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Heath Ledger: herói e vilão na mesma proporção

O homem que morreu como herói e deu vida ao maior vilão de todos os tempos

O subtítulo deste texto não é uma mera coincidência. Não me lembro exatamente quantos anos eu tinha quando assisti pela primeira vez ao filme Batman Begins, mas sei que a partir dali não existia nenhum outro super-herói que me parecia mais interessante que o cavaleiro das trevas. Lembro de ficar empolgadíssimo para assistir a sequência e mal sabia eu que outro personagem, mais especificamente uma atuação, roubaria completamente a cena daquele que, até hoje, é meu herói preferido. A frase que mais me marcou no filme todo nem foi dita por esse ator em questão, mas reflete muito bem sua história:

Ou se morre como herói, ou vive-se o bastante para se tornar o vilão.

Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008)

Refletindo sobre tudo o que queria expressar nesse texto, comecei a me perguntar: Por que a atuação de Heath Ledger como Coringa é tão memorável? Dissecando todas as outras interpretações que me recordo da personagem, cheguei à conclusão de que o jovem australiano conseguiu imprimir uma simples característica que nenhum outro antecessor havia conseguido expressar com tanta maestria; A insanidade nos mínimos detalhes. A loucura é algo que muitos atores tentam representar no cinema, mas a maioria deles caem em um lugar comum de exagero e até de certa teatralidade. O famoso overacting. Ao invés de expressarem aqueles traços de maneira minimalista, a atuação simples perde espaço para caras e bocas que destroem a naturalidade da cena, na maioria dos casos. É o caso do Coringa de Jared Leto, por exemplo. Já no caso de Ledger, apesar de sua atuação também ser expansiva, o ator conseguiu incorporar toda a complexidade do personagem em sua forma de andar, em seus tiques, em sua fala e, principalmente, em seu olhar.

Reprodução: I Am Heath Ledger (2017)

Eu tinha cerca de 10 ou 11 anos quando vi o trabalho de Heath pela primeira vez. Assistir à forma que ele se dedicou para dar vida e incorporar o Coringa com tamanha maestria foi inspirador e assustador ao mesmo tempo, quase como em uma piada sarcástica pensada pelo próprio personagem. Em uma de suas primeiras aparições, o palhaço faz um lápis “desaparecer”, afirmando ser um truque de mágica e, de certa forma, é aquilo que senti ao apreciar aquela atuação; parecia ser algo mágico! A partir de então, alguma coisa mudou dentro de mim. Eu me vi sonhando em trabalhar com o mundo do cinema e, principalmente, em ser um ator. (Hoje, esses sonhos sobrevivem em uma perspectiva mais realista, mas ainda assim gosto de mantê-los vivos, afinal, o que seria da vida sem os sonhos que a motivam, né?)

“Eu ainda sou uma criança. Eu sou como uma criança de seis anos de idade.”

Heath Ledger

Nessa época, era exatamente o que eu precisava; Sonhos! Quando o filme se encerrou com o discurso do comissário Gordon sobre o Batman ser um guardião silencioso, eu comecei a pesquisar tudo sobre o Heath Ledger. Eu queria saber como ele conseguiu dar tanta autenticidade para um personagem e como ele o encarnou em tantas esferas. Indo atrás de outros de seus projetos como As 10 Coisas que Eu Odeio em Você e O Segredo de Brokeback Mountain, notei que havia algo de diferente em seu trabalho; uma espécie de paixão misturada com uma certa obsessão. O Heath Ledger amava estar em frente as câmeras contando histórias e dando vida a personagens, e foi exatamente ali que eu desenvolvi um carinho especial por ele. Mas, por mais irônico que isso possa parecer, não era todo mundo que enxergava nele esse talento promissor. Quando foi anunciado como o responsável por dar vida ao próximo Coringa no cinema, Ledger sofreu diversas críticas por parte dos fãs, sendo descrito como um ator pequeno e limitado, afinal, diferentemente de seu antecessor Jack Nicholson, o australiano ainda não era consagrado em Hollywood e só era popular por romances adolescentes considerados “superficiais”. Felizmente, Heath contrariou a todos os críticos entregando uma interpretação única já em sua primeira aparição e entrou para história como uma das maiores atuações de todos os tempos.

A forma como Ledger se entregava para os papéis era quase obsessiva, colocando cada um de seus trabalhos como sua única e exclusiva prioridade. Ele levava o processo de mergulho em suas identidades mais a sério que a maioria das coisas na vida. Para se preparar para interpretar o palhaço sociopata, por exemplo, Heath se trancou em seu quarto e estudou sobre o personagem por meses. Ele passava horas vivendo como o Coringa e treinando para incorporá-lo até nos mínimos detalhes. O australiano também descreveu detalhadamente a construção do personagem em um diário, o qual usou para organizar suas referências no set e moldar sua atuação durante as gravações. Basicamente, ele era o famoso ator do método!

Repodrução: Internet

Infelizmente, Heath Ledger faleceu no dia 22 de Janeiro de 2008, devido a uma overdose acidental, antes mesmo de sua estreia no cinema como vilão do Batman. Ele, que já lutava contra a ansiedade, insônia e o vício em drogas, acabou tendo uma alteração em seu quadro psicológico e decidiu se medicar por conta própria. Alguns veículos de comunicação optaram por noticiar a morte de maneira sensacionalista e injusta, dizendo que a entrega do ator foi o que o levou a morte e até que “o Coringa o matou”. Todas essas informações foram desmentidas por seus familiares meses depois, afinal Heath já apresentava um quadro psiquiátrico instável muito tempo antes das gravações do filme começarem.

Mas fato é que Ledger se consagrou como o único ator da história a receber um Oscar póstumo e provou o quão errados estavam todos que questionavam a qualidade de seu trabalho. A risada assustadora, a sua voz marcante e seu olhar ameaçador estão eternizados no cinema. Assim como Da Vinci é lembrado graças à Monalisa e Van Gogh à Noite Estrelada, grandes atores marcam as pessoas e se perpetuam na história através de seus personagens. Heath Ledger será lembrado para sempre como o galã rebelde de 10 Coisas que Eu Odeio em Você, o cowboy bissexual em O Segredo de Brokeback Mountain e o palhaço psicopata em Batman: O Cavaleiro das Trevas. Ele colocava a arte como prioridade em sua vida e levava sua paixão pelo cinema mais a sério que tudo ao seu redor, até mesmo do que a si mesmo. O ator, que sempre carregava uma série de câmeras e filmava seu dia a dia, continuava se dedicando à fotografia para um dia se tornar um diretor conceituado.

Reprodução: I Am Heath Ledger (2017)

O jovem australiano nunca deixou de sonhar. Ele é uma daquelas raras personalidades que deixou sua marca neste mundo e inspirou as pessoas que acompanharam sua vida, como eu, por exemplo. Eu comecei a me interessar por teatro, fotografia, escrita e, principalmente, por cinema graças ao trabalho do Heath. Hoje, eu diria que só estudo Comunicação graças aos sonhos que foram cultivados em mim nessa época. Heath Ledger me mostrou que dedicação, amor e intensidade transparecem em qualquer produção criativa. Eu acredito que cada área tenha um gênio e, assim como Marlon Brando e o Robert De Niro são lembrados como os grandes nomes da atuação, Ledger não fica de fora dessa lista.

Talvez analisando os métodos do ator, algumas pessoas o classifiquem como louco ou até mesmo como obcecado, mas não seriam todos os gênios incompreendidos de alguma forma? E se o fato de não termos consciência do quão profunda foi sua entrega for a maior prova do quão revolucionário foi o seu trabalho? Talvez toda essa dedicação de Ledger aos seus personagens não seja apenas obsessão, mas uma paixão que nem mesmo nós possamos compreender, apenas admirar. Mas afinal, não seria toda paixão uma certa forma de obsessão?

“Eu só faço isto porque eu estou me divertindo. O dia em que eu deixar de me divertir, eu pularei fora.”

Heath Ledger

Sem dúvidas, o ator era apaixonado pelo que fazia e, se não fosse todo esse esforço, talvez seu trabalho nunca alcançasse a excelência que alcançou. Heath viveu todos os seus dias correndo atrás de seus sonhos e se dedicando a aprimorar sua arte, e, apesar de seu trágico e prematuro fim, sua carreira perdurará para sempre com o cinema. Na fatídica cena em que o Coringa faz seu “truque de mágica”, Ledger parafraseava metaforicamente a si mesmo ali; o que ele fazia em cena era mágico, mesmo que nem ele mesmo soubesse disso, embora eu particularmente acredite que sim. A morte obviamente é inevitável para todos nós e isso é parte indissociável de estar vivo, mas se tem algo que o Heath sabia melhor do que ninguém é que estar vivo não é o mesmo que estar vivendo. Ele sim viveu a vida de maneira ideal, sempre correndo atrás de seus sonhos e do que amava mais do que tudo no mundo: a sétima arte.

O subtítulo deste texto realmente não é uma mera coincidência. Heath Ledger transcendeu a clássica frase escrita por Christopher Nolan. Ele foi tão excepcional que, além de morrer como um herói para todos que o enxergavam como uma inspiração, entrou para a história dando vida ao maior vilão de todos os tempos.

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