique Nárnia e, tcharam!, anos 80, voilà.
Por isso é “brisado”! É pra rir, fingir que não existe lógica, nada de levar a sério. Não espere nenhuma energia Interestelar (2014). Toda a situação de viajar no tempo, ignorar as consequências e apenas curtir uma juventude apocalíptica me lembrou muito Projeto Almanaque (2015), uma das minhas brisas de time travel favoritas. Recomendação bônus aqui!
8) Plot Twist previsível
Se não existe lei da física, saiba que essa brincadeira também não considera muita inteligência na hora de descobrir quem é o assassino. O fato é que o roteiro não foi feito para ser perfeito à la Agatha Christie. A revelação é, sim, um pouquinho sem graça. A descoberta de quem é o assassino e como tudo aconteceu não merece absolutamente nenhuma aclamação. Mas as risadas são tão boas, e saber o que vai acontecer parece tão ansiolítico, que se torna um ponto favorável.
9) Roteiro cheio de furo
Ainda assim, não posso deixar de considerar que existem furos no roteiro. Tem bastante coisa mal explicada, a maneira como os fatos são passados em certos takes é um tanto quanto desleixada, e faz parecer que faltou grana, então simplesmente decidiram ignorar detalhes. O que talvez seja verdade… Sim, tenho argumento até para erro tosco e roteiro falho!
Dezesseis Facadas é uma produção da Blumhouse, uma produtora que defende justamente formas de produção mais humildes no mundo do terror. A produtora foi criada por um executivo que decidiu direcionar produções para o terror de micro-orçamento. Foram eles que produziram Atividade Paranormal (2007) sem nem esperar que viraria hit.
A Blumhouse alcançou sucesso com obras muito refinadas e respeitadas, como Corra! (2017) de Jordan Peele e a série Objetos Cortantes da HBO. Mas nem todo filme precisa ser gigantesco como estes! Cineastas apaixonados também produzem obras livres, sem grandes preocupações de marketing e estética, e ainda assim conseguem fazer trabalhos potentes, com arcos narrativos dignos de reconhecimento.
10) Personagem “burro” = terror bom
E seja qual for a história narrada, não tem pra onde fugir: terror só é bom quando o personagem é estúpido o suficiente pra escolher descer no porão com as luzes acessas em uma noite tenebrosa, alugar casas fantasmagóricas ou passar noites escuras em cabanas afastadas. Em Dezesseis Facadas não é diferente!
11) Comédia besteirol
Lembra da piada do mamacita? Você só vai entender mesmo quando assistir. Mas digamos que o filme trabalha com uma estética Todo Mundo em Pânico (2000) renovada, um humor na melhor energia das paródias do Galo Frito (me sentindo velha, mas foi a referência que me veio à cabeça assistindo).
12) Sustos (na medida quase exata)
Esse é o print de uma conversa real entre duas cinemigas. Não me leve a mal, eu sou fã de filmes de terror! E tendo memória de peixe (alô, Dory!) esqueço os detalhes, então meu limiar de medo é bem alto por não sonhar ou lembrar de tudo depois. Mas ainda assim, a graça do terror é arrepiar a espinha e dar gritinho, certo?
Nesse quesito, até que Dezesseis Facadas me surpreendeu. Vez ou outra aparece o maluco de máscara, alguém escuta um barulho, passa um vulto no fundo da tela. Nada exagerado ou mega assustador, o filme é bem mais cômico que tudo e quem não gosta de levar sustos não chega a ter com o que se preocupar. Porém, não podem dizer que falta o elemento terror!
(Nota da editora: A Camila é medrosa, o filme não dá medo, não!)
13. Estética (ainda que sem carisma)
Entrega o que promete: comédia pastelão e um vilão de halloween. É uma pedida e não tem desculpa, agrada gregos (medrosos) e troianos (fãs de terror clássico). Fica no limiar, não esbanja nenhum carisma revolucionário. Mas já diriam os universitários, 60 é 100!
14) Elementos Slasher (fracos, mas existentes)
Slasher é um subgênero do terror, que envolve massacres e assassinatos em série. Usualmente aparecem assassinos com uma certa carência de inteligência – desculpem fãs dos Ghostfaces e demais mascarados, mas eles matam aleatoriamente e tem estilo, mas não necessariamente bom gosto.
Chamados de terror b justamente pelo baixo orçamento mencionado, normalmente envolvem adolescentes, por toda a falta de sabedoria e urgência para tomar decisões estúpidas, algo também já discutido. Vale ressaltar que a violência gráfica mais simplista e o imaginário confuso em relação ao que é ou não racional são características que contribuem para tornar o estilo tão popular quanto julgado.
15) Gênero Contemplado
No fim dos meus cálculos não existe nota para a avaliação, apenas a certeza de que o filme é bom pra quem a) quer começar com um slasher levinho, b) quer maratonar nesse halloween e já zerou toda a lista de terror existente, ou c) apenas sentir horas passarem rápido assistindo qualquer coisinha.
Ok, talvez essa não seja a melhor forma de contemplar uma crítica e te convencer a ver o filme, então aproveito o parágrafo para uma curiosidade: Como em muitos slashers, o assassino de Totally Killer usa uma máscara que esconde sua identidade. Na do longa, trata-se de um homem loiro, forte, sorridente – crepy em um estilo meio caprichete. Para escolha dessa estética em questão foi levado em conta a nostalgia dos anos 80, por isso a escolha de uma “máscara de galã bonito, mas aterrorizante” (palavras da equipe de design do filme).
16) Música boa (MUITA música boa!)
Deixei o melhor final, porque se você não se interessou por Dezesseis Facadas até aqui, chegou a hora de descobrir que a parte mais genial do filme é sua trilha sonora.
Diferente de todos os outros elementos, a música do longa não é nada óbvia! Foge tanto das músicas de anos 80 clássicas quanto dos ritmos batidos de filmes de terror.
As peças originais são particularmente interessantes, pensadas para misturar o ar de terrorismo do suspense com a animação de uma viagem no tempo. Já a trilha sonora inclui músicas conhecidas, mas não tão hitadas, da década de oitenta, como Lady in Red de Chris de Burgh e Venus de Shocking Blue.
Caro leitor, encerro dizendo que, honestamente, não sei se essa farofa que une crítica, análise, indicação, curiosidade e “querido diário” foram úteis a ti. Seja como for, esses são os doces e sangrentos desejos que tenho para o Halloween!
Veja também:
John Hughes, cinema adolescente e as noites de CineCom que ainda vamos viver
Referências
How ‘Totally Killer’ tackles true crime
A Blumhouse e a nova forma de fazer horror
Esse texto foi escrito enquanto a autora escutava:
I Put a Spell on You – Annie Lennox
Bottom of the River – Delta Rae