Eu sabia que não seria preciso agendar uma entrevista. Não com a Dona Carmita. Mesmo com as perguntas elaboradas, ela me mostraria que, ali, eu era apenas a ouvinte.
Num sábado, daqueles em que aproveitamos a folga para almoçar na casa da sogra, sabe? Foi quando aconteceu essa conversa. Dona Carmita mora em Ipatinga, com seu marido, três de seus filhos e três de seus netos. Sou mera visita ali! Há dois anos, eu namoro o neto mais velho dela. Tempo o suficiente para ter conhecido a Dona Carmita antes da pandemia e entender o que a transformou durante esse período.
Ela está ali, naquela casa, já faz tempo: conhece bem a vizinhança, os mercados, seus amigos, a igreja, tudo que faz parte de sua história. Ainda mais a Dona Carmita, que valoriza abertamente os laços que constrói.
Carmita gosta da casa cheia, está sempre de portas abertas e, pela leveza das conversas e a boa vontade para com os outros, as pessoas sempre se sentem bem-vindas.
Entretanto, infelizmente, a anfitriã, no auge de seus 71 anos, faz parte do grupo de risco do Coronavírus. Tendo que redobrar os cuidados de higiene, ela não pode mais frequentar os lugares rotineiros de antes e muito menos receber as pessoas queridas em casa. Felizmente, ela não foi infectada.
As mudanças que a pandemia trouxe para Dona Carmita foram mais abstratas, mais sentimentais. Aquele papo agradável que ela sempre puxava, agora vinha com a perguntinha: “e o Corona, hein?”. A preocupação na sua mente era real, e com razão!
Ela perdeu amigos próximos. Com uma dor no coração, expressada pelo olhar triste e pelo baixo tom de voz, ela me contou que Jasmine, a neta mais nova, havia perdido a madrinha para o vírus. Madrinha que também era amiga de Dona Carmita.
Nesse momento, seu marido, o senhor Antônio se juntou a nós. Sempre brincalhão e perito em arrancar risadas da gente, dessa vez falava em tom mais sério. Sentando-se no sofá ao lado, ele contou sobre quando perdeu seu pai, não recente, mas a fim de que pudéssemos conversar abertamente sobre a morte. Concordamos, nós três, que a morte era iminente, mas que o sofrimento não…
A extensão desse período extremamente conturbado tirou hábitos, paixões e amizades, não só da Dona Carmita, mas de quase toda a população do país. Para ela, é permitido se entristecer com tudo o que está acontecendo.
Nesse sábado, enquanto aguardávamos o almoço, ela me disse que havia tomado a primeira dose da vacina.
Para ela, isso significaria o início de um caminho de volta à normalidade. Uma pontinha de felicidade no meio do caos. No fim do mês, ela deve tomar a segunda dose.