Tive Covid, que sufoco!

Era domingo, 23. O arranhado da garganta repetia os anos anteriores da conhecida laringite (ou faringite, nunca sei) que iniciara em 2012 e de lá pra cá, me visita aos dezembros, com aquela tosse (e às vezes febre) de enlouquecer cachorros e gentes, até eu perder a voz. Gotas de própolis, muita mexerica e vida que segue. Passa segunda, olhos ardem, chega terça, dor de cabeça, na madrugada a tosse ataca. Acordo quarta, desanimada, finalizo minha aula da tarde e me dou conta de que estamos em maio e meus sintomas podem ser pandêmicos. “Vou fazer o teste”, aviso. Os números do Tele-covid MG não atendem. Consigo falar na Central de Viçosa que está funcionando na Apae, atrás do Fórum. “Pode vir agora, está tranquilo”. Não estava. Ou melhor, não estávamos. Só de deparar com a fila, máscaras bambas e um atendente todo paramentado, damos meia volta: medo. Acabo retornando na quinta, mais paciente. O atendimento rápido parece interminável: medo. Perguntam duas vezes os mesmos dados, sugiro uma Intranet, o rapaz de barba imensa e sotaque paulista agradece: “vamos acatarr, boa sugestão”, talvez para que eu me sinta confortável, o que é difícil naquele local de muitas cadeiras vazias e grandes janelas abertas. Uma atendente de unhas grandes e vermelhas, quase pega no meu braço (ops!), me conduzindo a quatro compartimentos (salas marcadas e separadas por divisórias de escritório): o da triagem, o da consulta médica, o do teste (digo: “cotonete é melhor no ouvido”) e outro último para sei lá o quê. Quero mais é sair dali, enquanto a impressora engasga, me obrigando a sorrir de dentes cerrados segurando o fio da paciência que ainda me resta.  “O resultado sai em até três dias, mas te ligamos amanhã no final da tarde”.

“O Cristo fora do Rio fica esquisito, mas com as flores fica bonito”

Saio do prédio em passo apressado, nadadora do ar batendo a mão na chegada do carro. Álcool no bolso, álcool na mão, na porta, na chave e volante. Sigo até o fim da rua pra virar o carro e vejo um Cristo, o barranco, o céu. Estaciono. Meto o pé na poeira e miro a paisagem manjada: o Cristo redentor fica esquisito fora do Rio. Atrás das flores ele fica bonito. Fotografo, enfim, respiro, entro no carro e me sinto melhor. “Agora é esperar me ligarem, vai dar negativo”, acredito. Ligam na sexta, caixa postal (que me contariam posteriormente). Às cinco e 45 da tarde, eu ligo, não atendem.  Sábado não tem expediente. “Se fosse positivo, ligariam”, me tranquilizo. Vida que continua. Só que, na segunda, por volta das nove da manhã, atendo ao celular: “Você testou positivo”. “Oi?” Dez dias após o primeiro sintoma, fico sabendo que estou com Covid! Rio (de nervoso) e mesmo a atendente me garantindo que já não transmito e que os sintomas agora serão leves por, no máximo, um mês, sinto medo: Do que poderia ter acontecido e do porvir para Isabella e familiares que estão há 10 dias conosco. “Como esse vírus entrou no meu ar cheio de apreensão e álcool?” Há mais de um ano, levo uma vida apreensiva, treinando o fôlego em padarias e supermercados… Um, dois, três… Meu respiro é fundo, mas só até o peito, desde a adolescência. A dispneia suspirosa que mora comigo há décadas banaliza minha falta de ar recorrente. Mesmo acreditando estar livre da gravidade pulmonar, a notícia deixou oco o meu cérebro e pesadas as minhas pernas. Paralisei: Medo. Liguei para o mesmo número que me informara o resultado do teste para ouvir tudo de novo: “O que está sentindo? Não, você não corre mais o risco de ir para o hospital. A partir de hoje, não transmite mais o vírus. Se alguém aí sentir algum sintoma, precisa vir fazer o teste”. Ligo para minha irmã médica: “… muita água, repouso… quais medicamentos está tomando e como você está?” Qual remédio levaria embora o temor do que poderia ter sido e do que ainda pode aparecer? Não há medicamentos nem milagres para a tensão que sinto e também paira em todo Brasil. Mortes por falta de ar, teimosia, ignorância… Anunciadas em um número que chega a meio milhão. Há tipos de morte, entretanto, que não têm sido computadas pela mídia: dos sorrisos que não dão mais as caras nos bons dias de manhã (bom dia para quem, cara pálida?), daquela esperança (de tudo se ajeitar?), dos sonhos (perdão Lô, eles envelhecem!) e, mais do que tudo, a morte do Tempo. “Esse senhor tão bonito” me aparece no espelho todas as noites. Enquanto limpo o rosto com a água Micelar (refrescante, mas não mágica), o tempo me olha com o olho esquerdo vermelho e a testa franzida (talvez eu devesse tentar rodelas de pepino). Onde estão as rugas de “sorrir com os olhos”, envaidecidas pela Shirley MacLaine? O distanciamento social, a princípio cheio de possibilidades de cursos, lives e sei lá mais o quê, acabou matando o tempo. E se antes, “matar o tempo” era coisa boa e relaxante, hoje é um sufoco só.