Uma obra de arte pouco apreciada, “Com Amor, Van Gogh” traz uma história bela e surpreendente e garante um paraíso visual para qualquer pessoa.
Vincent Van Gogh sempre foi um dos meus artistas preferidos, não somente pelo modo como pintava, mas pela sua história. Nunca consegui entender como alguém tão genial e, hoje em dia, tão relevante conseguiu ser menosprezado em sua época. A vida de Vincent trouxe, não só grandes discussões no mundo da arte e cultura, mas também no campo da saúde mental, abrindo espaço para debates e considerações mais profundas sobre o assunto. Por isso, nesse último mês, quando o quadro “Girassóis” foi atacado na Galeria Nacional de Artes em Londres, eu não pude deixar de ficar reflexiva sobre o descaso que os envolvidos tiveram em relação à arte e a tudo que a história de Van Gogh representa.
Ao longo dos anos, diversas homenagens foram feitas ao artista, como filmes, curtas e músicas que tornassem a sua memória viva e eternizassem a sua arte. Dentre elas, vale a pena destacar a música Vincent, de Don McLean, que narra o sentimento do público hoje em dia ao entender melhor a vida do artista, livre dos tabus da época. Outra bela homenagem foi o filme No portal da Eternidade, protagonizado por Willem Dafoe, no qual retrata a vida de Vincent e o tempo que passou em Arles, antes de morrer. Mas, no CINEDICA de hoje, eu quero indicar outro longa metragem sobre esse gênio holandês, intitulado Com Amor, Van Gogh.
Com Amor, Van Gogh acompanha a história de Vincent sob uma perspectiva diferente, narrando os fatos apenas um ano após a morte do artista que, apesar de ser o tema central do enredo, não aparece como personagem principal do filme. Dessa forma, a história acompanha Armand Roulin, filho do carteiro que fazia a correspondência entre Vincent e seu irmão Theo Van Gogh, na sua busca incessável de entregar uma última carta do artista à sua família antes de morrer.
A trama segue então Armand que, obedecendo ao seu pai, e ajudando-o a cumprir sua função, embarca numa jornada até Arles, para entregar a última correspondência de Vincent. Entretanto, no decorrer de sua busca, o jovem se depara com um número de informações importantes sobre o artista, sobre sua vida, seus relacionamentos e sobre seus últimos dias antes de se matar. Todas essas descobertas levam Armand Roulin a se questionar sobre a veracidade dos fatos que estavam sendo divulgados e o impulsiona a investigar mais sobre a morte de Vincent Van Gogh.
O filme faz uma abordagem interessante da história, colocando o artista como centro, mas nunca como personagem, tornando Vincent o elemento mais essencial da trama, tendo em vista que tudo gira ao seu redor. Através do personagem de Roulin, o longa-metragem desenvolve seu enredo de maneira a “entrevistar” as pessoas que estiveram presentes nos últimos dias de vida de Van Gogh, ajudando o público a compreender o artista sob diversas perspectivas. Os diretores Dorota Kobiela e Hugh Welchman criam então uma tela de fundo muito interessante, representando Vincent como ele realmente era, mal compreendido por alguns, muito bem querido por outros, mas, sobretudo, como um indivíduo de riqueza e talento sobre medida, que merecia muito mais do que lhe foi ofertado em sua vida.
Entretanto, o aspecto mais chamativo do filme é, sem dúvida, o seu estilo de animação, que foi elaborado de modo a se assemelhar às pinturas do artista holandês, tornando-se o primeiro filme do mundo a ser completamente pintado. A direção de arte do longa contou com mais de 100 artistas, que passaram por um duro processo seletivo a fim de que fossem selecionados para fazerem parte do projeto. O projeto contou com gravações com atores como Saoirse Ronan e Douglas Booth, que logo foram pintadas, frame por frame em pintura à óleo ao estilo de Vincent Van Gogh.
Para realizar esse trabalho, foi necessário avaliar mais de 500 quadros por dia, a fim de alinhar o estilo das artes e realizar uma transição coerente entre os frames. Esse estilo de animação destacou Com Amor, Van Gogh das outras animações lançadas em 2018, e evidenciou, mais uma vez, que filmes de animação não são necessariamente sempre voltados para o público infantil, podendo abordar temas sérios e histórias marcantes, além de entregar um produto esteticamente elaborado e belo.
Com Amor, Van Gogh foi nomeado para diversas premiações, inclusive à categoria de Melhor Filme de Animação nos Oscars. Apesar de não ter ganho, o longa foi amplamente reconhecido em outros festivais de cinema, recebendo o Prêmio do Cinema Europeu de Melhor Animação.
A beleza e o enredo desse filme já deveriam ser o suficiente para convencer que ele é um item necessário na lista de todo cinéfilo. Mas não se assuste, mesmo que você não se identifique com a categoria de cinéfilo, Com Amor, Van Gogh é um filme fácil e bonito de se ver, com uma trama cativante e uma história que merece ser mais contada, esse filme é essencial de ser admirado por todos os públicos.
No final das contas, o longa de 2017 é tudo aquilo que ele promete ser, uma carta de despedida. É fácil se comover com a história, se perder nos pensamentos do que teria acontecido se o mundo fosse um lugar mais acolhedor para pessoas como o próprio Van Gogh. Espero que você se permita assistir essa bela narrativa com um olhar diferente, e que, como Armand Roulin, busque compreender melhor a história que rodeia a vida do artista, entendendo as diferentes perspectivas sobre a mesma pessoa. E que, como moral, a gente aprenda a ser mais gentil em um mundo no qual as pessoas preferem ser más com aqueles que não se encaixam nos padrões determinados por uma sociedade consumida por tabus. Mas, além de tudo, que a gente aprenda com o próprio Vincent a apreciar as pequenas coisas, os pontos de luz no céu e as boas pessoas ao nosso redor, a nos deixar inspirar pela vida e a fazer tudo como Van Gogh, com amor.
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CineProfissão: Diretor de Arte