Glamour, sexo, romances e conversas, mas narrativas que de certa forma, podemos encontrar no nosso cotidiano atual
Eu recentemente acabei de assistir todas temporadas de Sex and The City com o meu namorado, e fiquei bastante surpreso em como os temas debatidos na trama são ainda tão contemporâneos, na realidade, sinto que a série foi muito corajosa e até mesmo muito a frente do seu tempo, falando sobre relacionamentos amorosos e nossas amizades, de uma forma tão realista, que muitas vezes eu esquecia que estava assistindo uma série, com atrizes e um roteiro, e poderia facilmente acreditar está escutando uma conversa real entre amigas. Mas, vamos por parte, primeiro vou apresentar nosso núcleo de protagonistas.
Carrie é a nossa personagem principal, toda trama é contada por ela, ela é uma escritora, que publica uma coluna sobre sexo, e logo percebemos que ela é bem conhecida por causa disso, conhecendo grandes nomes de NY, sendo chamada para vários eventos e gastando horrores em sapatos caros, uma mulher que está o tempo inteiro questionando tudo(seu lado artístico) e ligada totalmente ao Big, um homem confuso, que aparece durante todas temporadas da série, nos prendendo em um romance louco e tóxico, mas que parte sua fica intrigado com a química deles.
Samantha é a mulher mais velha do grupo, que em nenhum momento tenta se encaixar em alguma caixa ou em um rótulo, na realidade, entre seus vários romances, acompanhamos um com uma mulher, que foi interpretada pela Sônia Braga, um romance curto, pois estamos falando da Samantha, mas real, e em nenhum momento ela tenta esconder isso, uma mulher famosa pelo seu trabalho, com bastante sucesso e dinheiro, e que tem orgulho de amar fazer sexo e de amar o próprio corpo e quem ela é, com muitos conselhos sobre amor próprio e como nunca devemos ter vergonha de quem nós somos.
Miranda é a pessimista do grupo, aquela que sempre está lá para lembrá-las que precisamos ser realista em algumas situações, manter os pés no chão, mas que também sempre se encontra de braços abertos nos momentos que suas amigas precisam, advogada e com um grande foco no trabalho e na sua própria individualidade, ela é a típica amiga que está sempre pronta pra dizer: eu te avisei, mas para segurar suas mãos depois da frase, que sempre dirá o necessário e aquilo que pensa, e apesar de nem sempre concordamos em algumas visões, é sempre importante existir personagens femininas que não tem medo de dizer aquilo que pensa.
E por último, nossa doce Charlotte, a apaixonada no grupo, que trabalha com arte, é um grande nome na área, mas que sonha em encontrar o príncipe encantado, o casamento perfeito e ter filhos, que destoa das outras do grupo, mas talvez seja exatamente por isso que ela encaixa tão bem, ela acaba trazendo esse ar doce para pessoas que muitas vezes pensam que o amor é impossível ou apenas uma invenção, e até mesmo ela passa por esses pequenos momentos e precisa ressignificar sua própria visão de homem ideal e amor.
Esse grupo de quatro amigas, durante seis temporadas, vão crescendo, entre brigas e reconciliações, entre acertos e erros, e vamos ficar deslumbrados com a quantidade de debates trazidos pela narrativa. Episódios focados em relacionamentos abertos e fechados, aborto, a necessidade de pessoas que fazem sexo seguro e livre, irem fazer testagem de ist e se cuidar.
São tantos que eu não poderia escrever sobre todos então, irei falar sobre aqueles que mais me impactaram como pessoa e talvez te ajude a dar uma chance pra essa série incrível e maravilhosa.
Quando Carrie revela que seu pai abandonou ela quando criança e isso acaba dando todo um teor distinto para seus relacionamentos, me fez pensar: somos todos nós marcados pela nossa criança e estamos indiretamente reproduzindo ciclos e traumas com outras pessoas? É impossível não olhar para isso e lembrar que o grande par romântico dela, Big, está constantemente entrando e saindo de sua vida, voltando e abandonando a mesma, e como ela nunca é capaz de simplesmente dar um basta nisso, como ela nunca é capaz de exigir mais, e como nesse mesmo episódio, ela parece se questionar de todas suas frustrações amorosas, tentando encontrar naquela antiga foto dela com o pai, alguma resposta, será que é impossível encontrá-la? Sinto que nunca vamos ser capazes de compreender quantas atitudes são realmente nossas e quantas atitudes são frutos das raízes de onde crescemos, até onde está traçado o limite da nossa personalidade e tudo aquilo que herdamos? Existe um traço? Ou somos eternamente fruto de tudo que vivemos? É assustador, mas também libertador imaginar que tudo que somos é apenas gerado pelo caos dos encontros, pelo acaso de onde nascemos, por escolhas que nunca fizemos.
Em outro arco específico, Carrie publica um livro, e pela primeira vez, Big acaba lendo toda visão dela do relacionamento dos dois, e encontramos o personagem transtornado por tudo que ele fez, mesmo durando um único dia, é interessante observar como algumas pessoas simplesmente não têm noção de tudo que nos causaram, não são capazes de compreender o poder que exerceram sobre nossas vidas em determinado momento, todas dores que surgiram, e é necessário algo tão grande, quanto ler um livro, para eles repensarem seus próprios atos e perceberem o quão cruel eles eram, e pedirem desculpas por isso.
Mas, também como podemos e vamos magoar pessoas, é algo impossível de se evitar, adoramos falar que tudo mundo comete erros e tá tudo bem, mas infelizmente doe na prática, pois os erros são pedras que nos puxam, uma das personagens em dado momento acaba tendo um caso e traindo o namorado, e mesmo que eu queira chamá-la de uma pessoa ruim por isso, nunca fui capaz, pois estava acompanhando tudo do ponto de vista dela, e quando fazemos isso, acabamos compreendendo muito das motivações daquele ato, acabamos reconhecendo o quanto aquela pessoa é humana, mesmo errada, obviamente o namorado termina com ela e com total razão, mas ainda me doeu ver o desespero de ambos os lados, ela querendo nunca ter traído ele, ele querendo que ela nunca o tivesse magoado, mas sabemos futuramente que isso teria ocorrido de qualquer forma, seja de uma forma mais leviana ou extrema, e como todos precisamos lidar com isso, seja sendo a pessoa que carrega a culpa, seja sendo a pessoa que termina ferida no final da narrativa.
Em uma trama cheia de roupas gloriosas, debate sobre sexo, sobre assuntos que são socialmente aceitáveis e sobre outros que fogem completamente do aspecto, não vou dizer que é uma série sem problemas, pois ela carrega muitos, algumas falas são conservadoras e problemáticas, algumas cenas e casais são piores ainda.
Mas, nesse núcleo de mulheres, lutando pelas vidas que elas tanto almejam, lidando com o machismo e sexismo constantemente de serem que são, algo que vai ficando ainda mais forte no momento que elas envelhecem e algumas têm seus filhos, algo que afeta suas vidas em seus empregos e a série aborda isso, talvez não dá forma que esperamos, mas está lá, no momento que uma mulher tem medo de contar que está grávida, pois aquilo vai afetar seu trabalho, sabemos que existe algo extremamente errado naquela empresa e na sua visão de mundo, questionamentos de como lidar com nossas próprias vidas adultas, toda rotina constante de perdoar nossos eus do passado, o peso de crescer e os novos temores que crescem com isso, seja da nossa própria morte ou da morte de alguém que amamos, como raios se cria uma criança? São tantos pensamentos e tópicos, que mesmo o glamour é muitas vezes esquecido, para abrir espaço para algum diálogo mais interno, mais assustador, como o medo de ficarmos sozinho no final, afinal, tudo que fazemos em algum grau é pelas pessoas que amamos, é para demonstrar que vale a pena nos amar, mesmo sem perceber, estamos sempre tentando provar algo para alguém.
O que eu quero dizer é, apesar dos problemas, você provavelmente vai se conectar com alguma narrativa da série, seja de uma mulher reconhecendo que está em um relacionamento tóxico e literalmente dizendo que se ama muito mais e saindo dele depois de muito tempo envolvida em frustração, seja pensando em como conseguir mais dinheiro e empregos, seja pensando se quer ou não ter filhos, e o que é raios é o casamento perfeito, todas essas angústias, temores, falas, são tão palpáveis, que você se perde naquelas personagens, com aquelas garotas, pois você sente que está junto daquela mesa, desabafando sobre sua vida e se aprontando para lutar no próximo dia.
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