Cabelo ruivo cacheado que se destaca de longe, armação de óculos no mesmo tom – ainda com pequenas estampas nas laterais – as unhas pintadas em verde água, entram em harmonia com o moletom da mesma cor. Atrás de um mundo de cores, mora Kátia de Lourdes Fraga. O segundo nome combina com seu lado místico: ela crê nas bênçãos e na força da ancestralidade. Parte do que é hoje, veio do berço.
Nascida em Duque de Caxias, Baixada Fluminense do Rio, Kátia cresceu vendo laços de solidariedade fortalecerem a sua comunidade. Os vizinhos ficavam com os filhos uns dos outros durante a correria do cotidiano e, nessa coletividade, a infância se fez com gosto de canjica, cocada e bolo partilhados.
A simplicidade e o contato com a ruralidade entre os oito e nove anos de idade, naquele “Sítio do Pica Pau Amarelo” firmado a pau a pique, de chão batido e sem luz elétrica trilharam o caminho da pequena Kátia na paixão pelo jornalismo. Seu dom pelo rádio surgiu ao ganhar um gravador do pai. Ouvir as gravações das entrevistas que fazia era seu entretenimento noturno, em meio à luz da lua no terreiro cercado de árvores frutíferas.
O pai operário e a mãe dona de casa criando cinco filhos com muita humildade viram uma de suas filhas tornar-se jornalista e professora de uma renomada universidade pública federal! A voz embarga e os olhos brilham quando a Caxiense relembra sua origem simples… lágrimas… Com certeza, são nas suas raízes que Kátia encontra força para sobreviver a esse momento pandêmico. O vínculo com as coisas simples a fez enxergar desde cedo que é possível ser feliz com pouco.
A partilha e o afeto nutrem sua vida.
“Mas eu sou movida por afetos, eu sou movida por e com afeto. Então o afeto me move, né? Me restaura, me inspira.”
A afetividade presente na personalidade de Kátia se transpõe para o mundo físico. A chamada pelo Google Meet me leva até sua intimidade, revelada no fundo de seu escritório. Abaixo da estante branca de seis repartições cheia de livros e o pequeno rádio preto, que demonstra o amor pela área radiofônica, um cartaz que grita o que Kátia também pede:
“Mais amor por favor!´´
Troca de carinhos, vivacidade, movimentação, dinamicidade, vida em grupo. A pandemia trouxe exatamente o contrário, daquilo que o ritmo Kátia Fraga está acostumado. A solução encontrada para driblar o momento parado foi não parar. Tanta energia jovial de Kátia me leva à curiosidade. Quantos anos tem essa mulher?
“A idade é impublicável, minha filha. Você não pode falar isso pra uma mulher acima de trinta anos.”
Realmente ela não para um segundo. Fonte e produtora ao mesmo tempo deste perfil, em meio às conversas no Whatsapp, foi difícil acompanhar seu ritmo e fazer caber aqui tantas facetas.
“Fala sério, você já teve uma fonte como eu? Kkkkk… Fonte e produtora hehehe, Beijos”
Aperte o cinto, o Modo Kátia Fraga Turbo foi ativado. Inumeráveis UFV, Alô Comunidade, Periferia Viva: esses foram alguns dos grandes projetos que ela participou em meio à publicação de artigos científicos. Com o mundo virtual comandando o mundo na pandemia, público e privado se misturavam. Muito trabalho, dias na frente do computador, das sete da manhã até meia-noite com pequenas pausas para um lanche. A professora tem se reinventado por completo inspirando-se na Aninha e suas pedras da poeta Cora Coralina:
(…) Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça. (…)
Ministrando disciplinas à distância, o meio digital onde não é tão habituada, muitas vezes se fez cansativo em vários aspectos: físico, mental, emocional. Contudo, o cansaço não chega perto da paixão:
“O jornalismo… o professor é umas das profissões mais lindas que existem na humanidade”.
O combate à desinformação na atualidade tem a mesma importância para Kátia que o protagonismo das universidades públicas, dos pesquisadores, dos cientistas e da defesa da saúde pública. Na mesma parede do escritório onde um cartaz pede amor, outro clama:
“Defender o Sus é defender o Brasil”.
Ao seu lado nessa luta, caminhando junto e única companhia durante a pandemia, seu marido Edilton é também professor da UFV. Isolados em Viçosa, respeitaram todos os protocolos de biossegurança. Contato com família e amigos apenas por telefone. Mantiveram o salário da empregada, mas a dispensaram pela segurança de ambos, valorizaram a economia local e fortaleceram a rede de solidariedade junto com os amigos. Mas em junho de 2021 o susto veio: pegaram Covid. Felizmente tiveram apenas sintomas leves e saíram ilesos.
Quem trouxe afago, nos momentos mais angustiantes foram os laços advindos das pequenas famílias que construiu ao longo da vida. No trabalho, na rotina acadêmica com os alunos ou até mesmo no cabeleireiro que frequenta há mais de quatro anos, a preocupação com outro e a amizade para Kátia se constroem naturalmente. O seu lema de orientação para vida segue valendo: faça contatos, contatos são amizades e amizades são importantes demais pra qualquer coisa que você for fazer na vida. Elas foram fundamentais para sua sobrevivência nesses tempos sombrios.
A sua irmã sempre dizia: “Não conheço ninguém que vive tão intensamente a vida como você”. A jornalista então levou ao pé da letra essa fala. A valorização dos encontros e dos momentos, mesmo que virtuais, se fez essencial. Não poder abraçar as pessoas e não poder materializar o afeto em gestos foi um pesadelo real. Na falta do toque físico, ouvir o som da voz de entes queridos por telefone, ver o rosto daqueles que ama por vídeo chamada, foi a solução encontrada.
Três tapas na cara da pandemia é o que essa mulher vívida deseja a quem tirou aquilo que ela mais preza na vida: os momentos de afago partilhados em conjunto. Enxergando a vida por uma lente de carinho, Kátia se vê em Cora Coralina:
“Não sei se a vida é curta ou longa para nós,
mas sei que nada do que vivemos tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.”
Tocando o coração das pessoas com sua alegria contagiante, Kátia colore a vida.
Por Taynara Pena