Um dia na feira comercial de Lagoa Santa. Mais um dia? Não. Dia de encontrar com o povo da família que me dá presentes por eu ter nascido e ainda estar vivo. Um dia quente, enfornado num espaço mirrado na calçada em frente à floricultura, mas com uma bela vista para a orla. As cadeiras sob a sombra das árvores são as mais disputadas; o aniversariante ganhou de presente um lugar ao sol, o conforto do frescor cabe aos mais velhos. Eram quase duas horas da tarde e a apresentação da banda de rock estava prestes a terminar. Um dos tios me trouxe uma camisa do time do coração (mais do dele do que do meu) e o outro trouxe o bolo de chocolate (mais glacê do que chocolate). Sopramos as velinhas, eu e a prima atacada que queria chamar toda a atenção. Para quem é o primeiro pedaço do bolo? Todo mundo come; todo mundo da minha mesa. Resta um candidato a engolir a maçaroca de glacê com chocolate: o moleque da mesa ao lado, demonstrando a fome de uma centena de pessoas com apenas um par de olhos. Um tanto esbugalhados eu diria, praticamente um problema de saúde. Teria ligado imediatamente para o SAMU se não o visse partir para a ação e tentar pegar ele mesmo o restante do bolo. A mãe do guri, atenta e sabida do filho que tem, interrompe o furor esfomeado e o força a pedir desculpas. “Que inferno! Já falei que não pode comer o trem dos outros!”. Era mais um dia quente e eu queria sair dali. Era mais um inferno: sabia que o bolo ia para o lixo, ele só era mais uma atuação de aniversário, uma peça previsível num teatro anual de aparências. “Não podemos levar o bolo?”, uma pergunta minha que não suscitaria nenhuma mudança neste dia calorento e cheio de impaciências. Ouvi a voz do tio mais chato: “Não!”, sem permitir contra argumentação. O bolo nem mesmo era meu, talvez nem durante os parabéns. O lixo da feira ficou mais doce e a boca de um guri mal criado, frustrada de tanto salivar.