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Tudo pelo poder

Com um intuito não tão nobre, renovar clássicos se tornou moda

Na natureza nada se perde, nada se cria. Tudo se transforma”. A frase do químico Lavoisier nunca se aplicou tanto à atual fase da indústria cinematográfica e do entretenimento em geral. A sede pela nostalgia de um passado não vivido pelos jovens tem trazido grandes produções ambientadas dos anos 60 aos 90. O hype dessa onda vem sido alimentado cada vez mais pela Netflix, com séries ambientadas nos anos 80 e até mesmo que se passam no tempo presente, mas com uma caracterização de personagens que lembra muito a dos anos 70/80. Elementos que marcaram a infância de muitas pessoas e trouxe uma onda nostálgica – os jovens atuais se sentiram nostálgicos por uma infância que não viveram, por produtos que não tiveram, musicas que não ouviram e filmes que não assistiram.

A industria já havia percebido essa pré-disposição da nova geração para nostalgia de algo não vivido e já vinha investindo em remakes, e é esse o ponto principal: o território fértil foi encontrado para trazer de volta esse conteúdo. As pessoas estavam dispostas a produzi-lo, faltou apenas acertar a mão como outros já haviam acertado. Obviamente nem todos conseguiram e Hollywood esteve encoberta por uma névoa de remakes cansativos e pouco interessantes que não chamaram atenção do público.

Em 2018, o diretor Luca Guadagnino, que no ano anterior havia alcançado sucesso absoluto com seu filme Me chame pelo seu nome, escalou Tilda Swinton, a camaleoa das telonas, para sua nova versão do new wave Suspiria(Dario Argento, 1977). No quesito estético, Luca foi muito fiel ao trabalho do primeiro diretor Dario Argento, com planos parecidos e muitas cores berrantes contrastando em determinadas cenas. Mas o maior pecado do filme é o roteiro extremamente confuso e quase desconexo, o final simplesmente não se liga com o restante da trama. No festival de Veneza, o longa recebeu ao mesmo tempo palmas e vaias. Essa estética new wave, com cores fortes e contrastes, figurinos chamativos se mostrou presente em muitos outros filmes, como o independente The Love Witch (Anna Biller, 2016), onde até mesmo a qualidade de imagem sugere que estamos assistindo um filme em VHS. Ele se passa em 2016 mesmo, mas a bruxa Elaine gosta de se vestir e ter objetos comuns dos anos 70. O longa Sombras da Noite (Tim Burtom, 2012) traz o tom sombrio característico dos filmes do diretor com cores gritantes contrastando com o cinza de uma cidade litorânea do interior chuvoso da Inglaterra. Para o diretor, que quase sempre divide opiniões, sobre esse filme elas foram quase unânimes: a crítica foi extremamente negativa.

Não diferente disso a versão de Robocop, dirigida pelo brasileiro José Padilha (Tropa de Elite), recebeu uma chuva de críticas negativas e foi um fracasso de bilheteria. Mas nem só de infortúnios vive o mundo do remake – pouca gente sabe, mas o atemporal Onze homens e um segredo é uma versão de outro longa homônimo lançado em 1960 e que contava com Frank Sinatra no elenco. Diferente do enredo bobo e caricato do mais antigo, a versão dirigida por Steven Soderbergh ganha um roteiro envolvente, com personagens extremamente bem construídos e carismáticos, que cativam o espectador.

A indústria do remake vem cheia de erros e acertos, e uma sede de muitas vezes querer melhorar o que já era excelente. Poucos se arriscam, exatamente pelo medo de transformar clássicos do cinema em algo morno e sem graça. Muitas ideias não saíram do papel, ainda mais pela história de fracasso de alguns que tentaram, como no caso do Psicose de 1999. Uma refilmagem com novos atores, que segue a risca tudo que o rei do suspense Hitchcock transmitiu no longa original, e mesmo assim ficou fadado ao fracasso. Essa sede por novas versões acontece muito com filmes estrangeiros, onde a tentativa de americanizar o roteiro e personagens é visível. Isso é extremamente perceptível em filmes como Oldboy em sua versão americana, que não consegue trazer 1/3 da brutalidade do longa coreano, e como o Millennium: os homens que não amavam as mulheres. Após uma versão sueca incrível, com a brilhante Noomi Rapace no papel principal de Lisbeth Salander, a americana é estrelada por Rooney Mara e Daniel Craig, e o esforço dos atores para compensar o roteiro falho com uma boa atuação é perceptível aos olhos de qualquer espectador.

A questão dos remakes é bem maior que apenas aproveitar a nostalgia dos jovens por um passado que não viveram, é para recontar as histórias de forma que atenda mais um interesse, é trazer para um contexto mais privilegiado filmes estrangeiros, para substituir e mudar personagens como forma de atender à mídia e oferecer um pão e circo mais aceito no contexto americano do cinema para a população. Não é de hoje que a indústria cinematográfica Hollywoodiana transforma filmes estrangeiros em obras que se adequem a seus interesses e a quem mais quiser financiar as mesmas, sufocando culturas não ocidentais como forma de estabelecer uma espécie de etnocentrismo cinematográfico para garantir a soberania norte-americana na indústria cinematográfica – mas a verdade é que muitos países vêm desbancando a famosa Hollywood há um bom tempo.

Muitos filmes franceses, italianos, argentinos e até mesmo brasileiros já se mostraram produções mais bem construídas que muitas norte-americanas – co-produções entre mais de dois países também ganham imensurável destaque na cena e mostram peças-audiovisuais de longe mais marcantes que muitas típicas Hollywoodianas. Em algum momento o posto de potência cinematográfica irá cair por terra, e não terá remake ou tentativa de trazer a era clássica do cinema de volta que salvará esse posto.

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